Pantanal tem 12% da área devastada e situação pode ser irreversível

O presidente Jair Bolsonaro também foi criticado por aparecer rindo após menção à situação do Pantanal em vídeo nas redes sociais.

“Muitas pessoas que estão no campo nos dizem: não tem o que fazer, vai queimar tudo”, diz ativista (Ascom/CBMMS/Divulgação)

Pantanal sofre uma temporada de queimadas sem precedentes em sua história — e não há sinais de que o fogo esteja diminuindo. Os danos são irreparáveis: a área queimada neste ano já chega a 12% da área do Pantanal, segundo dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A área é correspondente a doze vezes a cidade de São Paulo.

“Esses eventos extremos acontecem periodicamente, mas um evento tão extremo quanto esse ainda não tinha visto, e estou aqui há 20 anos”, disse à AFP o diretor do Instituto SOS Pantanal, Felipe Dias.

Os satélites do Inpe detectaram mais de 12.000 focos de incêndio desde janeiro, mais do que os de 2018 e 2019 juntos. Mesmo faltando mais de três meses para que 2020 acabe, o número já é maior que o de 2005, que até agora cumpria o papel de ano recorde (12.536 focos).

Por trás desses números, existe um verdadeiro massacre da biodiversidade. “Pouquíssimos animais sobrevivem, o fogo causa estragos fatais. Para os que conseguem, as sequelas são muito graves (…), ou morrem de sede e fome”, explica Juliana Camargo, presidente da AMPARA Animal, uma ONG que tenta salvar espécies em risco de extinção.

“Muitas pessoas que estão no campo nos dizem: não tem o que fazer, vai queimar tudo”, acrescenta.

Nem mesmo o envio do Exército à região em agosto conseguiu controlar os incêndios. Além das autoridades, muitos voluntários tentam ajudar os bombeiros a combater o fogo. São principalmente moradores locais que vivem do ecoturismo.

A região recebe visitantes de todo mundo que admiram, em pequenas embarcações, jacarés e capivaras das áreas inundadas.

Nesta semana, as chamas chegaram ao parque natural Encontro das Águas, perto da fronteira com o Paraguai, considerado o lar da maior população de onças-pintadas do mundo.

Reação do presidente

Em um vídeo que passou a circular nas redes sociais e a ser citado pela oposição, o presidente Jair Bolsonaro aparece em uma reunião ministeral, sentado ao lado de uma criança, e ri sobre a situação do Pantanal. “Tá pegando fogo no Pantanal?”, pergunta ela.

Em resposta, Bolsonaro e participantes da reunião começam a rir — entre eles o vice-presidente Hamilton Mourão, que também lidera os esforços de combate ao desmatamento na Amazônia. Uma pessoa não identificada na sala responde que “tá pegando fogo, mas o presidente mandou dez aviões lá para ajudar a apagar”.

O presidente Bolsonaro é alvo de críticas por sua política ambiental, tendo recebido uma série de questionamentos internacionais com relação aos incêndios na Amazônia. Neste ano, grupos de investidores se reuniram repetidas vezes com o governo cobrando ações mais rigorosas contra a degradação ambiental no Brasil.

Imagem aérea do Pantanal: área é um dos patrimônios ambientais do Brasil e importante para o ecoturismo (Mayke Toscano/SECOM-MT/Divulgação)

O Senado também aprovou nesta quarta-feira um requerimento para a criação de uma comissão temporária externa para acompanhar as ações de enfrentamento contra os incêndios no Pantanal, no momento em que o bioma tem sido alvo de grandes queimadas.

O pedido, apresentado pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT), prevê que a comissão, formada por 4 membros, terá 90 dias para, por exemplo, monitorar as ações tomadas e avaliar providências adotadas a fim de evitar novos focos de incêndio.

“O Pantanal é um bioma específico, é um patrimônio da humanidade. E hoje todos nós estamos aterrorizados com o que está acontecendo”, disse Fagundes, segundo a Agência Senado.

Desmatamento e pastagens

O desastre no Pantanal foi causado, em primeiro lugar, por uma seca excepcional. De janeiro a maio – estação das chuvas -, caiu metade da chuva esperada, e muitas áreas não chegaram a ser inundadas, como ocorre nessa época do ano. “Áreas extremamente secas, aliado a grandes temperaturas e a vento forte, estão pegando fogo de forma muito intensa”, explica Felipe Dias.

Mas apenas a seca não explica tudo. Segundo o engenheiro florestal Vinícius Silgueiro, do Instituto Centro de Vida (ICV), “a substituição de plantas nativas por pastagens exóticas” fragilizou a resistência da vegetação.

Estudos também mostram que o desmatamento na Amazônia, ao norte do Pantanal, tem impacto no volume de chuvas em outras regiões porque afetam as nuvens que se deslocam com o vento — os chamados “rios voadores”.

“É muito cedo para saber se a seca observada nestes últimos anos no Pantanal está diretamente ligada a este fenômeno, mas é inegável que, pessoas como eu, que cresceram na região, puderam observar com clareza as mudanças climáticas”, afirma Vinicius Silgueiro.

Fonte: Exame