Após a luta contra o novo coronavírus que dura mais de um ano, as clínicas ainda enfrentam a mesma realidade de meses atrás: não existem soluções rápidas e fáceis para tratar a covid-19.
“Não estou surpreso que não tenhamos uma fórmula mágica”, afirma Adarsh Bhimraj da Cleveland Clinic, um dos principais autores das diretrizes de tratamento da covid-19 da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA). “Nenhuma das infecções respiratórias virais que conhecemos há décadas e até mesmo séculos possuem um tratamento eficaz.”
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Os avanços no tratamento de covid-19 ocorrem gradativamente, com uma combinação de medicamentos originalmente desenvolvidos para combater outros vírus e terapias comprovadamente seguras e eficazes para tratar sintomas em estágio avançado da doença, como esteroides utilizados para combater a dilatação.
Mas nos últimos meses, os ensaios clínicos prospectaram diversos medicamentos adicionais que poderiam fazer parte das ferramentas para tratar a covid-19. Por si só, cada um deles confere poucos benefícios. Seu verdadeiro poder é composto por uma combinação de diversos tratamentos — uma abordagem aditiva que, após anos de pesquisa, foi recompensada em outras doenças.
“Pense nos tratamentos oferecidos às pessoas que sofrem de ataques cardíacos: temos stent, aspirina, agentes anticoagulantes, tratamentos para a pressão arterial, estatinas — cada um dos quais consegue apenas reduzir a próxima possibilidade de risco de morte ”, explica o cardiologista de Oxford Martin Landray, um dos principais pesquisadores do estudo Recovery do Reino Unido, o maior estudo de medicamentos para tratamento de covid-19 do mundo.
Ampliando as ferramentas disponíveis para combater a covid-19
Por enquanto, apenas dois medicamentos têm eficácia amplamente aceita contra a covid-19. O primeiro é o medicamento antiviral remdesivir, de alto custo, que diminui o tempo de internação hospitalar ao interromper a capacidade de replicação do novo coronavírus, mas não parece reduzir o risco de morte por covid-19. O outro, o esteroide dexametasona, de baixo custo, é o único medicamento comprovado em ensaios clínicos que reduz o risco de morte entre pacientes com covid-19 severa. “Há muitas pessoas que acreditam que os esteroides são úteis”, alega Bhimraj.
Mas os pesquisadores podem estar perto de encontrar tratamentos adicionais que sejam seguros e eficazes. Das dezenas de medicamentos que Bhimraj e seus colegas do painel de diretrizes da IDSA estão examinando, há alguns possíveis tratamentos candidatos. Um deles é o medicamento imunomodulador tocilizumabe, um anticorpo utilizado atualmente para tratar artrite reumatoide.
Assim como a dexametasona, o tocilizumabe atua na resposta imune fazendo-a a agir de forma agressiva, que, em casos graves de covid-19, pode causar uma inflamação prejudicial. No entanto, ambos funcionam de maneiras diferentes. A dexametasona reduz o inchaço e diminui a resposta inflamatória do organismo. O tocilizumabe suprime um receptor celular que pode desempenhar um papel nas “tempestades de citocinas” descontroladas, que podem causar uma inflamação prejudicial em casos de covid-19.
Ensaios clínicos anteriores analisaram o tocilizumabe, mas não encontraram nenhum benefício que valesse a pena ressaltar. Contudo, nas últimas semanas, dois grandes ensaios randomizados constataram que o medicamento reduziu o risco de morte entre pacientes internados com covid-19.
Em janeiro, o ensaio clínico realizado em conjunto por 19 países, denominado Remap-Cap, anunciou os resultados de um teste com 803 pessoas que receberam tocilizumabe ou seu fármaco similar, o sarilumabe. Os resultados mostraram que os pacientes com covid-19 grave que receberam os medicamentos tinham menos probabilidade de precisar de respiração mecânica e apresentaram maiores taxas de sobrevivência do que os pacientes que não receberam o medicamento e também apresentavam a versão severa da doença.
No ensaio Recovery, que coleta dados em 180 locais em todo o Reino Unido, os pesquisadores identificaram um grupo de 4.116 pacientes internados com covid-19 que receberam aleatoriamente 50% de tocilizumabe e 50% de um placebo. Para os pacientes do grupo que recebeu tocilizumabe, o risco relativo (RR) de morte por covid-19 foi reduzido em cerca de 14%, e as chances de alta hospitalar aumentaram em aproximadamente 20% quando comparadas com pacientes que não receberam o medicamento.
Bhimraj acrescenta que embora os resultados sejam promissores, precisam ser examinados em detalhes. “Ainda são pré-impressões, não foram revisados por pares. Por isso eu os interpreto com ressalvas”, diz ele.
Ao contrário dos ensaios anteriores, que podem ter incluído dezenas ou centenas de pessoas, o Recovery recrutou mais de 37 mil pacientes nos diversos tratamentos que vem testando. A dimensão do ensaio confere aos seus estudos — que incluíram a primeira evidência clara da eficácia da dexametasona — peso estatístico suficiente para determinar se um determinado medicamento ajuda ou prejudica os pacientes com covid-19. “Se formos analisar todos os ensaios anteriores [de tocilizumabe] juntos, eles serão substancialmente menores”, reitera Landray.
Por ora, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) e a IDSA não recomendaram o tocilizumabe como tratamento para covid-19 fora de ensaios clínicos.
