O que faz realmente meu estômago virar quando penso na mudança climática? O degelo do permafrost. Um quadro em que ele se derrete todo, liberando copiosas quantidades de dióxido de carbono e metano (o também chamado pergelissolo contém atualmente duas vezes mais carbono do que a atmosfera). E não há retorno.
Mas o que está no topo da lista de apreensões para os próprios cientistas do clima, aqueles que estudam como a mudança climática está progredindo, nas camadas de gelo do solo e nas esquinas urbanas, nos oceanos e campos arados?
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A DW perguntou a um dezena de especialistas, de setores indo desde entomologia, oceanografia e climatologia até pesquisa do permafrost, o que lhes tira o sono quando o assunto é clima.
A maior incógnita: o ser humano
Nana Ama Browne Klutse analisa a mudança do clima na Universidade de Gana usando modelos digitais. Embora perigos definitivos como o degelo do permafrost a preocupem, sua maior apreensão é como os seres humanos lidarão com as transformações.
“O que você pode fazer, enquanto indivíduo, para evitar o impacto da mudança climática? São necessárias políticas governamentais no sentido da resiliência urbana, construir para a comunidade. Aí precisamos daquela ação global.”
A climatologista Ruth Mottram se ocupa das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida e da elevação do nível marinho no Instituto Meteorológico Dinamarquês. Mas tampouco é a ciência que a deixa em suspense.
“Estou menos preocupada de que estejam ocorrendo processos desconhecidos que não entendemos, e de que alguma catástrofe imprevista possa estar a caminho. Sabemos como será grande parte dos impactos. Acho que o que me deixa acordada à noite, no sentido metafórico, é realmente a interação entre o sistema físico e como as sociedades humanas vão lidar com ele.”
Um exemplo é o nível marinho: ele subirá um metro no século corrente – portanto durante as vidas dos atuais habitantes do planeta e seus filhos – e serão necessárias medidas drásticas em relação às cidades costeiras. Mas a coisa não acaba aí.
“Acho que as sociedades humanas ainda não compreenderam realmente o que isso significa, que se adaptar à subida do nível do mar será um processo longo, e que vamos ter que fazer durante centenas de anos”, observa Mottram, sugerindo que se deve começar a pensar em termos das vidas das cidades (séculos), em vez de apenas vidas humanas.
Proteger os mais vulneráveis
Embora Vladimir Romanovsky, professor de geofísica do Laboratório de Permafrost da Universidade de Alaska Fairbanks, saiba que o que acontece na Região Ártica afetará o resto o mundo, suas preocupações são muito mais locais.
“Devemos lembrar que ainda há algumas pessoas vivendo no Ártico”, frisa. Na realidade, aproximadamente 4 milhões teriam que encarar as consequências na vida real, se o chão sólido começar a derreter sob seus pés e suas casas. “Mudanças nesses tipos de climas e meios ambientes locais e regionais afetam essas pessoas, e alguns desses impactos podem ser muito severos.”
Mais próxima do outro polo do planeta, Carolina Vera teme que as desigualdades existentes sejam ainda exacerbadas pelas alterações climáticas, uma vez que “a mudança climática já está impactando os setores mais vulneráveis do nosso planeta”.
Pesquisadora-chefe do Conselho Nacional de Ciência da Argentina, professora da Universidade de Buenos Aires e chefe de gabinete do Ministério argentino de Ciência e Tecnologia, em seu trabalho Vera incorpora coleta de dados e saber local, envolvendo as comunidades que equilibram os problemas do desflorestamento com suas necessidades agropecuárias.
Calor humanamente insuportável
Não surpreende que o aquecimento global seja a principal apreensão para pesquisadores como Dim Coumou, especialista em condições meteorológicas extremas da Universidade Livre de Amsterdã. Especialmente alarmantes são os extremos de calor e humidade dos trópicos.
