Um macaco-prego em busca de comida. Um filhote de cervo solitário enquanto recebe tratamento. Uma onça-pintada descansa na sombra de uma árvore, em meio à destruição de seu habitat.
Estas são algumas das cenas presenciadas no atual cenário do Pantanal, considerado santuário da biodiversidade.
No bioma, que enfrenta seu pior período de incêndios das últimas décadas, os animais lutam para sobreviver. Diante da vegetação tomada pelo fogo e com a pior seca da história recente, muitas espécies têm dificuldades para encontrar alimentos e água.
Até a semana passada, o fogo havia atingido mais de 2,9 milhões de hectares do Pantanal, segundo o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo). O número representa cerca de 19% do bioma no Brasil, conforme o Instituto SOS Pantanal.
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), já foram registrados mais de 16,1 mil focos de calor (que costumam representar incêndios) no Pantanal. É o maior número desde que a entidade começou o monitoramento que se tornou referência, no fim da década de 90.
No fim de semana, houve registros de chuva no bioma. Apesar disso, as autoridades locais afirmaram que mantêm a situação de alerta na região.
Desde o início deste mês, grupos de voluntários de todo o país, entre eles biólogos e médicos veterinários, se uniram no Pantanal para ajudar os animais atingidos pelo fogo. Além de resgatar bichos feridos, eles também distribuem frutas e água para espécies em risco.
Na semana passada, o fotógrafo Frico Guimarães e o biólogo Gustavo Figueirôa, da SOS Pantanal, registraram diversos momentos que ilustram as dificuldades dos animais em meio à tragédia que atinge o bioma, localizado nos Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso — há áreas também na Bolívia e no Paraguai.
Frico e Gustavo compartilharam algumas dessas imagens com a BBC News Brasil e detalharam os momentos em que elas foram feitas.
A busca por alimento
O macaco-prego que abre a reportagem foi encontrado perto do Posto de Atendimento a Animais Silvestres (Paeas) Pantanal, iniciativa criada no fim de agosto pela Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema), com o apoio de servidores estaduais e voluntários.
O posto é localizado na rodovia Transpantaneira, via que liga a cidade de Poconé (MT) à região de Porto Jofre, na divisa com Mato Grosso do Sul.
“Esse posto funciona como um oásis no meio do caos causado pela atual seca do Pantanal. Ali, há muitos alimentos e água distribuída em cochos. Então, aparecem diversos animais”, explica Frico.
O fotógrafo relata que avistou macacos chegando aos poucos no posto, em busca de frutas. “Eles pegaram as frutas que estavam no chão, dispostas para os animais”, conta. Segundo ele, o macaco que aparece na foto estava curioso e assustado com a presença de diversos voluntários na região.
“Mas ainda assim, ele estava com fome, pegou o pedaço de mamão e foi para uma cerca, isolado. Depois de comer a fruta, olhou para as pessoas e foi embora”, relata Frico.
Dificuldades para encontrar comida
Em outra região do Pantanal, o biólogo Gustavo Figueirôa também encontrou macacos-prego. Ele navegava pelo Rio São Lourenço, com outros voluntários, quando avistou animais da espécie. “Estávamos fazendo uma incursão pelo rio, para ver as consequências dos incêndios. Em uma margem, vimos um grupo de macacos, em cima de uma árvore muito seca.”
“Esses macacos tentaram comer um broto seco, mas não conseguiram. Eles ainda morderam alguns troncos secos, mas não conseguiram se alimentar”, diz o biólogo. Enquanto acompanhava a busca por alimentos, ele fotografou os animais.
Figueirôa relata que os macacos-prego foram embora após insistente busca por comida no local. “Não havia nada que eles pudessem comer ali”, explica o biólogo.
O lago seco
O primeiro animal fotografado por Frico quando chegou ao Pantanal, no início da semana passada, foi um quati. “Estávamos na Transpantaneira quando avistamos uma família de seis quatis na beira da estrada, entrando para o que deveria ser um pequeno leito de alagado. O local estava completamente seco (em razão do baixo índice de chuva no Pantanal neste ano)”, diz.
O fotógrafo relata que os quatis, que são onívoros, buscavam alimentos. “A gente acompanhou essa família por algum tempo. Em certo momento, dois deles encontraram pequenas presas”, relata o fotógrafo.
