Sob o risco da covid 19, do desmatamento e de queimadas, a floresta vive momento “mais crítico de sua história”, diz ativista. Críticos acionam a Justiça contra ataques do governo Bolsonaro ao meio ambiente.
Em meio à pandemia de covid-19, grupos da sociedade civil e promotores públicos estão processando o governo Jair Bolsonaro por não proteger a Floresta Amazônica, aumentando a pressão sobre o presidente num momento em que ele é alvo de fortes críticas devido à maneira como vem respondendo ao avanço do coronavírus no país.
Processos judiciais ajuizados no início de junho pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), pelos partidos PSB, Psol, PT e Rede Sustentabilidade, pelo Greenpeace e pelo Instituto Socioambiental desafiam o governo em duas frentes: por enfraquecer as inspeções relacionadas à exportação de madeira e por cortar verbas destinadas à proteção climática.
Os processos fazem parte de uma série de ações ajuizadas no Brasil depois de um ano e meio tumultuado de Bolsonaro, marcado por um aumento do desmatamento, ataques aos direitos dos povos indígenas da Amazônia e a promoção do relaxamento de regras para impedir a extração ilegal de madeira, a prática ilegal da pecuária e a mineração.
Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, Bolsonaro é um negacionista das mudanças climáticas que vê o meio ambiente como uma espécie de inimigo. O observatório forneceu a análise legal por trás dos recentes processos.
“É muito difícil acreditar que Bolsonaro mudará seu comportamento ou mentalidade. O que realmente precisamos fazer é neutralizar os ataques ao meio ambiente”, disse Astrini em entrevista à DW.
Nas últimas semanas, o governo brasileiro tem sido repreendido por outros governos, investidores e empresas estrangeiras por permitir o desmatamento, ao mesmo tempo em que é alvo da Justiça no próprio país por acusações de interferência política na Polícia Federal e por sua gestão da pandemia de coronavírus.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, na segunda-feira da semana passada, que o governo voltasse a divulgar os números totais sobre a covid-19 no Brasil, depois que o site do Ministério da Saúde passou a informar somente os números de casos e mortes das 24 horas anteriores. O vírus já matou quase 44 mil pessoas no país, que tem o segundo maior número de casos de coronavírus do mundo, atrás apenas dos EUA.
Ao mesmo tempo, o desmatamento atingiu seu nível mais alto desde 2008. Na semana passada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revisou para cima sua estimativa anterior, divulgada em novembro último, para a devastação ocorrida entre agosto de 2018 e julho de 2019. Usando dados de satélite, os cientistas calcularam que o desmatamento anual da Amazônia brasileira aumentou 34% em relação ao período anterior, atingindo uma área superior a 10 mil quilômetros quadrados ‒ tão grande quanto a da Jamaica.
Diante da alta, Georg Witschel, embaixador da Alemanha no Brasil, disse ao portal de notícias G1, na última quinta-feira (11/06), que o desmatamento torna “cada vez mais difícil” a ratificação do acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Para ter validade, o pacto, que foi assinado na cúpula do G20 em junho de 2019, tem que ser aprovado pelos parlamentos de todos os países de ambos os blocos.
Coronavírus e desmatamento
No Brasil, as crises ambiental e de saúde estão intimamente interligadas. Enquanto as autoridades e a população estão distraídas com a pandemia, invasores de terra aproveitam o momento para desmatar trechos de floresta. Agora, os incêndios que normalmente seguem a derrubada de árvores podem prejudicar ainda mais os sistemas de saúde.
“A expectativa, seguindo o padrão de longo prazo, é de que caso não haja uma intervenção incisiva do Estado para coibir os atos ilegais, essas queimadas induzirão o aumento do material particulado emitido para a atmosfera, degradando a qualidade do ar, e, consequentemente, aumentando a incidência de doenças respiratórias na população Amazônica”, escreveu o Inpe em relatório divulgado em maio.
