A intensa seca e os incêndios florestais que atingiram a Amazônia em 2015 e 2016 mataram ao menos 2,5 bilhões de árvores e cipós em apenas uma pequena parte da floresta, descobriram pesquisadores.
Cientistas das Universidades de Oxford e Lancaster, no Reino Unido, e da Embrapa, ao lado de pesquisadores de outras instituições brasileiras e estrangeiras, examinaram a região que foi epicentro dos efeitos do El Niño na Amazônia: o Baixo Tapajós.
O El Niño é um fenômeno climático que envolve um aquecimento incomum do Oceano Pacífico. Em 2015 e no início de 2016, provocou efeitos devastadores em diferentes regiões do mundo—- na Amazônia, houve redução de chuvas e intensa seca em uma mata que normalmente é úmida, além de favorecer a disseminação de fogos causados por humanos.
A área analisada pelos pesquisadores fica na região da cidade de Santarém, no Pará, e tem 6,5 milhões de hectares — maior que os Estados de Alagoas e Sergipe juntos. Essa “pequena” parte onde morreram bilhões de árvores representa apenas 1,2% da Amazônia brasileira.
Os pesquisadores também calcularam quanto carbono foi liberado na atmosfera em consequência da morte dessas bilhões de árvores: 495 milhões de toneladas de CO² — valor maior que o liberado pela floresta em um ano inteiro de desmatamento. E descobriram ainda que as árvores continuaram a morrer e a liberar mais carbono na atmosfera por causa da seca provocada pelo El Niño anos depois do fenômeno climático.
O estudo “Tracking the impacts of El Niño drought and fire in human-modified Amazonian forests” (monitorando os impactos da seca e incêndios do El Niño em florestas amazônicas com interferência humana) foi publicado nesta segunda (19/7) no periódico científico PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America).
Como monitorar tantas árvores?
Desde 2010, pesquisadores monitoram 21 parcelas de terra da Floresta Amazônica espalhadas com até 100 km de distância umas das outras na região do Baixo Tapajós.
Em 2015, observando a extrema seca causada pelo El Niño, resolveram verificar como o fenômeno impactaria as plantas daquela região.
Eles já tinham mapeado 6.117 delas — “como num jogo de batalha naval”, explica a bióloga Erika Berenguer, das universidades de Oxford e Lancaster e autora principal do estudo. Cada árvore era registrada em quadrantes diferentes, com seu “X” e “Y” correspondente para facilitar sua identificação.
Ao longo de três anos, entre outubro de 2015 e outubro de 2018, os pesquisadores voltaram trimestralmente para cada uma daquelas 21 parcelas de terra e verificavam árvore por árvore para saber qual havia sido seu destino.
As árvores morrem pela seca ou pelo fogo causado por humanos. E esse fogo, por sua vez, pode ter diferentes origens. Uma delas, talvez a mais conhecida, é o desmatamento. Depois de derrubadas as árvores, o fogo é colocado para se livrar da floresta no chão. Outras origem são seu uso para a limpeza de pasto na Amazônia ou para incorporar os nutrientes da vegetação no solo — uma prática antiga que, no entanto, é afetada negativamente pela seca que deixa a paisagem mais inflamável.
Esses fogos controlados podem escapar da área designada e entrar dentro de áreas de floresta. Em um período de seca, isso é perigoso.
“A Amazônia é muito úmida. Normalmente esse fogo, se escapasse, morreria, igual fogo em um pedaço de pano molhado”, explica Berenguer. Mas como, no período analisado por cientistas, o clima estava muito seco — foram oito meses de seca — “o fogo, quando escapava, entrava na floresta”. “Ela estava como um pano seco parado no sol.”
São fogos bem pequenos, com chamas de 30 cm de altura, e que se movem muito devagar durante dias e dias de queima. “É lerdo e de baixa intensidade. Mas quando cobre grandes áreas, fica difícil de apagar”, diz a pesquisadora. Além disso, é difícil de ver, porque as árvores são altas. Sua fumaça, sim, é visível.
Então, pesquisadores voltavam para aquelas parcelas de mata para ver se as árvores haviam morrido. É possível descobrir se uma árvore na Amazônia morreu de acordo com diferentes fatores.
“Se não tem folha, é um sinal que já está morta, já que a maioria das árvores na Amazônia não perdem folhas em partes do ano”, explica Berenguer. Outra técnica: fazer um corte com um facão. “Você tira um pedaço da casca para ver se ela está seca ou não.”
