Cientistas publicaram nesta quarta-feira (1), na revista científica Nature, a primeira avaliação quantitativa detalhada do impacto de queimadas, secas e políticas ambientais relacionadas ao desmatamento na diversidade de plantas e animais da Amazônia. Os pesquisadores descobriram que, de 2001 a 2019, cerca de 95% de todas as espécies da floresta e 85% daquelas ameaçadas de extinção foram afetadas pelas queimadas, que destruíram entre 103 mil e 190 mil quilômetros quadrados do bioma.
Para chegar a tais conclusões, os cientistas elaboraram mapas de distribuição da biodiversidade a partir dos registros de mais de 14,5 mil plantas e animais vertebrados da região e, em seguida, cruzaram essas informações com os dados de satélite sobre incêndios florestais e desmatamento das últimas duas décadas. “Nós mostramos como a política teve uma influência grande e direta no ritmo em que a biodiversidade da Amazônia inteira foi afetada”, afirma, em nota, Brian Enquist, professor do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos.
A análise foi feita com base na divisão da história recente da floresta em três períodos: antes de 2008, quando políticas de controle de desmatamento estavam enfraquecidas ou em processo de efetivação; entre 2009 e 2018, época em que ações para diminuir o desmatamento e os incêndios foram aplicadas e bem-sucedidas; e 2019, quando houve o relaxamento na implementação das medidas.
Destruição contínua
Os autores do estudo constatam que, embora as políticas de manejo florestal promulgadas em meados da década de 2000 tenham desacelerado a taxa de destruição dos habitats, a execução descuidada dessas medidas e a recente mudança de governo no Brasil são dois dos fatores responsáveis por reverter a tendência. De acordo com o artigo, o primeiro ano da administração de Jair Bolsonaro foi um dos mais extremos para a biodiversidade desde 2009, quando regulações contra o desmatamento passaram a ser aplicadas.
“Mesmo com as leis estabelecidas, que agem como um freio, trata-se de um carro movendo-se para frente, só que em uma velocidade menor”, explica Enquist. “Mas em 2019 é como se o pé tivesse sido tirado do freio, fazendo com que acelerasse de novo”, diz. Naquele ano, as queimadas destruíram de 4 mil a 10 mil quilômetros quadrados da Amazônia. Os pesquisadores observam também que o fogo não é parte do ciclo natural de uma floresta tropical e que as espécies nativas não têm as adaptações necessárias para lidar com incêndios (como é o caso, por exemplo, de ambientes temperados).
Por isso, o trabalho alerta para a possibilidade de que sucessivas queimadas causem alterações expressivas na composição da biodiversidade, desencadeando consequências devastadoras para todo o ecossistema. “Nessa região, uma vez que o fogo invade locais que ainda não foram queimados, eles são degradados de forma irreparável e ficam mais suscetíveis a queimarem no futuro”, comenta Enquist.
Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), das espécies consideradas ameaçadas de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), tiveram habitat atingido pelas chamas 236 das 264 espécies de plantas, 83 das 85 espécies de pássaros, 53 das 55 espécies de mamíferos, 5 das 9 espécies de répteis e 95 das 107 espécies de anfíbios. As não ameaçadas tiveram 64% de seu habitat prejudicado.
“Muitas espécies de plantas e animais da Amazônia possuem distribuições restritas, o que aumenta as chances desses incêndios florestais causarem grandes perdas em biodiversidade”, analisa, em nota, Paulo Brando, pesquisador do IPAM e professor do Departamento de Ciência do Sistema Terrestre da Universidade da Califórnia Irvine, nos EUA. A cada novos 10 mil quilômetros quadrados de floresta queimada, o cálculo é de que até 40 espécies a mais podem ser impactadas.
Além disso, o artigo destaca alguns elementos de preocupação: as secas mais severas e frequentes resultantes das mudanças climáticas, o uso de fogo pela indústria agrícola para limpar grandes áreas de vegetação e a maior chance de ocorrerem incêndios a partir de práticas de desmatamento. Até 2050, as previsões indicam que a perda florestal chegará a, no mínimo, 21% e, no máximo, 40%. Vale reforçar, ainda, que a Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, onde se encontra uma a cada 10 espécies conhecidas de todo o planeta. Além disso, o bioma atua como um importante sumidouro de carbono, auxiliando na regulação do clima da Terra.
Caminhos para proteger a Amazônia
Para os autores, o estudo evidencia o perigo da ausência de políticas ambientais rígidas e efetivas. “A biodiversidade caminha lado a lado com o funcionamento do ecossistema”, pontua Enquist. “As espécies podem se tornar virtualmente extintas até mesmo antes de perderem completamente seu habitat”, alerta. E, à medida que os incêndios chegam às regiões da Amazônia onde a biodiversidade é maior, os impactos tendem a ser cada vez mais graves.
Diante desse cenário, os especialistas chamam a atenção para o fato de que, no passado, precisamos de décadas para diminuir o desmatamento, mas, agora, talvez sejam necessários apenas alguns anos para destruir os pilares das políticas de conservação. “A recente reversão das tendências de desmatamento e queimadas, bem como seus impactos na biodiversidade amazônica, deveria ser motivo de grande preocupação”, afirma Brando.
Como caminho para mitigar os prejuízos, os pesquisadores defendem que o reconhecimento formal de terras indígenas (que ocupam mais de um terço da floresta) seja incorporado às políticas de proteção da Amazônia. Isso porque estudos comprovam que, nesses locais, há um menor declínio das espécies, menos poluição e melhor uso dos recursos naturais.
Quanto às queimadas, o artigo pontua que a maior parte dos incêndios na floresta amazônica são causados intencionalmente por seres humanos. “Preveni-los está ao nosso alcance”, afirma Patrick Roehrdanz, da instituição norte-americana Conservação Internacional. “Uma forma é resgatar o forte compromisso das políticas anti-desmatamento no Brasil, combinando essa medida com incentivos para uma economia florestal e replicar as ações em outros países que contemplam a Amazônia”, conclui.
Fonte: Galileu