O pedido de demissão do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) na quarta-feira (24/06) foi comemorado por entidades ambientalistas, como Greenpeace, WWF e Observatório do Clima. Essas organizações, porém, afirmam que a saída, cobrada por elas há meses, não representa uma mudança na política ambiental do governo Bolsonaro.
“Embora seja evidentemente um grande dia para o meio ambiente no Brasil, é preciso lembrar que Salles foi sintoma e não doença. Apenas cumpriu com extrema eficiência os objetivos declarados de Jair Bolsonaro de fechar na prática o Ministério do Meio Ambiente e ‘meter a foice’ nos órgãos ambientais”, afirmou, em nota, a coordenação do Observatório do Clima, rede de organizações não governamentais com atuação em torno das mudanças climáticas.
A rede de entidades ambientalistas disse que Salles deixa um “legado sombrio”, com aumento do desmatamento, de queimadas e das emissões de gás carbônico e destruição da imagem do país do exterior.
Para eles, a política ambiental ditada pelo presidente “não mudará com a troca de seu executor”, como não ocorreu em outras áreas do governo, como Saúde e Educação.
Em breve pronunciamento à imprensa nesta quarta-feira (23/6), Salles disse que pediu para deixar o cargo e que seguiu a orientação de Bolsonaro no comando da pasta.
“Orientação esta que foi equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente, cuidado com todos os aspectos daquele ministério. Ao mesmo tempo, respeito também ao setor privado, ao agronegócio, ao produtor rural brasileiro, aos empresários de todos os setores, de mineração, imobiliário, setor industrial.”
Dois dos principais elementos que baseiam o ceticismo sobre eventuais mudanças com a saída de Salles são: 1. o novo ministro, Joaquim Álvaro Pereira Leite, foi por duas décadas conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais antigas e influentes entidades ruralistas do país. 2. o avanço na Câmara dos Deputados de um projeto de lei (PL 490/21) que enfraquece a proteção de terras indígenas.
“O b de boiada não é de Ricardo Salles. É do governo Bolsonaro. No mesmo dia em que cai o pior ministro do Meio Ambiente da história do Brasil, o PL 490, que fere os direitos indígenas em relação a suas terras, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Congresso Nacional, provando que o correntão de retrocessos socioambientais continua destruindo a todo motor”, afirmou a WWF-Brasil, em nota.
Para a entidade, “trocar seis por meia dúzia (à frente do Ministério do Meio Ambiente) não trará alívio ao país” e “não há, por ora, motivos para alimentar a esperança de que ele poderá fazer muito diferente de seu antecessor”.
Leite é ex-conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB), entidade que no ano passado emitiu nota apoiando a declaração de Salles para que o governo aproveitasse a pandemia de coronavírus para “ir passando a boiada” na legislação ambiental. Ele está no ministério desde setembro de 2020, quando passou a comandar a Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais.
Em reação à saída de Salles, o Greenpeace disse que a sociedade recebe aliviada o pedido de demissão do ministro, mas “é evidente que a troca de peças por si só não deve mudar a estratégia do governo”.
“Na mesma hora em que Salles deixava seu cargo, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), presidida pela governista Bia Kicis, deu sua demonstração de desrespeito à democracia, à Constituição Federal, aos povos indígenas e à sociedade brasileira, e aprovou, sem debate e às pressas, o PL 490/2007, que praticamente inviabiliza demarcações de Terras Indígenas e escancara os territórios para atividades econômicas predatórias.”
Todas as entidades afirmaram esperar que Salles seja responsabilizado na Justiça nas investigações a que responde sob suspeita de favorecimento de desmatamento ilegal da Amazônia, entre outras acusações.
Com sua exoneração, Salles perde o foro especial no Supremo e a tendência é que as investigações sejam encaminhados à primeira instância judicial.
As acusações contra Salles
Em junho, a ministra do STF Cármen Lúcia autorizou a instauração de um inquérito para investigar o então ministro sob acusação de crimes como advocacia administrativa, criar dificuldades para a fiscalização ambiental e atrapalhar investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
A apuração pedida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) surgiu a partir de uma investigação da Polícia Federal (Operação Handroanthus) que levou à apreensão de 226 mil metros cúbicos de madeira extraídos ilegalmente por organizações criminosas, segundo o STF.
Essa madeira apreendida na divisa do Pará com o Amazonas no fim de 2020 foi avaliada em R$ 129 milhões.
Outra investigação já havia sido aberta contra o então ministro no Supremo em maio. No dia 19 daquele mês, a Polícia Federal deflagrou em três Estados a Operação Akuanduba, que teve como alvo Salles, empresários do ramo madeireiro e servidores públicos, entre eles o presidente do Ibama, Eduardo Bim.
A operação foi autorizada por outro ministro do STF, Alexandre de Moraes.
A PF apura suspeitas de exportação ilegal de madeira. A investigação apura desde janeiro deste ano suspeitas de crimes como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando.
Segundo a PF, ela começou a partir de denúncias feitas por autoridades dos Estados Unidos sobre suposto “desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira”.
A decisão de Moraes diz que “os depoimentos, os documentos e os dados coligidos sinalizam, em tese, para a existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais, o qual teria o envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro nessa Suprema Corte, no caso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles; além de servidores públicos e de pessoas jurídicas”.
Salles classificou esta operação da PF de “exagerada e desnecessária”.
Desmatamento em alta
Além do desgaste com as investigações, Salles também sofria pressão doméstica e internacional devido a continuidade do aumento do desmatamento no país.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os alertas de desmatamento na Amazônia Legal foram recordes para os meses de março, abril e maio, considerando a série histórica iniciada em agosto de 2015.
A estimativa preliminar do instituto para maio indicou uma perda de 1.180 km2 de floresta, um aumento de 41% em relação a maio de 2020.
A troca de comando da Casa Branca, com a posse de Joe Biden como novo presidente dos Estados Unidos, também aumentou a cobrança por resultados concretos do Brasil na preservação ambiental.
Pressionado, Bolsonaro chegou a prometer em abril mais recursos para proteção das florestas ao participar da Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada por Biden. Logo depois, porém, o presidente sancionou o Orçamento de 2021 prevendo um corte de R$ 240 milhões da pasta do Meio Ambiente.
Fonte: BBC