Outro medicamento que recentemente se mostrou promissor é o baricitinibe, normalmente utilizado para tratar artrite reumatoide. Os NIH recomendam a administração de baricitinibe com remdesivir nos casos de pacientes com covid-19 grave que não podem receber esteroides, como dexametasona, devido a alergias ou outras condições médicas pré-existentes. Em média, adicionar o medicamento diminui mais um dia do tempo de recuperação dos pacientes ao reduzir as respostas descontroladas do sistema imunológico, em comparação com o uso de remdesivir de forma isolada, de acordo com um ensaio publicado em dezembro no periódico New England Journal of Medicine.
As diretrizes de tratamento também estão mudando para o plasma convalescente, que é um plasma sanguíneo rico em anticorpos retirado de sobreviventes de covid-19 e administrado a pacientes. Em 4 de fevereiro, A Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (Food and Drug Administration, FDA) limitou a autorização do tratamento com plasma que contenha altos níveis de anticorpos, citando evidências de que o plasma com baixo teor de anticorpos tampouco ajudou. A orientação atualizada também limita os tratamentos com plasma convalescente para pacientes com covid-19 internados ainda no início do curso da doença.
Outros tratamentos estão por vir?
Os ensaios clínicos em andamento seguem avaliando a eficácia contra covid-19 de medicamentos novos e de fármacos já conhecidos. Ainda é cedo demais para afirmar se esses tratamentos serão bem-sucedidos.
Um tratamento promissor envolve anticoagulantes, como a heparina, que pode ajudar a diminuir o risco de coágulos sanguíneos relacionados à covid-19 e evitar que os pacientes piorem. Em um comunicado de 22 de janeiro, o Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue dos Estados Unidos anunciou que em cerca de mil pacientes moderadamente contaminados com covid-19 e internados durante três testes clínicos, os anticoagulantes reduziram o risco de que os pacientes precisassem ser colocados em ventiladores. No entanto, o instituto enfatizou que os anticoagulantes não parecem ajudar — e podem até prejudicar — pacientes com covid-19 em estágio grave, reiteirando os resultados divulgados em dezembro.
“Esse é um exemplo convincente de como é crucial estratificar pacientes com gravidades diferentes em ensaios clínicos — pois o que pode ajudar um subgrupo talvez não cause nenhum benefício em outro, podendo até mesmo ser prejudicial”, escreveu o diretor dos NIH, Francis Collins, em uma publicação de 2 de fevereiro no blog oficial dos institutos sobre os resultados de anticoagulantes.
Conforme os pesquisadores analisam as diferentes gravidades dos casos de covid-19, alguns deles se concentram em evitar que casos leves evoluam para uma internação. O estudo denominado Colcorona do Instituto do Coração de Montreal, por exemplo, está examinando o anti-inflamatório colchicina, que é amplamente empregado no tratamento da gota e algumas doenças cardíacas.
Em um comunicado à imprensa em conjunto com a pré-impressão de um estudo divulgado no fim de janeiro, os pesquisadores do Colcorona afirmaram que dentre 4.488 participantes com casos leves de covid-19 que permaneceram em casa, a colchicina ajudou a reduzir o risco combinado de internação ou óbito em cerca de 21% em comparação a pacientes que não receberam o medicamento.
Contudo, os médicos ainda preservam um ceticismo cauteloso com relação à colchicina, visto que a estatística-chave do estudo — o declínio de 21% — baseia-se em um pequeno grupo de pessoas. O ensaio teve uma baixa taxa geral de mortalidade e internação, o que significa que qualquer morte ou hospitalização poderia ter um efeito exagerado nos resultados. Dos 4.488 pacientes inscritos, apenas 235 foram internados ou vieram à óbito, incluindo 104 que estavam em uso de colchicina e 131 que não receberam o medicamento.
Tampouco se tem certeza sobre a droga reduzir ou não o risco de morte. Dos 4.159 pacientes do estudo com casos confirmados em laboratório de covid-19, na metade que recebeu colchicina, cinco não sobreviveram, ao passo que na metade que não tomou o medicamento, nove pessoas faleceram.
Em fevereiro, o instituto de pesquisa clínica Inesss do Quebec relatou que era uma decisão “prematura apoiar o uso de colchicina em pessoas com diagnóstico de covid-19 que não foram internadas”, de acordo com a CBC.
Ainda, outros pesquisadores estão começando a estudar se a colchicina pode ajudar casos graves de covid-19 em pacientes internados. Landray esclarece que o estudo Recovery está ampliando e irá testar a colchicina, além de aspirina, baricitinibe e o coquetel de anticorpos utilizado no tratamento do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no fim de 2020.
Os especialistas enfatizam que apesar disso, no curto prazo, o maior benefício para a redução da taxa de mortalidade de pacientes com covid-19 não será fruto de esforços terapêuticos, mas sim da vacinação, cujas campanhas estão aumentando nos Estados Unidos e em todo o mundo. Todas as vacinas autorizadas atualmente são altamente eficazes na prevenção de casos de covid-19 com risco de vida.
“O vírus está se adaptando a nós, mas, felizmente, nós nos adaptamos a ele tecnologicamente por meio do nosso conhecimento — e conseguimos fazer isso com bastante rapidez”, conclui Bhimraj.
Fonte: National Geographic Brasil