Sobretudo em áreas de alta densidade demográfica, como África Oriental, Paquistão e Índia, a permanência ao ar livre ficará insuportável. E quando não for mais possível refrescar-se suando, fica inviável o trabalho no campo e, portanto, o cultivo de alimentos. O provável resultado será migração em massa.
O problema não é só dos trópicos: intimamente relacionado ao calor está o agravamento das condições meteorológicas. Os estudos de Coumou e seus colegas mostram que alterações das correntes de jato provocarão tempo extremo na Europa, incluindo inundações e secas.
As intempéries extremas também são a principal preocupação do climatologista Abubakr Salih Babiker: “Uma atmosfera mais quente retém mais água, e as chuvas são mais pesadas, provocando inundações. Um oceano mais quente pode gerar ciclones tropicais mais fortes”, já que esse fenômeno ganha energia do calor da água.
“Temos visto provas de todos esses eventos”, prossegue o colaborador do Centro de Previsão e Aplicação do Clima (ICPAC), em Nairóbi, Quênia. “Os ciclones tropicais mais fortes que atingiram a Península Árabe, a Somália e Moçambique ocorreram nos últimos 20 anos.” Suas pesquisas também confirmaram que os extremos meteorológicos podem acarretar outros desastres ecológicos, como pragas de gafanhotos.
“Como minha ciência pode ajudar?”
Pragas, secas e inundações também estão no centro das apreensões da entomologista Esther Ngumbi, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign. Seu trabalho com safras resistentes a pragas e secas é motivado pelo destino dos agricultores vulneráveis de países em que faltam redes de segurança social, e uma estação de devastação da colheita por insetos pode resultar em fome e na impossibilidade de pagar pela educação dos filhos.
“Como minha ciência pode ajudar de verdade?”, ela se pergunta. “Isso genuinamente me faz acordar todo dia e ir ao laboratório, para entender como minha pesquisa pode contribuir para as soluções de que precisamos.”
Também para Natasha Picone, climatologista urbana da Universidade Nacional do Centro de Buenos Aires, as soluções são o que ocupam sua mente. “Com a pandemia, eu me dei conta que não estamos fazendo o suficiente para tornar nossas cidades mais habitáveis.”
Sua pesquisa informa planejadores de cidades sobre problemas urbanos como o efeito ilha de calor, a poluição atmosférica e a escorrência superficial que pode ocasionar inundações. “Se não mudarmos esse curso agora, será realmente difícil voltar atrás.”
“As pessoas são a solução”
Uma fonte de ansiedade para a oceanógrafa Renata Hanae Nagai, da Universidade do Paraná, é seu sobrinho de quatro anos e como será a vida dele num mundo mais quente. Porém também lhe dá esperança: durante a visita recente a uma praia, para observar tartarugas pondo ovos, o menino avisou aos outros para deixarem os animais em paz.
Nagai nota o mesmo cuidado entre seus estudantes: aprender sobre os problemas e apresentar soluções. “As pessoas são a solução”, afirma a pesquisadora brasileira. “Nós tentamos, mesmo sob as condições mais duras.”
Para Levke Caesar, física do clima da Universidade de Maynooth, na Irlanda, o que mais preocupa são os indivíduos e organizações que negam a mudança climática. “Para mim, o que eles fazem é totalmente inaceitável, do ponto vista moral: eles mentem. Afinal, você não pode discutir com o clima.” Esse fato, contudo, só a faz se empenhar mais ainda para comunicar o que a ciência mostra.
Eles se preocupam conosco
Um traço comum nesta panorâmica um tanto anticientífica, é que enquanto nós, leigos, nos preocupamos com o que a ciência diz, os profissionais da áreas muitas vezes estão preocupados conosco.
“Os cientistas sempre pensam sobre quais serão os resultados de seus estudos, como serão importantes para as pessoas comuns, normais”, comentou o especialista em permafrost Vladimir Romanovsky. Em sua pesquisa, afirma, ele sempre está refletindo “como isso poderia ser usado para tornar a vida mais fácil e mais previsível”.
Fonte: Deutsche Welle