Dados históricos sobre desastres ambientais no Brasil mostram um aumento em extensão territorial, intensidade e números de pessoas atingidas por fenômenos incomuns. Mas há solução
Quatro meses depois do início da pandemia de Covid-19 no Brasil, voltamos aos poucos a lidar com nossos “velhos” problemas. Talvez o principal deles seja o aquecimento global. Ao contrário da doença causada pelo novo coronavírus, nem sempre os riscos e as consequências das mudanças climáticas estão evidentes, e o número de pessoas que negam ou acham que a economia não pode parar por conta desses riscos é alto.
Para muitos, os problemas decorrentes do aquecimento do planeta podem ser resolvidos no futuro e não demandam ações imediatas. Para outros, é difícil entender a dimensão de alterações aparentemente pequenas, como a subida de alguns centímetros do nível do mar ou o aumento de 1 ou 2 graus Celsius na temperatura da Terra.
O fato é que essas mudanças já estão acontecendo e cada vez mais pessoas estão sendo afetadas em todo o mundo. O Brasil não está isento de sentir esses impactos, já que os eventos climáticos no sistema terrestre são produto de vários processos complexos e dinamicamente inter-relacionados, que ultrapassam fronteiras, atuando em uma ampla gama de escalas espaço-temporais.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), organização de especialistas para mudanças do clima da ONU, vem ressaltando que os eventos extremos têm aumentado em frequência e intensidade, atingindo cada vez mais populações e sistemas naturais em todo o mundo. E a situação tende a se agravar. Recentes avanços metodológicos em um ramo da ciência do clima chamado de atribuição de eventos extremos (EEA, em inglês), juntamente com registros históricos mais longos e modelos climáticos aprimorados, trazem evidências de que não se trata de uma consequência provocada simplesmente por fenômenos naturais.
As mudanças climáticas causadas pela ação humana influenciam a probabilidade e/ou a severidade de eventos extremos. Secas, chuvas intensas, ondas de calor e furacões são eventos que, dependendo da região, são esperados de tempos em tempos. Mas o que se tem visto é uma intensificação e uma maior frequência desses fenômenos. Uma cheia ou seca extrema que ocorreria a cada 100 anos, por exemplo, passa a ter recorrência a cada dez anos; já a estação de furacões, que contaria com um furacão de intensidade máxima, passa a apresentar dois ou três.
Eventos extremos têm chamado a atenção no mundo inteiro. O Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC) calcula que mais de 287 milhões de pessoas se tornaram refugiados climáticos desde 2008, sendo 24,8 milhões só em 2019. A Christian Aid, ONG britânica de ajuda humanitária, publicou no fim de 2019 um documento que analisa os maiores desastres climáticos no ano passado, que resultaram em prejuízos de mais de US$ 139 bilhões no mundo.
No Brasil, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) é o responsável por alertas para prevenir perdas humanas e materiais, e o Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil (CEPED), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é referência na análise e formação técnica para lidar com esses desastres. O histórico dos desastres naturais é feito pelo Sistema Integrado de Informações sobre Desastres S2iD, do Ministério de Desenvolvimento Regional, que registra os decretos municipais de emergência e calamidade pública, mostrando onde e quando aconteceram situações que demandaram ajuda emergencial.
Todos os registros são classificados de acordo com o Código de Desastres do Brasil (COBRADE), que separa os desastres naturais dos desastres causados por ação humana. Aqui apresentamos algumas análises usando os dados de desastres naturais registrados no S2iD entre 1980 e 2019, como climáticos (associados a secas), meteorológicos (ligados a chuvas intensas e outros fenômenos meteorológicos) e hidrológicos (relacionados a inundações e enxurradas). Desastres classificados como geológicos não foram considerados.
Entre 1980 e 2019, o número de cidades brasileiras afetadas por desastres naturais dobrou (como mostra a figura 1), sendo que o número de eventos climáticos nesse mesmo período passou de 5 mil para cerca de 33 mil, indicando que muitos municípios sofreram mais de um desastre.
Também é possível notar que o aumento no número de eventos foi mais acentuado na última década, crescendo 120% em relação à década de 2000. Entre as categorias, os fenômenos de seca (climáticos) foram os que aumentaram de forma mais marcante.
A espacialização dos dados revela padrões interessantes. Separando os eventos relacionados à seca (eventos climáticos; Figura 2) daqueles relacionados principalmente ao aumento da intensidade de precipitação (meteorológicos e hidrológicos; Figura 3), pode-se notar que há uma expansão territorial e interiorização da ocorrência desses desastres.
Na Figura 2 chama a atenção a ocorrência de secas nas regiões mais úmidas da Amazônia, o que aumenta o risco de incêndios florestais de consequências nefastas para esse tipo de ambiente. O Centro-Oeste, onde está o Cerrado, conhecido pela relativa previsibilidade climática, tem sofrido com os dois extremos, registrando aumento na ocorrência de chuvas torrenciais que causam inundações, bem como seca, sendo que o Pantanal acabou de passar pela pior temporada de queimadas dos últimos anos.
Os dados de 2013 a 2019 mostram que mais de 2,5 milhões de pessoas foram afetadas por eventos de seca ou excesso de chuvas, uma média anual de danos econômicos da ordem de R$ 6 bilhões (lembrando que nesses números não estão os desastres de causas geológicas, como os deslizamentos). Mas a boa notícia é que há ações que podemos adotar para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e ajudar a nos adaptar à nova realidade que está chegando.
A parte que nos cabe
Uma ação imediata é cuidar das bacias hidrográficas. Uma bacia bem cuidada pode ajudar tanto nos períodos de escassez de água como no controle de cheias. A organização do território, o planejamento do uso da água, no ambiente urbano e rural, e a proteção de áreas de recarga (onde ocorre o processo de infiltração e percolação da água) são algumas das ações que podem nos auxiliar nos problemas que devemos enfrentar em um futuro próximo.
Já a redução do desmatamento tem dupla função: a diminuição da emissão de gases de efeito estufa e a manutenção dos serviços ecossistêmicos (como ciclos de água, carbono e manutenção da diversidade). Para muitas regiões é necessário restabelecer os serviços naturais perdidos com esforços de restauração.
Além de tudo, é fundamental cuidar das áreas e das pessoas vulneráveis. Sistemas de alertas são indispensáveis, assim como ações de reassentamento de populações de áreas de risco, fruto de um planejamento dos territórios rurais e urbanos.
Temos um grande desafio pela frente. Já sabemos que os eventos climáticos extremos estão ficando cada vez mais frequentes, as temperaturas médias anuais do planeta estão subindo e o desmatamento continua aumentando. Mas ainda dá tempo de mudar – a ciência nos mostra não apenas as causas, mas também as possíveis soluções para trabalharmos em ações com potencial de mitigar ou diminuir os impactos.
*Mario Barroso é coordenador de monitoramento na The Nature Conservancy (TNC) Brasil. Saiba mais em www.tnc.org.br.
Fonte: Revista Galileu