Um grupo de mais de 200 cientistas divulgou, nessa semana, uma descoberta que pode alterar os rumos da física contemporânea e tornar obsoleto o Modelo Padrão, considerado o mais adequado até então para a descrição das forças fundamentais exercidas pela matéria. Em tese, gravidade, eletromagnetismo e forças forte e fraca se manifestariam da mesma maneira em nível subatômico, mas a equipe por trás do achado se deparou com evidências sólidas de que múons – semelhantes a elétrons – são um pouco mais magnéticos que o previsto. Por sua vez, a pequena anomalia, de 2,5 partes em 1 bilhão, sugere a existência de uma quinta força ou de uma nova partícula de Deus, inédita para o conhecimento humano.
Há décadas, pesquisadores medem tal propriedade da partícula em questão, que é mais pesada e instável que sua “irmã” mais famosa e se comporta como uma pequena barra magnética. Para isso, colocam múons em um campo magnético horizontal, que os faz girar como pequenas agulhas de uma bússola, e a frequência do movimento revela dados importantes, além de possibilitar a investigação de elementos “escondidos”, mesmo daqueles grandes demais para surgirem do Grande Colisor de Hádrons.
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Ao contrário de outros, o múon se encaixa na incerteza quântica, sendo descrito como “virtual” por entrar e sair da existência. Situando-se, então, entre partículas e antipartículas, é afetado, também, por propriedades daquilo que não somos capazes de ver. Ainda assim, segundo a mecânica quântica e a Teoria da Relatividade Especial de Albert Einstein, ele possuiria um magnetismo básico, que é aumentado, conforme apontam pesquisas anteriores, em 0,1% caso partículas previstas no Modelo Padrão flutuem sobre ele, quaisquer que sejam.
Dito isso, se algo foge da equação, é preciso reformulá-la. Aí é que entra a novidade, capaz de exigir um novo olhar sobre toda e qualquer certeza.
Progresso constante
Já em 2004, pesquisadores, durante o experimento Muon g-2, no Laboratório Nacional de Brookhaven (EUA), haviam relatado a discrepância do magnetismo do múon em relação ao considerado pelo Modelo Padrão. Entretanto, a metodologia atingiu apenas metade do padrão-ouro da classificação dos resultados de testes físicos, 2,5 – levantando, de todo modo, dúvidas consistentes e incentivando novos estudos. Em 2013, decidiram levar o método para o Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab), e dados obtidos da tentativa chegaram a 3,7 em 2018, um avanço e tanto.
Desta vez, após reformular técnicas, além de obter informações consistentes com as encontradas em sua trajetória, reforçando que não foram um acaso estatístico nem produto de alguma falha não detectada, a equipe chegou à impressionante taxa de 4,2. Chris Polly, físico do Fermilab, explica como se sentiu por não ter visto tanto esforço prévio descartado. “Como eu era um estudante de pós-graduação no experimento de Brookhaven, certamente foi uma sensação de alívio avassaladora para mim.”
Em suma, prótons, em aceleradores como o do Fermilab, se chocam e produzem outros, a exemplo do múon e do antimúon, e instrumentos precisos analisam o comportamento de tudo. Se os fragmentos apresentassem as mesmas propriedades, confirmando o que diz o Modelo Padrão, haveria muita decepção. “Desde a década de 1970, procuramos uma falha [na teoria vigente]”, diz Alexey Petrov, teórico da Wayne State University (EUA). “Pode ser que a tenhamos encontrado”, complementa.
O que vem por aí
A confirmação de tanta dedicação chegou em 25 de fevereiro, durante uma reunião de 170 pessoas pelo Zoom, devido à covid-19. Para evitar a manipulação, mesmo que inconsciente, de dados, o time contava com duas pessoas que não participam dos procedimentos, responsáveis pela análise “fria” das informações e munidas de um código essencial para finalização de cálculos de dois experimentos conduzidos independentemente, revelados apenas no momento-chave, com a abertura de envelopes que carregavam a “senha”. “Definitivamente, havia uma atmosfera de extrema tensão”, destaca Hannah Binney, estudante de pós-graduação e membro da equipe da Universidade de Washington (EUA).
Por fim, a recompensa. “Quando vimos o número na tela, tivemos uma sensação de grande alívio, entusiasmo, orgulho e alegria. Tínhamos que religar o microfone para podermos gritar”, conta Sudeshna Ganguly, cientista associada do Fermilab. “Até agora, analisamos apenas 6% dos dados e, quando combinarmos os resultados de todas as execuções, obteremos uma medição ainda melhor. É muito empolgante fazer parte disso.”
Agora, cabe aos profissionais a continuidade das pesquisas, já que a discrepância com a qual se depararam ainda não possui explicação clara (e a redefinição do Modelo Padrão – ou mesmo a troca por um outro – demanda dedicação redobrada).
“A corrida agora está realmente aberta para fazermos com que um desses experimentos realmente consiga a prova de que isso é realmente algo novo – o que exigirá mais dados e mais medições. Com sorte, mostraremos evidências de que esses efeitos são reais”, finaliza Mitesh Patel, do Imperial College London, instituição britânica.
Fonte: Tecmundo