Mais da metade da população global possui um telefone celular, e os fabricantes continuam lançando modelos cada vez mais eficientes e elegantes. Muitos materiais que compõem os aparelhos, porém, têm uma história sangrenta.
Embora feitos em grande parte de plástico, vidro, cerâmica, ouro e cobre, eles também contêm minerais críticos. O gálio usado nos LEDs e no flash da câmera, o tântalo nos capacitores e o índio que alimenta a tela foram todos arrancados do solo − a um alto preço para os seres humanos e o meio ambiente.
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“A mineração de matérias-primas é sempre problemática, tanto no que diz respeito aos direitos humanos quanto à ecologia”, diz Melanie Müller, especialista em matérias-primas do think tank alemão SWP. Segundo ela, “o processo de produção é bastante tóxico”.
O gálio e o índio em muitos telefones vêm da China ou da Coreia do Sul, o tântalo, da República Democrática do Congo ou de Ruanda. Ao todo esses materiais contam menos de dez gramas do peso de um telefone. Mas essa pequena quantidade financia uma indústria de mineração internacional que causa lixões de terra radioativa, águas subterrâneas envenenadas e deslocamento de populações indígenas.
Meio ambiente foi superexplorado
O problema é que as tecnologias modernas não funcionam sem o que é conhecido como matéria-prima crítica. Painéis solares, drones, impressoras 3D e smartphones contêm até 30 desses diferentes elementos provenientes de todo o mundo. Um exemplo importante é o lítio do Chile, essencial na fabricação das baterias de veículos elétricos.
“Ninguém, nem mesmo dentro da indústria, negaria que a mineração de lítio causa enormes danos ambientais”, explica Müller, referindo-se aos lagos artificiais que as mineradoras criam ao retirar o metal de reservatórios subterrâneos de salmoura. “O processo utiliza grandes quantidades de água, de modo que você acaba com estas enormes áreas inundadas onde o lítio se deposita.”
Esse método de extração resulta na destruição e contaminação do sistema hídrico natural. Plantas e animais únicos perdem o acesso às águas subterrâneas e reservatórios de água. Há inclusive relatos de água doce sendo salinizada, devido ao grande volume de águas residuais ácidas gerado na extração do lítio.
Mas o lítio não é a única matéria-prima que causa danos. A fixação de apenas uma tonelada de elementos de terras raras produz 2 mil toneladas de resíduos tóxicos, e tem devastado grandes regiões da China, adverte Günther Hilpert, chefe da Divisão de Pesquisa da Ásia do think tank alemão SWP.
Segundo ele, as empresas de lá adotaram um processo de pulverização de ácido sobre as áreas de mineração a fim de separar as terras raras de outros minérios, e as áreas mineradas são frequentemente abandonadas após a escavação. “Estas áreas não são mais viáveis para uso agrícola”, conta Hilpert. “A natureza foi superexplorada.”
A China não é o único país com baixos padrões ambientais de mineração e má governança de recursos. Em Madagascar, por exemplo,o próspero setor de mineração ilegal de gemas e metais é associado ao esgotamento da floresta tropical e à destruição de habitats naturais dos lêmures.
Nações como Madagascar, Ruanda e a República Democrática do Congo pontuam mal no Índice de Desempenho Ambiental, que classifica 180 países por seus esforços em tópicos que incluem conservação, qualidade do ar, gestão de resíduos e emissões. Os ambientalistas estão particularmente preocupados por esses países estarem minerando materiais altamente tóxicos como berílio, tântalo e cobalto.
Mas não é só a natureza que sofre com a extração de matérias-primas críticas de alta demanda. “É uma indústria suja, tóxica e parcialmente radioativa”, assinala Hilpert. “A China, por exemplo, nunca se preocupou realmente com os direitos humanos quando se trata de atingir as metas de produção.”
O sujo e tóxico trabalho na mineração
Um dos exemplos mais extremos é Baotou, cidade chinesa na Mongólia a mineração de terras raras envenenou fazendas vizinhas e vilas próximas, forçando milhares a abandonarem a área.
