Ao lançarmos âncora, aprendi o segredo para abrir a ostra perfeitamente: introduza delicadamente a faca na dobradiça posterior da concha e sorva a ostra mais fresca de sua vida. O molusco havia sido colhido minutos antes de nossa chegada, por meio das gaiolas flutuantes ao lado de nosso barco em uma seção isolada da Baía de Casco, em Maine.
“Há uma nascente de água doce na Ilha Upper Goose que drena direto para a fazenda e corta a salinidade da água, então nossa ostra é muito mais brilhante, com um sabor mais equilibrado, levemente parecido com o do pepino-do-mar”, diz Cameron Barner, que tem formação avançada na área de aquicultura, é proprietário de uma fazenda de ostras e foi o meu guia turístico naquela tarde. “Se você subir o rio para colher as ostras ou comer as que se depositam no fundo do rio, provará um sabor mineral mais intenso.”
Passeios por fazendas de ostras, como esse da fazenda Love Point Oysters, e trilhas sem acompanhamento de guias para apreciação de bivalves estão surgindo nos Estados Unidos. A pandemia de covid-19 fez com que a tendência estagnasse, mas com o relaxamento das restrições de viagens, os entusiastas de ostras estão retomando esse tipo de turismo. Ao longo da Trilha da Ostra do Maine, que foi reinaugurada em junho, os turistas gastronômicos podem ser premiados com diversas experiências e visitas a locais diferentes, incluindo a fazenda Love Point. Outras trilhas podem ser encontradas em Louisiana, Virgínia, na Carolina do Norte e em Washington, o maior produtor de aquicultura do país.
Mas esses passeios não apresentam apenas as experiências de sorver e descascar as conchas. Eles também oferecem aprendizado. Nas trilhas, os visitantes aprendem sobre como ostras cultivadas de forma sustentável ajudam a restaurar as devastadas populações de ostras da natureza. Ostras cultivadas não prejudicam ou dependem de forma alguma de seus familiares selvagens. Na verdade, elas ajudam a semear populações de ostras fora das aquiculturas, limpar cursos de água e alimentar muitas espécies de peixes.
“Antes eram só as pessoas mais velhas que gostavam de ostras”, diz Barner, de 27 anos. Agora, os jovens também experimentam diversos sabores sutis de ostra e querem participar de uma solução para o meio ambiente também.
“Muitos se interessam por oportunidades de carreira em que seja possível, além de ganhar a vida na natureza, fazer o bem para o meio ambiente”, explica Robert Jones, líder global de aquicultura da organização sem fins lucrativos Nature Conservancy.
O declínio das ostras selvagens
O ser humano consome ostras há mais de 165 mil anos. De acordo com um estudo realizado pela revista científica Science Advances, as práticas dos nativos americanos promoviam saúde aos recifes de ostras por milhares de anos antes da chegada dos colonizadores europeus. Na Grécia e na Roma antigas, os ricos consideravam ostras uma iguaria. Nos Estados Unidos e na Europa no início do século 19, as ostras eram uma fonte popular e barata de proteína para a classe trabalhadora.
Mas a pesca excessiva, as doenças causadas por poluição dos rios e as mudanças climáticas tornaram os recifes de ostras um dos habitats mais ameaçados do mundo. Por volta de 2012, populações inteiras quase desapareceram em lugares como a Baía de Chesapeake, Baía de Apalachicola e em todo o estado de Washington.
Com a demanda por ostras criadas em cativeiro e “cultivadas” de maneira sustentável a partir de sementes para virarem pratos em restaurantes, e ao aprofundar nosso conhecimento sobre ostras, estamos ajudando a restaurar os recifes de ostras naturais.
Ostras cultivadas são uma resposta
São muitos os benefícios ecológicos da aquicultura de ostras, começando com um processo de cultivo que quase não emite gases de efeito estufa e quase não utiliza água, rações, fertilizantes ou alimentos. As larvas de certas ostras cultivadas, chamadas diploides, escapam das gaiolas para semear sozinhas a população de ostras selvagens.