Ela explica que, diferentemente de outros biomas, a Amazônia não evoluiu com o fogo. “As árvores não estão preparadas para lidar com o fogo, elas têm uma casca muito fina, sem o isolamento térmico que árvores do cerrado têm. A casca de árvores da Amazônia são iguais a uma folha de papel. Ela é superfina, sem proteção alguma”, diz.
Depois de descobrirem quantas árvores e cipós tinham morrido em excesso, os cientistas extrapolaram esse resultado para a área maior do Baixo Tapajós, de 6,5 milhões de hectares. “A gente sabe o quanto de floresta tem nessa área grande e o quanto em média a gente perdeu de árvores nas parcelas. Se a gente perdeu em média tantas árvores nessas parcelas todas, o quanto a gente perdeu na região toda?”, explica Berenguer.
O resultado foram os inacreditáveis 2,5 bilhões de árvores e cipós perdidos naquela região. Para Berenguer, os números surpreenderam ao mostrar a grandeza da mortalidade das árvores e a perda de carbono. “Quando você está andando na floresta, você sabe que a situação não está boa. Mas não sabíamos a magnitude disso.”
Ver grande parte da floresta que monitorava havia anos de repente morta foi “difícil emocionalmente”, diz Berenguer. “Você cria ligações com a floresta, como se fosse o quarteirão onde você mora, com a árvore que você gosta.”
Os pesquisadores também descobriram que os efeitos da seca do El Niño duraram mais de três anos em florestas afetadas pela seca e dois anos e meio em florestas afetadas tanto pela seca quanto pelo fogo, com árvores ainda morrendo nesse período por conta do fenômeno climático.
O número menor para as florestas afetadas pela seca e pelo fogo parece, de início, contraintuitivo. Mas “não é porque fogo causa menos dano”, explica Berenguer. “É porque já morreu tanta planta no início, que acaba não tendo mais o que matar.”
As árvores localizadas em florestas que já sofreram impacto são muito mais vulneráveis ao próximo fogo, com maior chance de morrerem. A floresta fica aberta, com maior entrada de luz e vento, o que a deixa mais seca. “Se o fogo escapar em outros anos, é mais propício de se sustentar ali. Acaba criando um looping de feedback negativo”, diz Berenguer.
Soluções
O El Niño acontece a cada dois a sete anos, em média, e há estudos que apontam que as mudanças climáticas podem agravar o fenômeno. Seu efeito na Amazônia, como se vê, é devastador. Mas há ações que podem ser feitas para evitar que seja tão destrutivo.
Um ponto fundamental é a prevenção, diz Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e da Rede Amazônia Sustentável e uma das autoras do estudo. Por meio de satélites, cientistas já têm a capacidade de prever secas. “E já sabemos que a seca é altamente relacionada com queimadas. Uma vez que o fogo inicia é muito difícil controlar.”
Quando o desmatamento em um ano é muito alto, é possível inferir, também, que isso poderá se refletir no ano seguinte com uma possibilidade maior de incêndios, já que regiões com áreas mais desmatadas e mais secas são mais vulneráveis a queimadas.
Por isso, diz Ferreira, o Brasil tem “toda a condição de fazer um mapa de risco de incêndio”, como está sendo feito na região do Tapajós.
E há três pontos que podem ser endereçados. A seca, o fogo causado pela limpeza de pasto ou por comunidades para incorporar os nutrientes da vegetação ao solo e, claro, o fogo causado para “limpar” uma região desmatada.
Para diminuir as consequências de um evento de seca como o El Niño, a médio e longo prazo, é preciso investir na restauração florestal, diz Ferreira, para reduzir a degradação das florestas. Dessa maneira, as matas ficam menos secas e, assim, menos vulneráveis a secas.
Para controlar o fogo que pode escapar quando usado para limpar o pasto ou para incorporar nutrientes ao solo, gestores podem fazer regras mais rígidas, determinando certas condições para a realização dessas queimadas.
Podem determinar, por exemplo, a quantos dias de diferença da chuva esses fogos poderão ser feitos, impedir que sejam levados a cabo em horários de maior calor ou que sejam postos no contravento e não a favor do vento, entre outros.
O governo pode também disseminar técnicas agrícolas que dependam menos do fogo, diz Ferreira, e dar apoio para que populações tenham condições de usar essas outras técnicas.
Por fim, é preciso combater o desmatamento — em sua maior parte, ilegal. “É uma questão de comando e controle. As instituições têm que ser mais fortalecidas, devem ser mais rigorosas nas multas, na regularização ambiental das propriedades e realmente fazer esforço para utilizar recursos que tem para responsabilizar quem faz as práticas ilegais”, diz Ferreira.
Fonte: BBC