Em julho de 1997, as pessoas foram obrigadas a usar máscaras cirúrgicas nas ruas entre os edifícios de Jacarta, capital da Indonésia, devido à alta concentração de fumaça no ar. Naquele ano, marcado por uma forte estiagem, as queimadas saíram do controle e uma densa camada de fumaça cobriu a Indonésia e a Malásia. A nuvem chegou a atingir a Austrália e só se desfez por completo após um ano. Dez milhões de hectares foram queimados.
Grande parte do que queimou foram as florestas de turfa, um dos ecossistemas que mais armazena CO2 no planeta. A turfa é o material precursor do carvão e, sendo assim, em tais florestas o processo de decomposição em solo já se encontra em um estágio avançado, muito mais do que onde crescem as florestas tropicais normais. Por esse motivo, as turfeiras podem armazenar até 50 vezes mais carbono do que outras áreas florestais dos trópicos.
Pouco se sabe sobre esse tipo de vegetação, mesmo entre os pesquisadores, mas um fato conhecido é de que a turfa está desaparecendo rapidamente na Amazônia, na bacia do Congo e no sudeste asiático. Apenas nessas regiões, as árvores crescem sobre camadas milenares de turfa, que chegam a ter até 20 metros de espessura e são extremamente úmidas. Esse é o motivo pelo qual as florestas de turfa são drenadas antes da extração de madeira.
Uma vez que a mata é queimada e derrubada, resta apenas o solo de turfa, que se decompõe lentamente sob o sol. Isso faz com que quantidades enormes de CO2 sejam liberadas – muito maiores do que na queima das árvores, por exemplo.
Indonésia, o país das turfeiras – O biólogo alemão Florian Siegert, de Munique, resolveu pesquisar esse tipo de floresta, justamente na Indonésia, onde fica a metade de todas as turfeiras do mundo. Em função das plantações, cuja área total ocupada cresce cerca de 500 mil hectares por ano, são desmatadas cada vez mais florestas de turfa no país. “Outras florestas já são exploradas há tempos e, para a indústria de azeite de dendê, sobram apenas as de turfa”, diz Siegert.
Junto a seus colegas de pesquisa, em 2002, o biólogo advertiu pela primeira vez sobre os imensos impactos ambientais desse tipo de vegetação: na queimada de 1997 e 1998, foi liberada na Indonésia uma massa de carbono correspondente a um terço de toda a emissão mundial de CO2 procedente de combustíveis fósseis como o petróleo, o gás e o carvão, naquele período de tempo. E, em 2006, as florestas de turfa voltaram a queimar por alguns meses, provocando uma liberação de CO2 tão grande quanto à da Alemanha em todo aquele ano.
Esse é um dos principais motivos pelo qual a Indonésia consta, atualmente, como a terceira maior emissora de gases de efeito estufa no mundo. E, nas florestas de turfa, ainda estão armazenadas 50 bilhões de toneladas de CO2. Se apenas metade dessa vegetação fosse queimada, em virtude do lento processo de decomposição do solo extremamente rico em carbono, poderia haver uma liberação de até 90 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera.
Ciente dos riscos, o governo indonésio permite que sejam realizados estudos na região. O último deles, por exemplo, aponta que metade de toda a emissão de gases de efeito estufa no país provém da transformação de florestas de turfa em plantações.
Assim como inúmeras associações ambientalistas, os autores do estudo também exigem a suspensão dessa prática. E através de meios bastante simples: seria possível evitar 75% das emissões de CO2 ligadas às turfas se houvesse um maior cuidado com as queimadas, se áreas de turfa seca fossem irrigadas e se leis já existentes fossem cumpridas.
Descaso e impunidade – A Indonésia, porém, possui sérios problemas com o cumprimento de suas leis. A extração de madeira, por exemplo, não é permitida em florestas que ficam sobre uma camada de pelo menos três metros de turfa. Ainda assim, o desmatamento ilegal é recorrente: o país carece de policiais e agentes de controle, que rastreiem e punam os infratores.
“A corrupção é alta na Indonésia, o que dificulta a proteção florestal”, explica o ambientalista Peter Gerhardt, da organização Robin Wood. O uso de imagens de satélite, no entanto, tem ajudado a detectar o desflorestamento ilegal. A pesquisadora Angelika Heil, graduada com um trabalho nesse tema, acredita que uma convenção sobre a proteção às florestas de turfa pressionaria o governo a punir os infratores.
Já Florian Siegert acredita que, acima de tudo, é necessário convencer os produtores de azeite de dendê, mas que isso só será possível através de incentivos financeiros: apesar de o arquipélago possuir vários milhões de hectares de terra não cultivada, as transnacionais acabam optando por plantar em áreas florestais, atraídas pela possibilidade de vender a madeira retirada do local.
Uma saída para o problema seria o mecanismo REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que deve integrar o próximo acordo climático mundial. O objetivo é remunerar os países que preservarem suas florestas tropicais. Na Indonésia, alguns produtores de azeite de dendê já demonstraram interesse em abandonar as plantações caso sejam recompensados.
Óleo ainda é o problema – “Há boas bases para se começar”, afirma Siegert. Todavia, ele ressalta que apenas a suspensão do plantio de óleo de dendê poderia, de fato, salvar as florestas de turfa. “Se a demanda comercial entrar em colapso, eles vão começar a repensar”, prevê.
O produto, contudo, faz parte da estratégia da União Europeia quanto à energia renovável. “Enquanto os políticos subsidiarem a produção de óleo de dendê para proteger o meio ambiente, nós continuaremos em forte contradição”.
O especialista também encara os sistemas de certificação ambiental de forma cética. Entre eles, a Mesa Redonda do Óleo de Palma Sustentável (RSPO – Roundtable for Sustainable Palm Oil), na qual associações ambientalistas e produtores de azeite de dendê concordaram com uma proposta de produção sustentável. Siegert alerta: “O controle de qualidade aqui é muito complicado”.
Nos próximos dez anos, a Indonésia pretende duplicar sua produção de óleo de dendê, o que é um mau sinal para a proteção ambiental. “Resta-nos, como opção principal, fortalecer o pensamento crítico da população local”, aponta Peter Gerhardt. (Fonte: Folha.com)