“O depoimento do general (vice-presidente, Hamilton Mourão) é apenas um achismo (não se baseia em evidências científicas)”, diz à BBC News Brasil Britaldo Soares-Filho, professor do Departamento de Cartografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ele é coautor de um artigo publicado na revista científica Science no ano passado que mostrou que 20% da soja brasileira produzida na Amazônia e no Cerrado exportada anualmente para a União Europeia (UE) podem ter saído de áreas de desmatamento ilegal.
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Nesta quarta-feira (13/01), questionado por jornalistas sobre as declarações do presidente da França, Emmanuel Macron, sobre o desmatamento na Amazônia e a produção de soja no Brasil, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que o líder francês “desconhece” a produção de soja no Brasil.
Segundo Mourão, que é presidente do Conselho Nacional da Amazônia, a produção agrícola no bioma é “ínfima” e Macron apenas “externou interesses protecionistas dos agricultores franceses”.
Um dia antes, Macron disse que “continuar a depender da soja brasileira seria ser conveniente com o desmatamento da Amazônia”. Em um vídeo publicado em sua conta oficial no Twitter na terça-feira (12/01), o presidente francês fala em “não depender mais” da soja brasileira e produzir o grão na Europa.
“Nós somos coerentes com nossas ambições ecológicas, estamos lutando para produzir soja na Europa”, disse o francês.
Ao rebater as declarações de Macron, Mourão afirmou, inicialmente em francês, que ele não estava bem.
“Monsieur Macron? Monsieur Macron n’est pas bien (Senhor Macron? Senhor Macron não está bem). Monsieur Macron desconhece a produção de soja no Brasil. Nossa produção de soja é feita no cerrado ou no sul do País. A produção agrícola na Amazônia é ínfima”, disse Mourão a jornalistas na entrada da Vice-presidência em Brasília.
Ele acrescentou que o Brasil tem menos de 8% da sua área dedicada à agricultura, enquanto a França, mais de 60%.
Segundo Mourão, o país europeu não tem condições de competir com o Brasil na produção de soja.
“Nesse aspecto, na questão da produção agrícola, damos de 10 a 0 neles, franceses. Nada mais, nada menos Macron externou interesses protecionistas dos agricultores franceses, faz parte do jogo político”, assinalou.
Mas não é o que mostra o estudo do qual participou Soares-Filho, da UFMG, intitulado “As maçãs podres do agronegócio do Brasil”.
Segundo o artigo, assinado por pesquisadores do Brasil, Alemanha e Estados Unidos, cerca de 2 milhões de toneladas anuais de soja ilegalmente cultivada podem ter chegado nos mercados do bloco europeu durante os últimos anos. Desse total, 500 mil toneladas vieram da Amazônia.
Aproximadamente 40% (13,6 milhões de toneladas) das importações anuais de soja da União Europeia são provenientes do Brasil e 69% desse total, da Amazônia e do Cerrado.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores desenvolveram um software de alta potência ― usando dados públicos e mapas― para analisar 815 mil propriedades rurais dos dois biomas e identificar as áreas de desmatamento ilegal recente associadas à produção de soja e carne bovina.
“Nosso trabalho foi publicado em uma das principais revistas científicas do mundo depois de um longo processo de revisão pelos pares. Enquanto que o depoimento do general é apenas um achismo (não se baseia em evidências científicas). Aliás, ele mesmo tem fracassado no seu objetivo frente ao conselho da Amazônia de reduzir o desmatamento na Amazônia”, diz Britaldo Soares-Filho à BBC News Brasil por email.
O estudo também revelou que cerca de 45% das propriedades rurais da Amazônia não têm o mínimo de reserva legal exigida pelo Código Florestal ou não respeitaram as regras de conservação de Área de Preservação Permanente. No Cerrado, cerca de 48% das propriedades não obedecem a essas regras.
O Brasil é o maior produtor mundial de soja, seguido pelos Estados Unidos e Argentina. O grão é destinado principalmente à alimentação de gado leiteiro e de corte.
Preocupados com a destruição da floresta amazônica, alguns países europeus já sugeriram que a União Europeia suspenda a compra de carnes e soja do Brasil e até mesmo não leve adiante o acordo comercial entre o Mercosul e o bloco europeu.
Em 2019, líderes europeus, entre eles Macron, criticaram o governo brasileiro, durante os incêndios florestais na Amazônia.
Fonte: BBC