A Câmara dos Deputados pode começar nesta semana a votação de projetos relacionados à área de meio ambiente.
Ambientalistas e representantes do agronegócio no Congresso concordam em um ponto: ao apreciar as propostas, o Legislativo estará dando uma resposta ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e às críticas que o Brasil tem sofrido no exterior, principalmente por conta do aumento da devastação na Amazônia.
Na sexta-feira (21/08), o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE) apresentou o relatório para o projeto da chamada “Lei do Mar”, que cria regras para o uso sustentável do mar territorial brasileiro.
O projeto tramita em regime de urgência e há acordo entre os líderes partidários para que seja votado pelo plenário da Câmara nesta semana. Se acontecer, será o primeiro projeto da chamada agenda verde a chegar ao plenário.
Mais adiante, em setembro, o plenário da Câmara pode votar os principais projetos dessa agenda: aqueles relacionados ao mercado de créditos de carbono; à mudança climática e, principalmente, ao combate ao desmatamento.
Este último é considerado o projeto mais importante por ambientalistas e por setores do agronegócio.
Além disso, os deputados Rodrigo Agostinho (PSB-SP) e Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) devem apresentar esta semana ao relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), propostas voltadas à área ambiental para serem incluídas no texto.
Pressão externa
Uma das ideias é taxar de forma diferente energias renováveis em comparação com as concorrentes que dependem de combustíveis fósseis, por exemplo. Assim, a produção de energia solar teria uma tributação menor do que uma termelétrica a carvão.
A ideia da agenda verde foi apresentada no fim de julho pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e surgiu depois que investidores estrangeiros e empresários brasileiros cobraram dele a adoção de medidas para minimizar os danos ambientais no país.
Em junho deste ano, o sistema Deter do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registrou uma área de 1.034 km² com alertas de desmatamento, um aumento de 25% em relação ao primeiro semestre de 2019.
Maia, então, formou um grupo de trabalho de deputados para discutir propostas para a área — inicialmente, o grupo era composto somente por legisladores da região sudeste do país, mas foi ampliado. É este grupo de deputados que está liderando as negociações sobre as propostas que podem ir a votação em setembro.
A pressa dos deputados tem uma razão de ser: querem mostrar que o Legislativo está atento às críticas sofridas pelo Brasil e pode dar resposta a elas.
“Esse (projeto sobre desmatamento) é um recado muito claro. Para o Brasil, e para fora do Brasil também, né? Para demonstrar de vez a nossa preocupação (com o desmatamento). Precisamos acabar com isso. O desmatamento ilegal, a grilagem de terras… não tem espaço para isso no Brasil mais, não. Isso não interessa a ninguém, muito menos ao setor produtivo”, diz o deputado Zé Vitor (PL-MG). Ele integra o grupo de trabalho da agenda ambiental e negocia o texto sobre desmatamento, pelo lado dos ruralistas.
“A ideia é que, a partir do Parlamento a gente dê um sinal do compromisso do Brasil com essa questão ambiental”, reforça Marcelo Ramos (PL-AM), relator do projeto de lei sobre regularização fundiária. O projeto relatado por Ramos é um dos mais importantes sobre o tema em discussão no Congresso — embora ainda não exista consenso sobre o texto.
Rodrigo Agostinho, coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso, diz que o objetivo é aprovar projetos que ajudem realmente o país. Por isso, o foco no projeto de lei contra o desmatamento.
“A gente tem consenso num projeto sobre a camada de ozônio. Beleza, é importante, mas o maior problema ambiental do Brasil chama-se desmatamento. Então, a gente vai perseguir encontrar soluções para isso”, diz ele.
Só em 2019, o Brasil perdeu 1,3 milhão de hectares de floresta, diz Agostinho — o equivalente a mais de 10 vezes a área do município do Rio de Janeiro.
“O Brasil tem um terço das florestas do mundo, tem três vezes mais floresta que qualquer outro país, mas é o país que mais derruba floresta tropical no mundo. Então, não vai adiantar eu vir com uma lista de cinquenta projetos bons, bacanas, se eu não conseguir em um desses projetos enfrentar o problema do desmatamento. A nossa prioridade vai ser trabalhar os projetos de combate ao desmatamento, e depois vamos caminhando em outras matérias”, diz ele à BBC News Brasil.
