Por muito tempo se acreditou que o fungo Fusarium verticillioides, um dos causadores da doença podridão vermelha, era apenas um oportunista, que se aproveitava das aberturas deixadas pelo ataque da lagarta da broca na cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis) para infectar as plantas.
Porém, uma pesquisa descobriu que o fungo manipula insetos e plantas para se reproduzir e disseminar pelos canaviais.
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É o que revela uma pesquisa da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (USP). Os responsáveis pelo estudo são o entomólogo José Maurício Simões Bento e o geneticista Marcio de Castro Silva Filho, com colaboração da pós-doutoranda Flávia Pereira Franco, e dos doutorandos Amanda Carlos Túler e Diego Zanardo Gallan.
Estima-se que as perdas geradas pela doença são de R$ 5 bilhões ao ano.
“Neste trabalho, mostramos que os compostos voláteis produzidos pelas plantas de cana-de-açúcar infectadas pelo fungo atraem as mariposas livres da doença. Assim que a broca se torna adulta, como mariposa, o fungo é transmitido verticalmente para seus descendentes, que continuam o ciclo inoculando o fungo em plantas saudáveis”, diz Silva Filho.
As mariposas que não foram contaminadas pelo fungo preferem depositar seus ovos em plantas infectadas, enquanto as mariposas portadoras do fungo preferem depositar seus ovos em plantas não-infectadas.
Como o fungo ataca as plantas
O fungo Fusarium verticillioides não age sozinho. Para conseguir infectar a planta, ele precisa, em primeiro lugar, infectar a broca da cana-de-açúcar, um inseto que é uma das principais pragas da cultura.
A forma adulta da broca da cana é uma mariposa. Suas fêmeas procuram as plantas de cana para realizar a postura, ou seja, depositar seus ovos. O fungo pega carona.
Dos ovos, surgem as lagartas que abrem orifícios no colmo (o caule) da cana. O entendimento anterior ao trabalho era que, pelos orifícios abertos pelas lagartas, ocorria a penetração dos fungos.
Já o estudo reescreve o processo de infestação dos canaviais pela dupla inseto-fungo. As lagartas disseminam o fungo no interior da planta, causando a podridão vermelha.
“A mariposa coloca os ovos na planta, a lagartinha eclode, penetra no colmo (caule), cresce, se transforma em pupa e sai na forma de mariposa para colocar seus ovos em outras plantas”, diz Silva Filho.
Se, isoladamente, a broca causa estrago nos canaviais, sua associação com o fungo pode ser ainda mais devastadora, no que tange à produção de sacarose e etanol.
“A associação da lagarta com o fungo é responsável por praticamente 100% das infecções. Sempre que tem broca, tem infestação do fungo,” explica Flávia Pereira Franco.
Segundo Silva Filho, são frequentes os relatos de perdas de 50% a 70% da sacarose de colmos atacados simultaneamente pelo fungo e pela broca.
O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, com 678 milhões de toneladas na safra 2019/2020, ou 40% do cultivo no mundo. É também o segundo produtor de etanol, com 35,6 bilhões de litros na safra 2019/2020. A maior parte da safra nacional de cana vai para a produção de etanol.
Quanto maior a quantidade de sacarose na cana-de-açúcar, maior é a quantidade obtida de etanol ou de açúcar. Uma tonelada da cana produz, por exemplo, até 90 litros de etanol. Logo, qualquer redução na quantidade de sacarose na planta reflete numa quebra de safra na produção de etanol.
Como o fungo manipula
Os pesquisadores ainda não descobriram como o fungo faz para manipular inseto e as plantas. Mas conhecem seus efeitos.
As plantas exalam naturalmente voláteis de diversos tipos. A contaminação pelo fungo faz com que a planta passe a exalar voláteis específicos, cuja função é atrair as mariposas sadias da broca até a planta para se infectarem pelo fungo.
Plantas não infectadas não exalam tal volátil. “O inseto se comunica com a planta por meio desses compostos ou ‘cheiros’”, explica a agrônoma Amanda Carlos Túler.
Reação das mariposas não infectadas
Bento explica que a planta contaminada pelo fungo produz voláteis irresistíveis às fêmeas grávidas não infectadas.
“O inseto que, normalmente, não escolheria qual planta infectar, tem seu comportamento alterado. Serão estas plantas infectadas as escolhidas pelas fêmeas para depositar seus ovos,” afirma.
Uma vez que os ovos eclodem, as lagartinhas que nascem serão infectadas pelo fungo ao penetrarem na planta. Quando as brocas se tornam adultas, na forma de mariposas, ao acasalar elas transmitem o fungo aos seus descendentes. Logo as futuras lagartas já estarão contaminadas.
“Identificamos inicialmente o fungo no intestino das lagartas, no interior da pupa e na mariposa. A grande questão era saber se o fungo também passaria para os descendentes. Vimos que este fungo passa para a próxima geração dentro dos ovos depositados pelas mariposas,” explica o agrônomo Diego Zanardo Gallan.
“Trata-se de um caso de transferência vertical, no qual o fungo passa a fazer parte do ciclo de vida da broca”, diz Flávia Franco.
Fêmeas contaminadas
Já as mariposas que foram contaminadas evitam realizar a postura nas plantas doentes, passando a buscar unicamente plantas sadias.
“O fungo usa o inseto como vetor, ou seja, está manipulando tanto a planta quanto o inseto para se reproduzir e disseminar”, diz Bento.
“A manipulação de plantas por microorganismos já foi demonstrada no caso de vírus e bactérias. O novo nessa história é que se trata de um fungo. É a primeira vez que isto é demonstrado! O que o inseto ganha com isto? Ainda não sabemos.”
“Estabelecemos aqui um novo paradigma para a associação planta-inseto-fungo na cana-de-açúcar,” diz Bento. “O fungo manipula a lagarta. Ele precisa da lagarta para infectar a planta. O fungo é o maestro de uma orquestra. Ele controla a lagarta, a fêmea adulta e a planta!”, diz Silva Filho.
Fonte: G1