Um estudo internacional com a participação de cientistas brasileiros revelou nesta quarta-feira (01/09) que 90% das espécies de plantas e animais vertebrados da região amazônica foram impactados pelas queimadas de 2001 a 2019.
Entre as espécies consideradas ameaçadas de extinção, 85% tiveram grande parte de seus habitats naturais devastados pelo fogo, que, além de causar a morte de animais, transformou os locais onde eles viviam.
Os resultados foram publicados na renomada revista científica Nature e revelam que 150 mil quilômetros quadrados da floresta amazônica foram atingidos por incêndios no período.
Para o estudo, os pesquisadores levaram em consideração 11.514 espécies de plantas e 3.079 espécies de animais vertebrados em toda a extensão da Bacia Amazônica. Observando as tendências dos incêndios e levando em consideração a seca, os cientistas descobriram uma ligação inequívoca entre a atividade humana e o desmatamento.
“Descobrimos que os incêndios e seus impactos estão relacionados aos regimes de política florestal da região”, disse Xiao Feng, da Universidade da Flórida, principal autor do estudo, em entrevista à agência de notícias AFP.
No Brasil, onde está localizada a maior parte da Bacia Amazônica, políticas para reduzir o desmatamento foram implementadas em meados dos anos 2000. No entanto, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem pressionado cada vez mais para liberar áreas de florestas protegidas ao agronegócio e à mineração. Segundo o estudo, houve um aumento no desmatamento desde que ele assumiu o cargo, em janeiro de 2019.
“O impacto [dos incêndios] foi menor entre 2009 e 2018, mas observamos um aumento em 2019, que coincidiu com o relaxamento das políticas florestais na região”, disse Feng.
Sucateamento da fiscalização ambiental
Segundo Danilo Neves, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos autores da pesquisa, o sucateamento dos órgãos de fiscalização ambiental é a principal causa da crescente perda da diversidade de animais e plantas na região.
Neves explica que o estudo considerou três períodos. O primeiro foi de 2002 a 2008, quando a regulamentação e a fiscalização eram pouco efetivas. O segundo, de 2009 a 2015, época em que a fiscalização se tornou mais rigorosa e, em consequência, houve redução no desmatamento e nas queimadas. O último foi de 2016 e 2019, período em que teve início o relaxamento da fiscalização e, portanto, intensificaram-se o fogo e o desmatamento.
“De 2016 para cá, com a diminuição da fiscalização, o cenário só piorou. Como resultado, em 2019, as queimadas ficaram acima da média histórica recente no país”, explicou Neves ao site da UFMG.
Os cientistas observam que os últimos quatro meses de 2019 houve menos incêndios do que o esperado. Segundo eles, isso coincidiu com os esforços do governo para intensificar o combate às queimadas, após a grande repercussão internacional negativa das políticas ambientais de Bolsonaro no começo de sua gestão.
“Se a regulamentação e a fiscalização iniciadas em 2009 tivessem sido mantidas, não estaríamos diante da maior média histórica de desmatamento na Amazônia. Devemos resgatar a regulamentação e a fiscalização, restaurar e recuperar as áreas perdidas”, revelou Neves.
Como a pesquisa foi feita
Para mostrar o impacto dos incêndios na biodiversidade amazônica, Feng e os demais pesquisadores usaram um vasto banco de dados de espécies de plantas, bem como mapas especializados de habitats animais da União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês), entidade responsável por elaborar a lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção.
Com base em estimativas das áreas geográficas de cada espécie, Feng e sua equipe construíram o que descreveram como “o maior conjunto de mapas de distribuição” da Bacia Amazônica.
A sobreposição desses mapas com zonas florestais impactadas pelo fogo, obtidas com base em dados de satélite, revelou um quadro sombrio para a biodiversidade.
A situação deve piorar ainda mais, revela o estudo, à medida que os incêndios passarem do perímetro para o “coração” da Bacia Amazônica.
Causas dos incêndios
O estudo também investigou os fatores que levaram às queimadas, com o objetivo de descobrir se o fogo foi ocasionado pelas secas recentes.
Neves explica que, mesmo levando em conta o aumento recente das secas na Amazônia, que pode contribuir para o fogo, é possível afirmar que o clima mais seco não é suficiente para “explicar o grande aumento das queimadas”.
“O que mais explica esse número alarmante de áreas queimadas é o aumento do desmatamento, que se deve ao relaxamento da fiscalização ambiental a partir de 2016”, diz Neves.
Segundo o professor, trata-se de um “efeito cascata”, com graves consequências para a biodiversidade da região.
“O aumento do desmatamento implica o aumento das áreas de queimada, e isso reduziu a biodiversidade em escalas locais e regionais. Como algumas espécies têm distribuição muito restrita, esse processo pode até gerar a extinção de plantas e animais. Cada espécie tem um papel fundamental, e sua perda pode culminar no colapso desses ecossistemas”, explicou o professor ao site da UFMG.
Fonte: Deutsche Welle