“A preocupação conecta-se com a possibilidade de sobreposição entre as queimadas e a pandemia de covid-19, pois haverá uma maior demanda por tratamento em unidades de saúde, podendo acarretar um colapso desses sistemas nos estados amazônicos, que já operam no limite”, continuou o Inpe. “Avaliou-se que, caso o ponto de virada da curva epidemiológica de covid-19 não ocorra imediatamente, no mês de maio de 2020, certamente, haverá a sobreposição das queimadas com a pandemia.”
Isso pode significar um desastre para os povos indígenas, disse à DW Sarah Shenker, ativista da Survival International, ONG que defende os direitos dos povos indígenas pelo mundo. “No Brasil, existem mais de 100 tribos isoladas, e elas podem ser exterminadas se os invasores não forem removidos de seu território.”
Mesmo antes da atual crise do coronavírus, cientistas alertaram que a perda de área florestal torna a ocorrência de pandemias mais provável, pois torna maior as chances de doenças passarem de animais para humanos. Um estudo publicado na revista PNAS em outubro do ano passado constatou que o desmatamento da Amazônia aumenta significativamente a transmissão da malária.
Proteção do clima
A Floresta Amazônica ‒ 60% da qual se encontra no Brasil ‒ é um dos maiores sumidouros de CO2 do mundo. A preservação de suas árvores é crucial para atingir as metas internacionais que limitam o aumento da temperatura global a dois graus Celsius (2°C) acima dos níveis pré-industriais.
Processos judiciais que levam anos para serem concluídos não produzirão resultados com rapidez suficiente, disse Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe que foi demitido por Bolsonaro em agosto, em entrevista à DW.
Para conter o desmatamento na Amazônia, disse Galvão, as melhores ferramentas são “ações positivas que mostram que explorar a [biodiversidade] da floresta, em vez de destruí-la, gera retornos econômicos.” Por exemplo, organizações internacionais como a ONU poderiam certificar produtos de áreas florestais manejadas de forma sustentável e países poderiam reduzir os impostos de importação sobre esses produtos com “carimbo verde”.
O Brasil assumiu o compromisso legal, após a Conferência do Clima de Copenhague em 2009, a reduzir o desmatamento na Amazônia a no máximo 3.900 quilômetros quadrados por ano até 2020. Este compromisso está em conformidade com o decreto 9578/2018, consolidando os atos normativos dispostos no Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.114/2009) e na Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009). Em 2012, as medidas para proteger a Amazônia reduziram o desmatamento para 4.600 quilômetros quadrados, próximo à meta, mas em 2019, ele aumentou para quase 9.800 quilômetros quadrados.
O governo brasileiro, que em maio enviou militares para proteger a floresta, contesta sua imagem como pária ambiental. “Somos o país que mais preserva o meio ambiente do mundo”, escreveu Bolsonaro no Twitter, no Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho. “Injustamente o mais atacado.”
Dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostram, no entanto, que os gastos do governo com inspeção florestal caíram de 17,4 milhões de reais para 5,3 milhões de reais dos primeiros cinco meses de 2019 para o mesmo período de 2020, enquanto as verbas destinadas a atividades do Plano Nacional sobre Mudança do Clima passaram de 436 milhões de reais no ano passado para 247 milhões de reais neste ano.
Grandes áreas da Floresta Amazônica não têm dono registrado, facilitando a grilagem, e a falta de aplicação da lei pode até implicar que agricultores que respeitam os regulamentos estejam em competição desleal com aqueles que não o fazem.
Trabalhar com pessoas que praticam a agricultura sustentável e definir estruturas de propriedade da terra pode ajudar o Brasil a diminuir o desmatamento durante a pandemia de coronavírus e recessão, afirma Monica De Los Rios, coordenadora da ONG Earth Innovation Institute. “Este é o momento mais crítico da história da Amazônia.”
Fonte: Deutsche Welle