Punição mais dura para desmatadores
O projeto sobre desmatamento continua sendo debatido entre ambientalistas e representantes do agronegócio. Há dois textos em discussão: um apresentado por Rodrigo Agostinho, e o outro pelo deputado Zé Vitor. Esta semana, Zé Vitor deve apresentar uma contraproposta ao texto original de Agostinho.
Segundo Zé Vitor, sua proposta incluirá medidas para a regularização fundiária; para o aumento da fiscalização, com mais apoio e investimentos para o Ibama e para os órgãos de fiscalização dos Estados; para a destinação de terras devolutas (áreas vazias que pertencem à União); e medidas de incentivo à bioeconomia.
Outro ponto importante é aumentar as penas para quem desmata, medida sobre a qual há consenso entre ambientalistas e representantes da agricultura.
“Estamos finalizando uma proposta de texto que prevê um estímulo a essas ações que eu disse, mas também prevê um cadastro nacional das autorizações de supressão vegetal. A gente vai criar um sistema onde todo mundo vai ter acesso se aquele corte de árvore tem autorização ou não. Porque nem toda supressão (derrubada de vegetação) é ilegal”, diz Zé Vitor.
Rodrigo Agostinho diz que a proposta final provavelmente fará distinções entre grandes e pequenos desmatadores — quem desmata áreas pequenas não será punido com o mesmo rigor que quem destrói áreas grandes de floresta.
“O meu texto não tinha nenhuma exceção. Mas o agro pediu que os pequenos desmatamentos não entrassem. Eles entendem que não dá para punir na área penal, e faz sentido, o cara que limpou o quintal; da mesma forma que o cara que desmatou 10 mil hectares. Então, nós acabamos incluindo algumas exceções”, diz ele.
“Os pequenos desmatamentos ficam com a pena atual, e os grandes pegam uma pena mais gravosa. Mas essa é uma proposta que a gente precisa acordar ainda”, detalha Agostinho.
Em que pé estão os projetos
Algumas propostas da agenda verde seguem em negociação entre as partes, enquanto outras já encontraram consenso.
Já há acordo, por exemplo, a respeito do projeto que regulamenta a chamada Emenda de Kigali, sobre substâncias que destroem a camada de ozônio.
A Emenda de Kigali é uma adição ao Protocolo de Montreal ( um tratado internacional sobre a camada de ozônio), e foi ratificada pelo Brasil, apesar de ainda não ter sido regulamentada no país.
Ainda sobre o aquecimento global, segue em discussão o projeto de lei do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) sobre mudança climática, que estabelece a meta de zerar as emissões de gases do efeito estufa no país até 2050.
O texto também obriga o Executivo federal a formular políticas que permitam a transição para uma economia de carbono zero.
Em alguns projetos, ainda não há consenso. Um dos principais é o projeto de lei para simplificar as regras do licenciamento ambiental no país, relatado pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).
“Venho discutindo com a Frente Ambientalista nas últimas semanas, acertando os últimos detalhes do relatório, para apresentar uma última versão, que vá ao plenário com os destaques definidos. O acordo que a gente fez foi o seguinte: que antes do texto ir a votação, todos já saibam quais vão ser os destaques do setor produtivo e quais serão os destaques dos ambientalistas. Eu ainda não terminei a rodada final de negociação, mas estou trabalhando para que seja pautado em setembro”, diz Kataguiri à BBC News Brasil.
Por fim, há alguns temas em que não há nem mesmo textos fechados.
É o caso do mercado de créditos de carbono: especialistas estão sendo consultados antes que um texto seja preparado, diz o deputado Rodrigo Agostinho.
Créditos de carbono são certificados que correspondem, geralmente, a uma tonelada de dióxido de carbono equivalente.
Atividades que ajudam a tirar o gás da atmosfera geram créditos, que são depois vendidos a empresas poluidoras. Assim, cria-se um incentivo para atividades que ajudam a controlar as emissões.
Outro tema sem texto fechado: as concessões de florestas. O tema voltará a ser discutido esta semana, diz Rodrigo Agostinho.
“Uma das possibilidades são as concessões para fins de conservação. Então é um conjunto grande de situações que estão sendo analisadas e que a gente está vendo como encaminhar”, diz ele.
Fonte: BBC