Depois de um ano de alta, o desmatamento na Mata Atlântica registrou uma leve queda entre 2019 e 2020. Um monitoramento anual feito pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que 130 km² foram devastados, 9% a menos que no período anterior.
A notícia, divulgada nesta quarta-feira (26/05), não é motivo de comemoração. “Essa pequena redução não indica tendência de queda geral, porque foi 14% maior que o observado em 2018”, justifica Fernando Guedes Pinto, diretor de conhecimento da SOS Mata Atlântica.
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Em 2018, o total da devastação no bioma, o mais ameaçado do país, atingiu o menor índice desde 1989, quando o monitoramento começou. “A gente ainda está numa fase estável de desmatamento, que é considerado muito alto para a situação da Mata Atlântica”, afirma Pinto.
É como se, a cada dia, 36 campos de futebol cobertos com a vegetação nativa desaparecessem. Dos 1,3 milhão de km² originais, apenas 12% permanecem.
Dos 17 estados que têm o bioma em seus territórios, Minas Gerais, Bahia e Paraná foram os campeões em destruição, mostra o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica. Nesses locais, a derrubada se deve principalmente ao aumento de áreas de cultivo.
“Ainda temos desmatamento porque há uma grande pressão da expansão da agricultura e das cidades, causada pela especulação imobiliária em volta das grandes cidades e do litoral”, detalha Pinto, lamentando a alta registrada em dez estados. “Muitas áreas estão sendo liberadas para a construção de condomínios”, complementa.
Em relação ao período de 2018-2019, o grupo de estados onde o desmatamento foi praticamente zero caiu. Isso foi registrado em Alagoas, Ceará, Goiás, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Ilegalidade à brasileira
Segundo a SOS Mata Atlântica, a maior parte do corte da mata ocorre de forma ilegal. “Há uma lei que protege o bioma. Os desmatamentos deveriam ser autorizados em condições excepcionais e não deveriam alcançar todo esse valor”, complementa, fazendo referência à Lei da Mata Atlântica (11.428/2006).
Numa outra plataforma de análise de desmatamento, a MapBiomas, 3.070 alertas de destruição do bioma foram registrados em 2020. Desses, mais de 99% vieram de locais que não tinham autorização para o corte das árvores (3.048).
A persistência do desmatamento nessa mata proporcionalmente mais destruída do país teria a ver com o ambiente institucional brasileiro, opina Pinto. “Há um clima que convida ao desmatamento com uma expectativa de impunidade, de retrocessos ambientais, e de enfraquecimento dos órgãos de fiscalização”, detalha.
Em abril do ano passado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, propôs a Jair Bolsonaro alterações na lei da Mata Atlântica. Além de permitir o desmatamento sem um parecer obrigatório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para áreas com até 150 hectares, a norma excluiria alguns tipos de vegetação nativa da obrigatoriedade de proteção.
“O marco legal da Mata Atlântica foi agredido, nessa tentativa de retrocesso, que não houve. Mais não deixa de ser convite para pessoas desrespeitarem a lei na expectativa de não serem punidas”, argumenta Pinto.
Agenda de restauração
O Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica mostra ainda que o pouco que sobrou do bioma no país está bastante fragmentado, em áreas reduzidas e particulares – que é o caso de 80% delas.
O potencial para restauração, por outro lado, é grande. Se o Código Florestal fosse cumprido, por exemplo, a floresta poderia ocupar de 40 mil km² a 50 mil km² só de Áreas de Preservação Permanentes (APP). Segundo a legislação, esses territórios precisam ser protegidos devido às suas funções ambientais vitais, como preservação de água, biodiversidade, etc.
Um levantamento específico feito em parceria com o GeoLab, ligado ao Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP), concluiu que só o estado de São Paulo teria um déficit estimado em 77 mil km² de APPs, a maior parte (67 mil km²) de Mata Atlântica.
Para Marie-Anne van Sluys, professora do Instituto de Biociências da USP e membro da coordenação adjunta de Ciências da Vida da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a ciência tem dado valiosas contribuições sobre a importância da restauração.
“Iniciativas de longo prazo na pesquisa continuada permitiram que tivéssemos um conjunto de dados que fortalece a necessidade de conservação. Os resultados mostram que valem a pena sob o ponto de vista da biodiversidade, da geração da água e de diversos serviços ecossistêmicos”, afirma van Sluys.
Em 2019, um estudo internacional liderado pelo brasileiro Pedro Brancalion, também da USP, mostrou que o Brasil e a Mata Atlântica são os campeões de áreas importantes para restauração. O mapa gerado durante as análises mostra a costa brasileira, originalmente coberta por floresta tropical, como a área com maior potencial. Nessas zonas, argumenta o artigo, seria mais fácil gerir projetos de recuperação de pastagens ou em declives onde a rentabilidade é baixa.
O reflorestamento é parte importante do esforço global para frear o aquecimento do planeta e as mudanças climáticas. A promessa brasileira feita ao assinar o Acordo de Paris, em 2015, dizia que o país recuperaria 120 mil km² de áreas desmatadas até 2030.
A meta, por outro lado, está longe de ser alcançada: um levantamento feito pelo Observatório da Restauração e Reflorestamento, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, mostra que, até agora menos de 1% foi cumprido.
Para que essa situação mude, afirma van Sluys, é preciso engajamento. “É urgente envolver toda a sociedade e que haja o entendimento de que essa vegetação é um bem a ser preservado”, opina.
Fonte: Deutsche Welle