Calcular a quantidade de áreas costeiras mais suscetíveis ao aumento do nível do mar não é uma tarefa fácil. Por isso, dados precisos associados a esse cenário só foram obtidos em algumas partes do mundo até o momento. Mas um estudo publicado pelo periódico Nature Communications no último dia 29 de junho oferece uma estimativa mais abrangente sobre o panorama.
A pesquisa conclui que, no mundo, há cerca de 1,05 milhão de km² de áreas situadas a menos de dois metros acima do nível do mar, onde o risco de intempéries é maior. No total, são 267 milhões de pessoas vivendo nessas regiões, das aquais 62% estão nos trópicos.
A população que habita essas áreas está mais sujeita a sofrer com inundações e marés de tempestade, dois eventos climáticos cuja frequência os cientistas estimam que deverá ser maior nas próximas décadas em função do avanço do aquecimento global. Isso porque, à medida que as temperaturas globais continuam a subir, um dos fenômenos acelerados é o derretimento das calotas polares e geleiras, o que faz com que mais água flua para os oceanos e aumente seu volume.
Mas a carga desses efeitos não será distribuída igualmente entre as regiões costeiras: de acordo com o estudo, dos 20 países com mais de 12 mil km² de terras situadas a menos de dois metros acima do nível do mar, nove estão totalmente ou parcialmente na Ásia Tropical, onde se encontram extensas faixas de litoral, grandes deltas de rios e numerosas ilhas. Com 11,3% dessa área, a Indonésia é apontada pelo documento como o país que se encontra em maior situação de risco.
“No entanto, há pouca atenção para a vulnerabilidade ao aumento do nível do mar fora de algumas áreas urbanas, e o país [Indonésia] geralmente não é priorizado nas discussões das áreas de maior risco de aumento do nível do mar”, escrevem os pesquisadores no estudo, que foi liderado por A. Hooijer, cientista do Instituto de Pesquisa Ambiental NUS da Universidade Nacional de Singapura.
Trópicos são (e serão) os mais afetados
Com o objetivo de mapear as regiões do mundo a menos de dois metros acima do nível dos oceanos, Hooijer e seus colegas usaram medições de satélite a partir do método LiDAR, técnica de sensoriamento remoto que usa luz laser pulsada para medir a elevação na superfície da Terra. De acordo com a equipe, é a primeira vez que esse método é aplicado em uma investigação de ordem global.
Os trópicos destacam-se como tendo os maiores números globalmente, tanto em termos de quilometragem de áreas costeiras a menos de dois metros do nível do mar quanto no número de pessoas que vivem nessas regiões. As maiores áreas e populações estão na Ásia Tropical, com 31% e 59% do total global de 2020, respectivamente, sendo seguida pelos trópicos das Américas – o que inclui o Brasil – em termos de área de terra (20%), mas não de população (3%). Entre 2000 e 2020, as áreas de planície costeira e as populações na África tropical têm as maiores taxas de crescimento populacional.
“Consequentemente, sejam medidos por área, tamanho da população ou crescimento populacional, os efeitos do aumento do nível do mar provavelmente cairão desproporcionalmente sobre os países em desenvolvimento nos trópicos, que muitas vezes têm capacidade limitada de adaptação”, avaliam os pesquisadores no estudo.
Ao projetar um cenário hipotético de aumento do nível do mar em um metro, considerando um crescimento populacional zero dessas populações, os autores também chegaram à estimativa de que, até 2100, cerca de 410 milhões de pessoas estarão vivendo em localidades a menos de dois metros acima do nível do mar. Desse grupo, 72% estaria nos trópicos, sendo 59% apenas na Ásia Tropical.
De acordo com a investigação, o número de habitantes afetados será maior se a densidade populacional costeira aumentar. No entanto, os pesquisadores consideram que o futuro da densidade demográfica em áraes costeiras das regiões tropicais ainda é incerto e, por isso, não foi considerado nessa avaliação.
Pioneiro
“A alta vulnerabilidade de terras e populações em regiões costeiras e deltas, especialmente na Ásia Tropical, já foi observada anteriormente”, avaliam os pesquisadores no estudo. “No entanto, esta análise, ao aplicar um modelo de elevação global substancialmente mais preciso do que estava disponível até o momento, é a primeira a relacionar números acurados e globais para área tropical e população a menos de 2 m acima do nível do mar, ou seja, com risco mais imediato”, diz o documento.
Os especialistas argumentam que, embora as estimativas devam ser constantemente atualizadas, esses dados destacam a necessidade urgente de colocar as regiões dos trópicos – sobretudo as asiáticas –, no centro das discussões sobre medidas de adaptação e planejamento espacial para prevenção de inundações a longo prazo.
“Não há tempo a perder no desenvolvimento de medidas de adaptação”, escrevem os autores. “A recente disponibilidade de dados de satélite LiDAR com cobertura global pode ajudar a melhorar a prontidão para lidar com o aumento do nível do mar, especialmente nas regiões que até o momento não tinham DTMs [modelos de elevação digital, como o utillizado na pesquisa] precisos para apoiar respostas adequadas”.
Fonte: Galileu