O que os turistas aprendem ao longo das trilhas de ostras é que cada bivalve de água salgada é um minúsculo vácuo oceânico e, sem recifes de ostras suficientes, nossos mananciais se tornam mais turvos. As ostras podem filtrar 50 galões de água por dia de poluentes como o nitrogênio, presente nas águas devido ao escoamento agrícola e às mudanças climáticas. As ostras expelem esses poluentes ou os absorvem em suas conchas e tecidos (e é por isso que não se deve comer ostras provenientes de qualquer canal).
Tanto ostras selvagens quanto ostras cultivadas — que são mantidas em água limpa, obedecendo a rigorosos regulamentos — consomem algas e filtram outras partículas, permitindo que mais luz solar alcance o fundo do oceano, promovendo o crescimento de zosteras, habitat para muitas espécies.
Assim como o coral, as ostras, quando juntas, formam recifes que evitam a erosão do solo, protegem a terra de tempestades e marés e agem como pequenos santuários marinhos para outros peixes. Centenas de espécies de peixes também crescem, comem e acasalam em gaiolas de ostras em cativeiro, de acordo com um estudo publicado recentemente no periódico Reviews in Aquaculture, o primeiro estudo que quantificou esse processo em uma escala global.
“Visto que o cultivo realmente tem um benefício positivo para a biodiversidade, devemos encorajá-lo mais e permitir que as pessoas produzam fazendas de ostras em locais onde há maior necessidade de habitats”, afirma Jones da Nature Conservancy e autor principal do artigo.
Essa relação colaborativa entre os criadores de ostras e os conservacionistas ocorrem em cursos d’água já bastante prejudicados, como a Baía de Chesapeake, que abriga uma das principais reservas de ostras do mundo, e o porto de Nova York, com o projeto Billion Oyster Project.
“A qualidade da água é muito importante para o turismo, pois alimenta o setorde frutos do mar. Então quanto mais ostras tivermos, mais saudável será a água”, diz Tanner Council, da Chesapeake Oyster Alliance, uma coalizão financiada pela organização sem fins lucrativos Chesapeake Bay Foundation, que pretende adicionar 10 bilhões de novas ostras à baía até 2025.
Além disso, no segundo semestre do ano passado, a Nature Conservancy se comprometeu a comprar 5 milhões de ostras excedentes de mais de cem fazendas — que foram obrigadas a fechar seus restaurantes que serviam alimentos crus durante a pandemia — e devolver os bivalves à natureza para restaurar os recifes de ostras.
Pérolas de sabedoria
Como o pessoal da fazenda Love Point Oyster gosta de dizer, o consumidor propõe a maneira como tratamos nosso planeta. Cada vez que um turista que passa pela Trilha da Ostra do Maine entra em um barco ou caiaque para visitar uma fazenda, compra ostras direto de um fazendeiro ou come meia dúzia delas em um bar de frutos do mar ou foodtruck de ostras, isso beneficia não apenas a indústria das ostras, mas também o meio ambiente.
De volta à fazenda Love Point, devoro quase uma dúzia de ostras-americanas— conhecidas como Crassostrea virginica, uma das apenas cinco espécies cultivadas na América do Norte. Ben Hamilton, coproprietário da Love Point, sugere jogar as conchas de volta à água para neutralizar o ácido prejudicial do dióxido de carbono presente na água da baía.
Hamilton me ensinou que “o cálcio eventualmente chega à coluna d’água e ajuda a tamponar a acidez da água, neutralizando os efeitos do CO2”. Muitos restaurantes estão “reciclando” suas cascas de ostra para restaurar os recifes.
Como às mudanças climáticas continuam prejudicando as populações de peixes e a concorrência no mercado da pesca continua acirrada, alguns pescadores, como um jovem pescador de lagosta que conheci e trabalha para a Love Point, encontram uma fonte de renda mais estável como criadores de ostras. Quanto a Hamilton, ele não se arrepende de abandonar um emprego com carga horária de 120 horas por semana em Wall Street. “O mundo pode ser muito pessimista, mas o amor é a razão de tudo, certo?”, declara o coproprietário da Love Point, acrescentando que sua mudança de carreira inspirou o nome de sua empresa.
“As ostras exigem pouco do ambiente natural e dão muito em troca. Elas devoram os fitoplânctons da água e são uma fonte de proteína, que traz muito benefício às pessoas”, conclui Hamilton. “Essa é uma história que merece ser compartilhada”.
Fonte: National Geographic Brasil