Turismo, vazamento de óleo e aumento da temperatura do mar contribuíram para o branqueamento de pelo menos 90% das colônias na Paraíba — efeito que pode se estender a todo o Nordeste
A pesquisadora Cristiane Sassi mergulha e estuda os corais da Paraíba desde 1999. Em todos esses anos, a professora de ciências biológicas na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) nunca havia visto uma situação tão grave como a atual: ao menos 90% da colônias estão totalmente branqueadas, o que representa uma ameaça à sobrevivência desses animais.
Isso mesmo: embora pareçam pedras, por causa do esqueleto de calcário, os corais são cnidários, mesmo filo de animais como caravelas e águas-vivas. “O sistema nervoso no ser humano iniciou nesse grupo de organismos”, explica Sassi, que é coordenadora do Laboratório de Ambientes Recifais e Biotecnologia com Microalgas (LARBIM), cujo projeto de monitoramento dos corais foi financiado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. “Esse animal tão primitivo, e eu não gosto dessa palavra apesar de ela ser usada para descrevê-lo, foi a base para tudo o que a gente tem hoje.”
Considerados “termômetros marinhos”, por indicarem qualquer perturbação no ambiente — de aumento da temperatura a poluição —, os corais têm um papel importante também fora do mar. Vem deles boa parte do oxigênio que respiramos, e é também graças a eles que a água se torna “produtiva”. O termo indica um ambiente propício para a existência de produtos aproveitados pelo homem na alimentação, como peixes e crustáceos. “Os corais liberam um muco rico em lipídios e proteínas que serve de alimento para peixes e outros animais marinhos”, diz Sassi. Por se agruparem em grandes colônias de recifes, também ajudam a controlar o processo de erosão das encostas, pois formam barreiras que suavizam a força das ondas.
Mas os corais não fazem tudo isso sozinhos. Por terem um sistema digestivo incompleto, eles vivem uma relação simbiótica mutualística com as algas zooxantelas. É o famoso ganha-ganha: as algas funcionam como “rins” para os corais, pois absorvem compostos nitrogenados e fosfatados da digestão dos animais, além de fornecerem alimento e oxigênio proveniente da fotossíntese. O esqueleto dos corais, por sua vez, dá a elas um lugar seguro para viver. “Cada centímetro quadrado de um coral tem cerca de 6 milhões de microalgas”, destaca a professora da UFPB. São elas, inclusive, que dão aos corais as cores exuberantes pelas quais são conhecidos.
O problema é que, em situações estressantes, como aumento de poluentes ou da temperatura da água, essa relação é abalada. As algas começam a se reproduzir desenfreadamente, e os corais passam a expulsá-las. Esse é o fenômeno conhecido como branqueamento — basicamente, passamos a enxergar somente o esqueleto do coral, que é branco por causa do carbonato de cálcio.
A pesquisadora Cristiane Sassi mergulha e estuda os corais da Paraíba desde 1999. Em todos esses anos, a professora de ciências biológicas na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) nunca havia visto uma situação tão grave como a atual: ao menos 90% da colônias estão totalmente branqueadas, o que representa uma ameaça à sobrevivência desses animais.
Isso mesmo: embora pareçam pedras, por causa do esqueleto de calcário, os corais são cnidários, mesmo filo de animais como caravelas e águas-vivas. “O sistema nervoso no ser humano iniciou nesse grupo de organismos”, explica Sassi, que é coordenadora do Laboratório de Ambientes Recifais e Biotecnologia com Microalgas (LARBIM), cujo projeto de monitoramento dos corais foi financiado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. “Esse animal tão primitivo, e eu não gosto dessa palavra apesar de ela ser usada para descrevê-lo, foi a base para tudo o que a gente tem hoje.”
Considerados “termômetros marinhos”, por indicarem qualquer perturbação no ambiente — de aumento da temperatura a poluição —, os corais têm um papel importante também fora do mar. Vem deles boa parte do oxigênio que respiramos, e é também graças a eles que a água se torna “produtiva”. O termo indica um ambiente propício para a existência de produtos aproveitados pelo homem na alimentação, como peixes e crustáceos. “Os corais liberam um muco rico em lipídios e proteínas que serve de alimento para peixes e outros animais marinhos”, diz Sassi. Por se agruparem em grandes colônias de recifes, também ajudam a controlar o processo de erosão das encostas, pois formam barreiras que suavizam a força das ondas.
