Guerra na Ucrânia provocou boom na exportação de gás liquefeito produzido nos EUA, mas gargalos impedem que o país compense a perda do fornecimento da Rússia. Além disso, metas climáticas ficaram em segundo plano.
Enquanto a União Europeia (UE) diminuiu suas compras de gás russo em reação à invasão da Ucrânia, a demanda do bloco por gás natural liquefeito (GNL) vem subindo a níveis jamais vistos.
Os EUA são agora o maior exportador mundial de gás natural, mas limites políticos, econômicos e técnicos impedem que o país possa correr ao resgate da Europa. Ainda que o setor esteja em plena expansão, a falta de capacidade de exportação continua sendo um gargalo para o abastecimento da Europa e do resto do mundo.
Enquanto isso, ambientalistas insistem que o rápido crescimento das exportações de GNL é uma forma destrutiva de lidar com a crise energética e apontam que existem outras soluções que poderiam contemplar o cumprimento das metas climáticas globais.
“Este é um caminho arriscado em termos de nossas necessidades energéticas e do nosso clima”, afirma Robin Schneider, diretora-executiva da ONG Campanha do Texas para o Meio Ambiente, sediada nos Estados Unidos.
Crise energética na Europa
Os preços do gás natural dispararam desde que Moscou restringiu o fluxo dos gasodutos e a UE passou a agir para diminuir sua dependência do gás russo.
Os preços saltaram 25% na semana passada, quando a Rússia anunciou que seu gasoduto Nord Stream 1 para a Alemanha forneceria apenas 20% de sua capacidade normal. Em maio, o país já havia respondido às sanções europeias interrompendo completamente o fluxo de gás para a Europa através do gasoduto Yamal.
As nações europeias estão se esforçando para armazenar gás suficiente à medida que o inverno se aproxima. Há receio da imposição de um eventual racionamento para o aquecimento de residências e o uso pela indústria e empresas, além do temor de que a crise energética possa provocar uma recessão. O continente depende do gás natural para o aquecimento doméstico, bem como para a produção de eletricidade e funcionamento da indústria.
Vários países estão adotando uma série de iniciativas para ajudar as famílias e as empresas a pagar a conta, como a Alemanha, que está aumentando os subsídios para os serviços públicos de gás, e a França, que anunciou a estatização total da empresa de energia EDF.
EUA ao resgate?
Os EUA solidificaram sua posição como o maior exportador mundial de GNL no primeiro semestre de 2022, de acordo com a Administração de Informações sobre Energia dos EUA (EIA). A exportação média diária do país aumentou 12% nos últimos seis meses, para 11,2 bilhões de pés cúbicos (bcf) por dia.
Substituindo a Ásia como o principal importador de GNL dos EUA, o Reino Unido e a UE receberam 71% dessas exportações – e estão pagando mais pelo combustível. Países como o Brasil e Bangladesh não conseguem competir com a Europa na disputa pela compra. Alguns exportadores até quebraram contratos com países em desenvolvimento para redirecionar o combustível para a Europa, obtendo lucros maiores apesar das penalidades.
De acordo com Eugene Kim, diretor de pesquisa da consultoria Wood Mackenzie, os EUA emergiram como um dos únicos fornecedores confiáveis de GNL. Consideradas áreas de potencial de crescimento antes da invasão russa da Ucrânia, as indústrias de gás da Austrália e da África Ocidental enfrentam problemas políticos e econômicos.
“O Catar e a América do Norte são as únicas áreas que vão crescer no fornecimento de GNL no futuro”, disse Kim à DW. Mas os problemas logísticos em ambos os lados do Atlântico estão limitando a capacidade de os EUA suprirem a demanda europeia.
O presidente americano, Joe Biden, prometeu em março exportar mais GNL para a Europa, mas o setor dos EUA já está no limite. Além disso, devido à dependência de oleodutos da Rússia, grande parte da Europa carece de infraestrutura de importação suficiente, mesmo que os EUA se mostrassem capazes de exportar mais GNL.
