Alunas criam minifoguete para reflorestar áreas devastadas de difícil acesso

Projeto de escola agrícola do Paraná para estimular participação de meninas na ciência é finalista em premiação nacional. Ideia de estudantes de 14 e 15 anos surgiu após incêndio que arrasou parque nacional na região.

As alunas Kawany Caroline Duarte da Rocha, Estephany Cristine da Silva Alves, e Marina Grokorriski e protótipos dos minifoguetes

Da sua casa, em Altônia, Paraná, Estephany da Silva Alves, 15 anos, acompanhou as chamas consumirem árvores e deixarem o horizonte cinzento. Era um incêndio no Parque Nacional de Ilha Grande, que destruiu 68% da área de preservação em 2019 e ameaçou comunidades do entorno.

“Dá uma agonia no peito ver tudo o que está acontecendo. O desmatamento ilegal, as queimadas… É uma situação que tem que mudar”, relembra a aluna do 1º ano do Ensino Médio, sobre as cenas daquela tragédia, que têm se repetido por todo o país na atual temporada de queimadas.

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A oportunidade de promover alguma mudança surgiu na escola onde ela cursa o primeiro ano de Técnico em Agropecuária. Durante as aulas de Emmanuel Zullo Godinho, professor de solos e produção vegetal, ela gostou da ideia de um projeto para envolver meninas na ciência na área de sustentabilidade.

“Ele falou do empoderamento feminino na área, de sementes, sobre estar em campo e proteger o meio ambiente“, diz Marina Grokorrisky, 16 anos, que também se interessou pela proposta.

Foi Alves que convenceu Kawany Duarte da Rocha, 14 anos, a participar. Juntas, sob a orientação do professor e de uma equipe interdisciplinar, as três estudantes começaram a desenvolver minifoguetes capazes de transportar sementes até áreas de difícil acesso.

“A gente pensou que esse projeto poderia ajudar a reflorestar o parque aqui perto que pegou fogo”, explica Rocha.

Pensado para uma feira de ciências que acontece na cidade de Palotina (PR), onde fica o Colégio Agrícola Estadual Adroaldo Augusto Colombo, frequentado pelas meninas, a proposta acabou inscrita num concurso internacional.

“Nosso projeto, ‘Reflorestamento com minifoguetes: sementes para o futuro’, usa inicialmente duas sementes. O ipê, que é silvicultura, plantação de árvore; e a pitanga, que é fruticultura, e assim ajuda a recompor uma área de vegetação nativa”, detalha professor Godinho.

Levada adiante mesmo durante a pandemia, a iniciativa convenceu os jurados e se tornou uma das dez finalistas do Prêmio Respostas para o Amanhã, promovido globalmente pela Samsung com o intuito de incentivar escolas públicas a criarem soluções tecnológicas, e que chegou ao Brasil em 2014.

“O programa estimula o pensamento crítico e o olhar de protagonista nos estudantes, propondo a utilização, na prática, dos conhecimentos que integram a abordagem STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em inglês)”, declara Isabel Costa, da Samsung Brasil.

Inclusão e tecnologia de baixo custo

Feito com tubo de PVC e movido a base de um combustível natural, uma pilha e um fio para dar ignição, o minifoguete foi desenvolvido a um custo unitário de R$ 50.  O protótipo chega a subir até 300 metros.

As sementes são transportadas num compartimento especial no “bico” do veículo. Quando ele atinge a altura máxima, esse compartimento se abre e as sementes são espalhadas no solo, com uma capacidade de reflorestar uma área de 284 metros quadrados.

“Mesmo sendo distintas, as sementes de ipê e pitanga têm condições agronômicas parecidas: precisam de muita água e demoram de 3 a 4 meses para se tornarem uma planta jovem”, explica o professor.

Por causa da pandemia e da atual seca no estado, os primeiros lançamentos no parque nacional devem acontecer a partir de dezembro, quando deve voltar a chover. “Reflorestar uma área queimada não é fácil. As sementes que o minifoguete vai levar já começaram a ser selecionadas na região, já estão adaptadas”, adianta Godinho.

Sem recursos específicos para o reflorestamento, a equipe tem recebido ajuda da escola e de moradores da cidade. “A gente tem recebido apoio, há quem doe os canos de PVC, a gente vai fazendo ‘no braço’, sem desistir”, conta o professor.

As primeiras sementes

O passo inicial para estimular o envolvimento das estudantes com a ciência e pesquisa havia sido dado anos antes num outro lugar, próximo ao colégio. Inconformada com a baixa participação de meninas na área, Mara Fernanda Parisoto, professora de Física na Universidade Federal do Paraná (UFPR), decidiu atacar o problema.

Ela participou de um edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que incentivava a participação de meninas nas Exatas. A resposta positiva chegou no fim de 2018 e Parisoto começou a dar cursos aos sábados para estudantes e professoras do Ensino Básico e, dessa maneira, formar multiplicadores nas escolas.

Foi assim que a confecção de minifoguetes chegou ao colégio agrícola e o projeto em parceria com professor Godinho tomou forma. “Nosso lema é ‘Qualquer lugar é lugar de mulher’ e ‘Conhecimento só é conhecimento quando é compartilhado'”, afirma Parisoto à DW Brasil.

Lançamento de um minifoguete com sementes

Os ensinamentos de física ajudaram as estudantes a construir os minifoguetes, apesar dos percalços. “Eu não tinha noção nenhuma e ter participado abriu muitas coisas, trouxe muito conhecimento”, conta a caçula da turma, Kawany Duarte da Rocha.

No sítio onde mora com a família, que planta alguns alimentos para consumo próprio, ela também já aplica ensinamentos sobre solo que aprendeu com professor Godinho. “Eu achava que solo fosse um pedaço de chão, mas vi que vai muito além”, diz.

Ter chegado até a final do prêmio, para a professora universitária Parisoto, foi uma surpresa. “Vimos projetos e propostas inscritos muito bons, que atacavam problemas muitos relevantes. Deveria haver mais no país essas premiações e incentivos. Se houvesse investimento, imagine o que poderia ser feito”, comenta.

Os ganhadores só serão conhecidos em meados de novembro. Mas, para as alunas, o reconhecimento já é um prêmio. “Só de aprender a construir um minifoguete, de ver o lançamento e que funciona já foi muito importante”, pontua Marina Grokorrisky.

Para Estephany da Silva Alves, o projeto pode, definitivamente, ser parte da mudança que ela espera ver no mundo. “Tem sido uma grande oportunidade de aprender mais, ajudar o meio ambiente, de conscientizar todos sobre a destruição das queimadas. E elas estão acontecendo em muitos lugares do Brasil agora”, justifica.

A expectativa é que os minifoguetes usados para reflorestamento sejam replicados em todo o país. “Acho que ele é uma esperança”, conclui Alves sobre o projeto.

Fonte: Deutsche Welle