A união faz a cor
Mas os corais não fazem tudo isso sozinhos. Por terem um sistema digestivo incompleto, eles vivem uma relação simbiótica mutualística com as algas zooxantelas. É o famoso ganha-ganha: as algas funcionam como “rins” para os corais, pois absorvem compostos nitrogenados e fosfatados da digestão dos animais, além de fornecerem alimento e oxigênio proveniente da fotossíntese. O esqueleto dos corais, por sua vez, dá a elas um lugar seguro para viver. “Cada centímetro quadrado de um coral tem cerca de 6 milhões de microalgas”, destaca a professora da UFPB. São elas, inclusive, que dão aos corais as cores exuberantes pelas quais são conhecidos.
O problema é que, em situações estressantes, como aumento de poluentes ou da temperatura da água, essa relação é abalada. As algas começam a se reproduzir desenfreadamente, e os corais passam a expulsá-las. Esse é o fenômeno conhecido como branqueamento — basicamente, passamos a enxergar somente o esqueleto do coral, que é branco por causa do carbonato de cálcio.
Em geral, passado o estresse, eles recuperam a população de algas e voltam à ativa. Se for muito duradouro, porém, podem adoecer por bactérias ou outros patógenos do mar, ou ainda morrer de inanição. Aí, a recuperação é lenta. “A cada 10 anos, um coral cresce 1 centímetro, por isso a mortalidade é um problema tão sério”, alerta Sassi. Para que uma colônia se recomponha em recifes, é preciso de cerca de 20 anos em um ambiente sem mais nenhum impacto — o que pode ser bem raro nos dias atuais.
Efeitos sinergéticos
Há alguns anos, a costa nordestina vem passando por diferentes situações estressantes. A principal delas, por ser contínua, é o turismo desenfreado. O pisoteamento dos corais e a poluição gerada por humanos (do protetor solar na pele à alimentação de peixes com ração ou pão, até de lixo plástico jogado na água durante as visitas) contribuem para os eventos de branqueamento dos corais, que têm se tornado mais frequentes. “Antes acontecia uma vez a cada 10 anos, aí foi virando uma a cada cinco, hoje já é uma vez por ano”, observa Sassi.
Desde 2019, a situação se agravou. Primeiro, houve o vazamento de óleo, que começou em setembro e atingiu mais de 2 mil quilômetros do litoral do Nordeste e Sudeste, e cuja origem permanece um mistério — uma análise de dados de satélites feita por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e divulgada no último dia 20 de agosto revelou que ele pode ter vindo do Golfo da Guiné, na África. Embora a camada principal tenha sido retirada, vestígios do poluente foram absorvidos ou diluídos na água.
Como se não bastasse, entre março e maio deste ano, sinais de alerta para aquecimento da água foram emitidos em toda a costa nordestina. Para que vivam em paz, os corais necessitam de água transparente, de modo que a luz chegue às zooxantelas; também precisam de temperaturas amenas, entre 20 e 30ºC, e ambientes não muito profundos (embora algumas colônias pequenas possam ser encontradas a 200 metros de profundidade). É por isso que, em todo o mundo, se concentram principalmente ao longo da zona tropical.
Por causa da pandemia, a equipe do LARBIM só pôde ver de perto o que estava acontecendo em um mergulho em maio. Ainda assim, houve restrição do número de mergulhadores. Dos 10 membros da equipe, somente três puderam monitorar a situação dos corais. Eles observaram que, na Praia do Seixas, das 1,1 mil colônias, 93% estavam totalmente branqueadas; na Praia do Bessa, região da Grande João Pessoa, 90% das 80 colônias rastreadas estavam brancas.
“Pelo que tenho observado e conversado com pesquisadores de outros estados do Nordeste, imagino que a situação em lugares como Pernambuco e Ceará não seja muito diferente”, analisa Sassi. A temperatura só voltou a se normalizar em junho, e os pesquisadores aguardam a liberação da Capitania dos Portos para voltar ao mar e identificar se houve mortalidade ou recuperação dos corais.
A pesquisadora, porém, não é muito otimista. Sua maior esperança é que, justamente por causa do distanciamento social e da pausa no turismo, ao menos um dos fatores de estresse tenha sido reduzido significativamente. Mas, dada a combinação de estressores e a duração deles, ela acredita que os efeitos sinergéticos serão graves. “Espero estar errada, mas acho que a mortalidade vai ser muito alta”, lamenta. “A natureza nos mostra que não podemos negar o aquecimento global, e que a população precisa mudar sua postura. Os céticos dizem que os ecólogos são românticos, mas nós não somos românticos, é uma visão geral de mundo e de vida. Nós, seres humanos, somos integrantes dessa natureza, portanto precisamos cuidar dela para que possamos viver melhor.”
Fonte: Revista Galileu