Mudança climática é ‘tão urgente’ quanto coronavírus, diz Greta Thunberg

Ativista Greta Thunberg se diz cética em relação à motivação de líderes mundiais de se aproximarem dela

Greta Thunberg diz que o mundo precisa aprender com as lições do coronavírus e tratar as mudanças climáticas com urgência semelhante.

Isso significa que o mundo deveria agir “com a força necessária”, afirma a ativista climática sueca de 17 anos em entrevista exclusiva à BBC News.

Ela diz achar que nenhum “plano de recuperação ‘verde'” resolverá a crise sozinho.

E que o mundo está passando agora por um “ponto de inflexão social” sobre o clima e questões como o Black Lives Matter.

“As pessoas estão começando a perceber que não podemos continuar desviando o olhar dessas coisas”, diz Greta. “Não podemos continuar varrendo essas injustiças para debaixo do tapete.”

Ela diz que o lockdown lhe deu tempo para relaxar e refletir longe do olhar do público.

Greta compartilhou com a BBC o texto de um programa bastante pessoal que ela fez para a Rádio Sueca.

No programa de rádio, que será disponibilizado online na manhã deste sábado (20), a ativista relembra o ano em que ela se tornou uma das celebridades mais famosas do mundo.

A jovem de 16 anos tirou uma licença sabática da escola para passar um ano tumultuado fazendo campanha sobre o clima.

Ela também navegou pelo Atlântico em um iate de corrida para comparecer à Cúpula de Ação Climática da ONU em Nova York.

Greta descreve líderes mundiais fazendo fila para tirar fotos com ela, como Angela Merkel perguntando se não havia problema em postar sua foto nas redes sociais.

A ativista climática é cética em relação às motivações desses líderes mundiais. “Talvez isso os faça esquecer a vergonha de sua geração decepcionando todas as gerações futuras”, diz ela. “Acho que talvez os ajude a dormir à noite.”

Great Thunberg diz achar que o mundo está passando por ‘ponto de inflexão social’

‘Como se atrevem?’

Foi na ONU que ela proferiu seu famoso discurso “how dare you?” ou, em português, “como se atrevem?”. “Você roubou meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias”, disse ela aos líderes mundiais reunidos na Assembleia da ONU.

Ela estava à beira das lágrimas enquanto dizia. “As pessoas estão morrendo, e tudo o que vocês falam é sobre dinheiro e contos de fadas do eterno crescimento econômico. Como você se atreve?”

Ela sabia que aquele era um “momento único na vida” e decidiu não se conter, ela diz agora.

“Vou deixar minhas emoções tomarem o controle e realmente fazer algo grande com isso, porque não poderei fazer isso novamente”, foi o que pensou.

Ela descreve seu trajeto de volta da ONU para o hotel no metrô, vendo as pessoas assistindo ao discurso em seus telefones. Mas diz que não sentiu vontade de comemorar.

“Tudo o que resta são palavras vazias”, diz ela.

A frase reflete seu profundo cinismo em relação às motivações da maioria dos líderes mundiais.

“O nível de conhecimento e compreensão, mesmo entre as pessoas no poder, é muito, muito baixo, muito menor do que você imagina”, diz ela à BBC.

Ela diz que a única maneira de reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa na escala necessária é fazer mudanças fundamentais em nosso estilo de vida, começando nos países desenvolvidos. Mas ela diz não acreditar que nenhum líder tenha coragem de fazer isso.

Em vez disso, ela diz, “eles simplesmente se abstêm de relatar as emissões ou as transportam para outro lugar”.

Ela afirma que o Reino Unido, a Suécia e outros países fazem isso ao não contabilizarem as emissões por navios e aeronaves e ao optar por não contabilizar as emissões de bens produzidos em fábricas no exterior.

Como resultado, ela diz em seu programa de rádio, toda a linguagem do debate foi degradada.

“Palavras como ‘verde’, ‘sustentável’, ‘consumo líquido de energia nulo’, ‘ambientalmente amigável’, ‘orgânico’, ‘neutro em termos de clima’ e ‘livre de energia fóssil’ são hoje tão mal usadas e diluídas que quase perderam todo o seu significado. Elas podem implicar desde desmatamento a indústrias de aviação, carne e indústrias automotivas”, diz ela.

Pandemia

Greta diz que o único ponto positivo que poderia surgir da pandemia do coronavírus seria se ela mudasse a forma como lidamos com as crises globais. “Isso mostra que em uma crise você age e age com a força necessária.”

Ela diz que algo que lhe encoraja é que os políticos agora enfatizem a importância de ouvir cientistas e especialistas.

“De repente, as pessoas no poder estão dizendo que farão o que for preciso, já que você não pode colocar um preço na vida humana.”

Ela espera que isso comece uma discussão sobre a urgência de tomar medidas para ajudar as pessoas que morrem de doenças relacionadas às mudanças climáticas e à degradação ambiental, agora e no futuro.

Mas ela permanece profundamente pessimista em relação à nossa capacidade de manter qualquer aumento de temperatura dentro de limites seguros.

Para Greta, mesmo que os países realmente entreguem as reduções de carbono que prometeram, ainda estaremos caminhando para um aumento “catastrófico” da temperatura global de 3 a 4 graus.

A adolescente diz acreditar que a única maneira de evitar uma crise climática é rescindir contratos e abandonar acordos existentes que empresas e países assinaram.

“A crise climática e ecológica não pode ser resolvida nos sistemas políticos e econômicos de hoje”, argumenta a ativista climática. “Isso não é uma opinião. Isso é um fato.”

Greta fala de maneira comovente sobre uma viagem que ela e seu pai fizeram pela América do Norte em um carro elétrico emprestado por Arnold Schwarzenegger, o ator de Hollywood que virou político e ativista climático.

Ela visitou os restos carbonizados de Paradise, a cidade californiana destruída por um incêndio em novembro de 2018.

Greta diz ter ficado chocada com o estilo de vida que consome muito carbono que testemunhou nos Estados Unidos. “Além de algumas usinas eólicas e painéis solares”, diz ela, “não há sinais de uma transição sustentável, apesar de ser o país mais rico do mundo”.

Mas as desigualdades sociais a atingiram com a mesma força.

Ela descreve o encontro com comunidades negras, hispânicas e indígenas pobres.

“Foi muito chocante ouvir as pessoas falarem que não têm dinheiro para colocar comida na mesa”, conta ela.

No entanto, Greta diz que se inspirou na maneira como as pessoas têm respondido a essas injustiças, particularmente os protestos do Black Lives Matter após a morte de George Floyd, um homem negro, pelas mãos de um policial branco.

Ela diz acreditar que a sociedade “passou de um ponto de inflexão social”. “Não podemos mais desviar o olhar do que a nossa sociedade ignora há tanto tempo, seja igualdade, justiça ou sustentabilidade”, afirma.

Ela descreve sinais do que chama de “despertar”, no qual “as pessoas estão começando a encontrar sua voz, para entender que podem realmente ter um impacto”.

É por isso que Greta diz ainda ter esperança.

“A humanidade ainda não fracassou”, afirma.

Ela conclui seu documentário de rádio de forma poderosa.

“A natureza não faz barganhas, e você não pode negociar com as leis da física”, afirma a adolescente.

“Fazer o nosso melhor já não é bom o suficiente. Agora devemos fazer o que é aparentemente impossível. E isso depende de você e de mim. Porque ninguém mais fará isso por nós.”

Fonte: BBC