Em 2012, o jornal inglês The Guardian descreveu um lago tóxico criado devido à mineração de terras raras como “uma extensão de água escura, na qual nenhum peixe ou alga pode sobreviver. A costa é revestida por uma crosta negra, tão espessa que se pode caminhar sobre ela. Nessa enorme lagoa de rejeitos de 10 km2, fábricas próximas despejam água carregada com produtos químicos usados para processar os 17 minerais mais procurados do mundo.”
Os moradores da área relatam problemas de saúde, incluindo pernas doloridas, diabetes, osteoporose e problemas de pulmões, escreveu o Guardian. A África do Sul também foi acusada de fechar os olhos aos impactos da mineração sobre a saúde. “O setor da platina na África do Sul foi criticado por ter um desempenho muito ruim em direitos humanos − mesmo para o setor de matérias-primas”, aponta Müller.
Em 2012, forças de segurança mataram 34 mineiros que protestavam contra as más condições de trabalho e os baixos salários numa mina da empresa britânica Lonmin. O que ficou conhecido como “massacre de Marikana” desencadeou várias greves espontâneas em todo o setor de mineração do país.
Müller revela que os mineiros ainda estão expostos à drenagem ácida − um subproduto frequente da mineração de platina − que pode causar queimaduras químicas e graves danos aos pulmões. Isso poderia ser evitado com um sistema de eliminação de resíduos cuidadoso.
Alcançou-se algum progresso em 2016, quando o governo sul-africano anunciou planos para obrigar as mineradoras a pagarem 800 milhões de dólares para reciclagem da água ácida das minas. Mas nem todos obedeceram. Em 2020, ativistas processaram a mineradora australiana Mintails e o governo para cobrir os custos da limpeza ambiental.
Outro grande problema em torno da mineração é o consumo hídrico. Uma vez que a extração de matérias-primas críticas requer muita água, países propensos à seca, como a África do Sul, testemunharam um aumento nos conflitos sobre o abastecimento.
Durante anos, a indústria, o governo e a população sul-africanos debateram, sem chegar um acordo claro, se as empresas deveriam ter acesso privilegiado à água e quanto a população pode sofrer com a escassez.
Problemas da mineração no Brasil
Além do impacto direto da mineração de substâncias tóxicas sobre a saúde e o meio ambiente, a extração de matérias-primas essenciais destrói os meios de subsistência, como demonstram os desdobramentos no Brasil.
“O Brasil é o maior produtor mundial de nióbio, e as reservas em Minas Gerais durariam mais de 200 anos [no ritmo atual de demanda]”, explica Juliana Siqueira-Gay, engenheira ambiental e doutoranda da Universidade de São Paulo.
Embora o número de pedidos de mineração de nióbio esteja estagnado, a parcela de reivindicações de terras indígenas disparou de 3% para 36%, em um ano. Se as licenças forem concedidas, 23% da floresta amazônica, terra natal de 222 grupos indígenas, poderão sucumbir ao desmatamento em nome da mineração, segundo um estudo feito pela engenheira ambiental.
Em 2020, o presidente Jair Bolsonaro assinou um projeto de lei que permite a exploração de atividades econômicas em terras indígenas, incluindo a mineração. A lei ainda não entrou em vigor, mas “essa política pode ter efeitos negativos de longa duração sobre a sociobiodiversidade brasileira”, adverte Siqueira-Gay.
Um exemplo são as reservas de nióbio na Reserva Biológica Morro dos Seis de Lagos, no Amazonas, que poderiam ser extraídas para construir capacitores eletrolíticos para smartphones.
“Eles ficam no Território Indígena Balaio e causariam grandes impactos nas comunidades indígenas ao derrubar as florestas responsáveis pelo fornecimento de alimentos, matérias-primas e regular o clima local”, explica Juliana Siqueira-Gay.
Segundo ela, as diretrizes de boas práticas científicas oferecem um plano para a mineração sustentável que respeita os direitos humanos e protege as florestas. Pedreiras da América do Sul − e especialmente do Brasil − financiadas por bancos multilaterais como a Corporação Financeira Internacional do Grupo Banco Mundial devem seguir essas diretrizes.
Eles forçam as empresas a desenvolver um abastecimento de água sustentável, minimizar a exposição a ácidos e revegetar superfícies mineradas. “Primeiro, os impactos negativos devem ser evitados, depois minimizados e, por fim, compensados − e não o contrário.”
Fonte: Deutsche Welle