Com uma intensidade recorde, a temporada 2020 de furacões do Atlântico trouxe ao menos dez furacões nomeados. O mais recente, de Categoria 1, chamado Furacão Épsilon, está devastando as ilhas Bermudas.
Os furacões são conhecidos por produzirem tornados e causarem destruição generalizada, mas eles também têm outro efeito devastador menos conhecido: disseminar espécies invasoras em novos habitats.
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Quando o Furacão Isaías atingiu o Caribe e a costa leste dos Estados Unidos no último verão, o aumento do nível das águas permitiu que ao menos 114 espécies aquáticas não nativas fossem transportadas de uma bacia hidrográfica para outra, de acordo com a equipe de Espécies Aquáticas Não Nativas do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS).
Desde 2017, os cientistas têm combinado dados de inundações e de avistamentos de espécies invasoras para mapear como esses animais se dispersam após a ocorrência de furacões no Oceano Atlântico, e também estudado o que torna algumas espécies mais propícias a serem favorecidas pelas tormentas do que outras.
Veja o exemplo das ampulárias, um grupo de grandes moluscos de água doce popular entre aquaristas. Nativas da América do Sul, a espécie de 15 centímetros de comprimento chegou à América do Norte por meio do comércio de peixes ornamentais e desde então tornou-se uma praga destruidora nos campos de arroz e outros terrenos agrícolas alagados. As ampulárias “na realidade aspiram ar para dentro de suas conchas e flutuam pela água”, explica Wesley Daniel, biólogo de pesca do Centro de Pesquisas de Zonas Úmidas e Aquáticas do USGS na Flórida, estado que se tornou um foco de espécies invasoras devido ao seu clima tropical. “Observamos elas se espalharem após vários furacões na Costa do Golfo e na Flórida dessa maneira.”
Visto que as ampulárias já haviam se estabelecido em diversos ecossistemas de água doce do sudeste dos Estados Unidos, é provável que a recente temporada de furacões as tenha levado ainda mais em direção ao interior do continente. Os furacões e tempestades tropicais não só se formaram bem mais cedo que o habitual este ano, como dez atingiram a costa da parte continental dos Estados Unidos, quebrando o recorde estabelecido no ano de 1916.
Até 2017, poucos cientistas haviam investigado o papel dos furacões na disseminação de espécies invasoras, que, no total, causam um prejuízo de ao menos US$ 120 bilhões por ano à economia dos Estados Unidos. Mas de acordo com as projeções, que apontam que os furacões devem se tornar mais frequentes e mais intensos devido às mudanças climáticas, o potencial das espécies não nativas para degradar ainda mais os ecossistemas é uma grande preocupação. Daniel explica: “há consequências para os ecossistemas onde esses animais se instalam”.
Superdisseminadores de tempestades
Em virtude de a maioria das espécies não nativas chegarem inicialmente através do comércio de peixes ornamentais e animais de estimação, “no caso de uma grande inundação, sempre há a possibilidade de haver solturas inesperadas do cativeiro”, conta Daniel.
Por exemplo, alguns cientistas especularam que o Furacão Andrew, de 1992, danificou uma instalação para reprodução de pítons birmanesas no sul da Flórida, soltando dezenas dos répteis de três metros de comprimento na natureza. Quer seja verdadeira ou falsa a suposição, o USGS detectou uma proliferação da espécie invasora na região após o desastre natural. Desde então, as serpentes tomaram conta da região dos Everglades, devorando tudo desde coelhos até jacarés.
O Furacão Andrew também ocasionou a liberação de peixes-leão-vermelhos mantidos em cativeiro — um animal venenoso nativo da região Indo-Pacífica — nos oceanos do entorno da Flórida. Agora, estabelecido na região, o predador voraz dizimou populações nativas de peixes e alterou a composição dos recifes de coral.
Também na década de 1990, enguias-d’água-doce-asiáticas provavelmente escaparam de aquários, criadouros de peixes ou mercados do sul da Flórida e acabaram se estabelecendo nos Everglades. A espécie carnívora deslizante, endêmica da Índia e do arquipélago Malaio, está desalocando outras espécies e desestabilizando a cadeia alimentar de água doce. Atualmente, os furacões estão contribuindo para que essas enguias avancem para o interior e o norte, onde pesquisadores as encontraram invadindo os estados da Carolina do Norte e do Sul, relata Daniel.
Ele chama o fenômeno de um “exemplo clássico de introduções causadas por furacões”. Esses tipos também estão entre as mais destrutivas, acrescenta.
Invasão de cursos d’água
Introduções acidentais desse gênero podem ter efeitos generalizados, afirma Nicholas Phelps, diretor do Centro de Pesquisas de Espécies Aquáticas Invasoras de Minnesota, na Universidade de Minnesota.
“Após se instalarem, elas reestruturam as cadeias alimentares”, explica Phelps, “ou criam novos tipos de habitat quando suas populações aumentam muito e passam a ser mais numerosas do que as de espécies nativas”.
Um importante exemplo é o mexilhão-zebra, um pequeno molusco originário do Mar Cáspio. Acredita-se que a espécie tenha chegado aos Estados Unidos por meio das águas de lastro de navios na década de 1980, e desde então tem infestado lagos e hidrovias do país, causando centenas de milhões de dólares de prejuízos todos os anos. Os mexilhões-zebra não somente expulsam mexilhões nativos, como também se fixam em massa a qualquer estrutura de fabricação humana, prejudicando sistemas municipais de abastecimento de água potável e irrigação.
Os mexilhões-zebra desceram o rio Mississippi e agora estão se alastrando na região do Meio-Atlântico dos Estados Unidos também; tendo sido encontrados nos estados de Maryland, Virgínia e Carolina do Norte.
Avistamentos nessas áreas após os furacões recentes, incluindo o Isaías, sugerem que as tempestades estão ajudando a disseminar a espécie, afirma Daniel. São necessários apenas alguns indivíduos para dar início a uma nova população completa, acrescenta.
O problema já existia
Entretanto, os furacões não são a rota de invasão mais importante. Somos nós, explica Steve A. Johnson, professor associado de ecologia e conservação da vida selvagem da Universidade da Flórida, em Gainesville.
“As pessoas já os trouxeram para cá”, ele conta. “Os animais fogem ou as pessoas os soltam na natureza porque se cansam deles. Isso faz do comércio de animais de estimação uma das principais causas do estabelecimento de espécies invasoras.”
É importante compreender o papel dos furacões na disseminação de espécies invasoras. Mas, definitivamente, argumenta Johnson, a forma mais eficaz de combater essa propagação pode ser a criação responsável de animais de estimação — por exemplo, não comprar um se ele for considerado invasor na região.
“Se deseja ter um animal exótico, precisa fazer o dever de casa”, ele explica. “Caso se canse dele, você não pode simplesmente jogá-lo numa floresta, parque nacional ou em qualquer lugar. Você precisa encontrar um novo lar para ele.”
Fonte: National Geographic Brasil