Nas proximidades do local em que os quatis buscavam comida, Frico avistou um jacaré morto, na área que deveria estar alagada.
O recomeço
Na base do Paeas, Frico encontrou um filhote de cervo que estava em recuperação. “Ele, assim como outros animais por lá, estava em tratamento. Esse cervo era muito amigável e carinhoso. Ele estava solto na sala em que recebia o acompanhamento dos veterinários”, diz.
“Ele pode ter perdido a família, porque o pessoal não sabia dizer onde estava a mãe dele, que normalmente estaria dando os cuidados ao filho, que ainda é pequeno”, acrescenta o fotógrafo.
Segundo Frico, o animal tinha um hematoma no rosto. “Não souberam dizer como apareceu, mas não era algo como uma queimadura. Ele estava sendo tratado. Provavelmente, conseguirá retornar à natureza em breve”, relata.
A arara-azul
Na árvore de uma pousada da Transpantaneira, Frico avistou uma arara-azul. “Há várias aves que fazem ninhos por ali”, diz.
As araras-azuis tiveram uma grave perda em meio aos incêndios do Pantanal. A Fazenda São Francisco do Perigara, em Barão de Melgaço, no Pantanal mato-grossense, teve mais de 90% de seus quase 25 mil hectares atingidos pelo fogo.
A propriedade rural é considerada o local com a maior concentração da espécie para dormitório no país. Antes dos incêndios, ela abrigava cerca de 700 dessas araras em suas árvores.
A espécie — a maior arara do mundo — é um dos símbolos do Pantanal. De acordo com estudos, a região concentra a maior população remanescente, cerca de 5 mil das 6,5 mil que ainda existem livres na natureza em território brasileiro.
O tuiuiú e a ariranha
Enquanto navegava pela região de Porto Jofre, no Pantanal mato-grossense, Frico encontrou um tuiuiú, também considerado um dos símbolos do Pantanal. “Ele estava comendo uma carcaça de peixe.”
“O tuiuiú, que costuma ser arisco, estava muito calmo. Chegamos relativamente próximo a ele, a cerca de sete metros, mas ele não teve nenhuma reação, pois estava focado em comer o peixe”, diz Frico.
Ainda navegando pela região de Porto Jofre, o fotógrafo avistou uma ariranha. “Ela também estava comendo um peixe”, diz.
“Diferente do que a espécie costuma fazer, a ariranha não tentou fugir quando nos aproximamos. Ela continuou comendo o peixe. Isso pode ser considerado incomum, porque esses animais costumam ser ariscos e se escondem na água (quando um grupo se aproxima)”, relata o fotógrafo.
Ele conta que notou que muitos animais no Pantanal, assim como o tuiuiú e a ararinha, demonstram cansaço e fraqueza, por isso não costumam reagir quando os voluntários se aproximam.
A onça-pintada
Enquanto navegava pelo Rio São Lourenço, Gustavo Figueirôa avistou uma onça-pintada, nas proximidades do Parque Estadual Encontro das Águas, considerado o lugar com a maior concentração desses felinos do mundo.
Até a semana passada, cerca de 85% dos 108 mil hectares do parque, localizado em Porto Jofre, foram tomados pelo fogo, segundo o Corpo de Bombeiros de Mato Grosso. Em 11 de setembro, um felino foi resgatado no local e levado para passar por tratamento com células-tronco, porque estava com as patas queimadas.
Enquanto navegava com voluntários pelas proximidades da reserva destruída pelas queimadas, na semana passada, Figueirôa se deparou com o atual cenário no lugar. “Em anos anteriores, o parque estava verde. Desta vez, está devastado. A situação está muito feia”, lamenta.
Em períodos anteriores, era comum ver muitas onças nas proximidades do parque. No entanto, o biólogo revela que neste ano não tinha esperanças de encontrar um felino na região, em virtude das atuais condições do lugar.
Figueirôa conta que se surpreendeu ao avistar um felino próximo ao parque. “Essa onça parecia estar bem, sem nenhum ferimento. Como a vegetação foi destruída, ela estava aproveitando a sombra de uma das árvores que restaram por ali.”
O biólogo permaneceu distante do animal e registrou a cena. “Foi uma sensação de alívio e esperança, em meio ao cenário devastado”, relata.
Fonte: BBC