No curto prazo, as exportações de GNL a partir dos EUA devem cair significativamente devido a uma explosão que danificou em junho o terminal Freeport LNG, no Texas, por onde passam 20% do gás exportados pelos EUA. De qualquer forma, os EUA não tinham capacidade para abastecer a Europa mesmo antes do incidente na planta do Texas. “Antes da explosão do Freeport LNG no início de junho, a exportação de GNL dos EUA já estava atingindo a capacidade máxima”, avaliou Kim.
“Supondo que tudo esteja funcionamento nos conformes em 2023, ainda estaremos com volume máximo de 12 bcf por dia. Não há nenhum novo projeto no curto prazo que possa aumentar substancialmente nossas exportações de GNL”, acrescentou.
A capacidade existente está em boa medida vinculada a contratos de longo prazo com nações não europeias, e a próxima rodada de construção de infraestrutura de exportação não deve estar pronta até 2024 ou até mesmo depois. Ainda assim, Kim aponta que não haveria capacidade suficiente para abastecer a Europa.
Além das limitações de capacidade, grupos empresariais e de consumidores dos EUA estão impacientes com os preços mais altos, puxados pelo aumento das exportações de GNL dos EUA. Paul Cicio, diretor-executivo da associação Industrial Energy Consumers of America, disse ao Wall Street Journal que “o consumidor americano, a economia americana, a segurança nacional americana estão em risco, a menos que mantenhamos estoques excedentes”.
De fato, os preços subiram à medida que o uso de ar-condicionado aumentou durante as recentes ondas de calor, contrariando a perda de demanda pela explosão da instalação do Freeport, que manteve nos EUA gás que seria destinado à exportação. A EIA informou recentemente que os estoques dos EUA estão 12% abaixo da média dos cinco anos anteriores para esta época do ano.
Metas climáticas deixadas de lado
O gás proveniente dos EUA também provoca oposição de ambientalistas. Grupos de defesa do clima argumentam que a expansão da infraestrutura de GNL necessária para aumentar as exportações significa abandonar as metas de redução das emissões de combustíveis fósseis.
“Uma grande preocupação é que as empresas exportadoras de GNL estão usando [a crise energética da Europa] como desculpa para tentar apressar o licenciamento para a construção de novos terminais de exportação e também evitar leis de poluição do ar”, disse Schneider, da Campanha do Texas pelo Meio Ambiente.
Os ativistas apontam que o GNL é responsável por um terço das emissões de carbono dos EUA e quase metade das de metano. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) rotula o metano, um gás de efeito estufa especialmente potente liberado pelo processo de fracking, como um dos grandes vilões da crise climática.
Além disso, pesquisas mostram que os processos de extração e liquefação de gás natural podem ser extremamente perigosos e poluentes. Além do metano, o fracking pode liberar produtos químicos cancerígenos e nocivos no ambiente ao redor das instalações. O processo de liquefação também está sujeito a incêndios e explosões, como se viu nas instalações do Freeport, no Texas.
Schneider disse à DW que a explosão do terminal de Freeport é “um exemplo de por que tudo isso é perigoso”. “Estamos assustados. Poderia ter sido muito pior.”
Apesar dos riscos climáticos, a UE passou a incluir o gás natural em sua lista de energias sustentáveis, e os exportadores de gás dos EUA assinaram muitos contratos para atender parte da demanda europeia.
De acordo com Kim, houve uma mudança nas prioridades energéticas da Europa. “A transição energética costumava ser o tema dominante, mas agora a segurança energética entrou em cena para substituí-la.”
Schneider avalia que a Europa poderia buscar um caminho mais limpo, investindo mais fortemente em energia renovável, por exemplo. As novas instalações de exportação de GNL dos EUA não ajudariam a situação por mais três anos, disse, acrescentando que a Europa poderia “usar esta crise para implementar a transição para combustíveis mais sustentáveis”.
Fonte: Deutsche Welle