Em despacho liminar (temporário), a juíza federal Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho suspendeu nesta terça-feira (29/9) os efeitos de uma reunião convocada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que havia anulado regras que protegiam restingas e manguezais no país.
A juíza, da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro, considerou que a revogação destes mecanismos de proteção apresentava “evidente risco de danos irrecuperáveis ao meio ambiente“, colocando em questão direitos garantidos pela Constituição e por outras leis. A decisão judicial responde a uma ação popular aberta por quatro advogados: Rodrigo da Silva Roma; Leonardo Nicolau Passos Marinho; Renata Miranda Porto e Juliana Cruz Teixeira da Silva.
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A reunião convocada por Salles foi do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e aconteceu na segunda-feira (28/9). Nela, foram revogadas duas resoluções, em vigor desde 2002, que protegiam áreas de preservação permanente como restingas e manguezais, restringindo seu desmatamento e a ocupação.
Salles, que foi gravado neste ano dizendo que era preciso aproveitar a pandemia para “passar a boiada” de aprovação de flexibilização de leis ambientais, já havia reduzido o número de entidades da sociedade que fazem parte do Conama em 2019. O conselho é o principal órgão consultivo do ministério e tinha participação de 96 entidades — hoje, tem 23 membros.
Além das resoluções 302 e 303, que protegem os manguezais, a reunião derrubou a resolução 284/2001, que estabelecia critérios de eficiência de consumo de água e energia necessários para aprovação de projetos de irrigação. O ministério também liberou a queima de lixo tóxico em fornos usados para produção de cimento — a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que essa queima seja feita em ambiente controlado.
O governo justificou que as questões tratadas nas resoluções foram incorporadas por leis aprovadas depois, como o Código Florestal.
Não ficou claro, na liminar dessa terça-feira (29/9), se anulação dos efeitos da reunião vale apenas para as regras envolvendo manguezais e restingas, ou a todas as outras pautas.
Especialistas em meio ambiente afirmam que as resoluções eram as únicas normas que de fato protegiam manguezais e restingas, essenciais para manutenção do equilíbrio ambiental no país e no mundo.
Restingas são áreas de vegetação encontradas em regiões arenosas de praias e em dunas.
Manguezais são ecossistemas costeiros, de transição entre a terra e o mar, que ficam em regiões tropicais e subtropicais do planeta. É ali onde ficam aquelas plantas retorcidas por cima da lama escura que, de acordo com a maré, ora ficam cobertas pela água salgada do mar, ora ficam expostas com as raízes fincadas na água que se mistura à dos rios.
O Brasil tem quase 14 mil quilômetros quadrados de áreas de manguezais, segundo o Atlas dos Manguezais do Brasil, um documento produzido pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) publicado em 2018.
Além disso, o país tem a maior extensão contínua de manguezais do mundo, e fica em segundo ou terceiro lugar entre os países com maior área de manguezal — a classificação muda de acordo com a metodologia aplicada.
E por que os manguezais são tão importantes?
Eles prestam uma série de “serviços”, de acordo com a professora do Instituto Oceanográfico da USP, Yara Schaeffer Novelli, e o biólogo e oceanógrafo Clemente Coelho Júnior, professor da Universidade de Pernambuco que está participando do trabalho de retirada de petróleo das praias.
Ambos são fundadores do BiomaBrasil, instituto que dá capacitações formal e informal sobre conservação da biodiversidade.
Eles citam algumas dessas funções dos manguezais:
1. Berçário natural: de 70% a 80% das espécies de importância econômica passam pelo menos uma fase da vida nos sistemas de manguezal, o que faz com que os mangues sejam conhecidos como os “berçários naturais” da vida marinha.
Ali, os filhotes ficam em seus primeiros estágios de desenvolvimento, aproveitando o ambiente mais calmo, onde as raízes das árvores dão proteção e eles. Como é um ambiente cheio de nutrientes, os filhotes também têm alimentação ali. Depois, migram para o mar aberto.
2. Protege de processo natural de erosão: o mangue atenua o processo de erosão costeiro, protegendo todo litoral. A pressão e energia do mar que atingiriam a costa são dissipadas no mangue.
“O manguezal protege as costas das ações de ressacas, de tsunamis. Isso foi bem provado no tsunami de 2004, no dia 26 de dezembro em Sumatra [Indonésia]. Onde ainda havia manguezal, as comunidades que estavam por trás dessa barreira natural foram menos prejudicadas que aquelas comunidades que já haviam substituído os manguezais por resorts, plantações de arroz e outros”, lembra Schaeffer Novelli.
3. Filtro biológico: a floresta tem capacidade de “digerir” matéria orgânica e absorver muitos nutrientes. Se esgoto é lançado no rio, por exemplo, os mangues filtram isso, retendo as substâncias, absorvendo nutrientes e acumulando em sua biomassa.
4. Retenção de sedimentos: os rios correm arrastando solo e sedimentos, e quando chegam no estuário as partículas se acumulam nas raízes do mangue. Isso significa que o mangue cuida do leito do rio, assoreando, retendo os sedimentos antes de chegarem ao mar, garantindo uma água mais limpa na zona costeira.
5. Combate ao aquecimento global: dentro dos ecossistemas, as florestas de mangue são as que mais sequestram carbono da atmosfera. Isso significa que o mangue ajuda a combater o aquecimento global. “O manguezal tem importância nesse contexto moderno das mudanças climáticas por ser muito eficiente fixador e acumulador de carbono”, diz Schaeffer Novelli.
6. Importância cultural e cênica: em muitas regiões as áreas de manguezal são tidas como sagradas. Além disso, sua beleza cênica é importante para o turismo.
Fonte: BBC