A ciência resolverá o problema das algas nas praias mexicanas?

O sargaço, uma macroalga, ameaça praias paradisíacas entre Cancún e Tulum. Veja como pesquisadores e resorts estão combatendo a floração incômoda.

Acúmulos de algas em decomposição recobrem a praia do Parque Los Fundadores, na região mexicana de Playa del Carmen, em 4 de julho de 2021. A macroalga denominada sargaço chega às costas caribenhas a cada primavera e verão, ocasionando problemas ecológicos e prejudicando a economia do turismo.
FOTO DE EYEPIX/NURPHOTO/AP

Com faixas de areia dourada contornadas por fileiras de palmeiras atrás e águas azuis cristalinas do mar à frente, as praias do caribe mexicano são famosas por sua beleza de cartão-postal. Mas agora, nas primaveras e nos verões, a costa de Iucatã entre Cancún e Tulum foi invadida por acúmulos de algas marinhas, cobrindo a praia com um odor sulfuroso de decomposição e tornando quase impossível entrar na água.

Essa macroalga é denominada sargaço e está causando problemas nesse paraíso.

O crescimento das algas é cíclico e até benéfico em quantidades normais. Normalmente as algas florescem e permanecem no oceano, oferecendo um habitat flutuante a peixes, camarões, enguias, tartarugas e aves. “É um habitat fundamental — geralmente chamado de ‘bosque dourado’ do oceano”, conta Chuanmin Hu, professor de Oceanografia Óptica da Universidade do Sul da Flórida.

Mas agora a alga marinha está formando a maior floração de algas do mundo — e não se limita ao oceano. Desde 2011, grandes quantidades chegaram à costa do Caribe, entre as Pequenas Antilhas e a península mexicana de Iucatã. Em mar aberto, enormes camadas flutuantes de algas impedem a luz solar de alcançar os recifes de coral; à medida que se decompõem, as algas marinhas liberam substâncias prejudiciais à fauna marinha. E o problema está em expansão: dados de satélite da Nasa indicaram recentemente um cinturão de algas flutuantes com quase nove mil quilômetros de comprimento.

Funcionário recolhe sargaço de praia perto de Tulum, no estado de Quintana Roo, México, em maio de 2019. Hotéis e resorts ao longo da costa contratam trabalhadores em período integral (e gastam milhares de dólares) na tentativa de impedir o acúmulo de algas marinhas no litoral.
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Uma vez na praia, as pilhas de sargaço impedem que tartarugas marinhas botem ovos nas margens e retornem ao oceano. Além disso, o odor da alga é desagradável e causa dores de cabeça e náuseas entre os banhistas.

Os cientistas atribuem a explosão no crescimento de algas ao aumento do despejo de resíduos agrícolas e esgoto no rio Amazonas no Brasil, bem como ao aquecimento da água e ao fenômeno da ressurgência no leste do Oceano Atlântico.

Desde o início da crise há uma década, a quantidade de algas marinhas que chega à costa apresenta uma variação sazonal. A “temporada de sargaço” geralmente cobre as praias entre abril e agosto. Alguns anos, como em 2018, apresentaram florações bastante expressivas, e 2021 parece ser “um dos anos recordistas”, afirma Hu. “Não é mais um fenômeno ocasional — agora ocorre regularmente.”

O problema está provocando uma crise econômica e também ecológica. No estado de Quintana Roo, no México, onde o turismo representa 87% do PIB do estado, o excesso de sargaço constitui uma ameaça bastante urgente aos meios de subsistência. Então, o que fazer para detê-la?

Problema ecológico com impacto econômico

Mais de dois milhões de passageiros passaram pelo Aeroporto Internacional de Cancún em junho de 2021, o maior número desde fevereiro de 2020. Ao longo da Riviera Maya, no México, as ocupações se recuperaram aos níveis anteriores à pandemia, e um dos motivos é que as medidas de restrição da covid-19 não são impostas aos turistas no país. Mas o sargaço pode voltar a afastar os visitantes. “Antes do novo coronavírus, o sargaço já havia afetado as reservas de passagens e hotéis”, afirma Zach Rabinor, diretor executivo da agência de turismo Journey Mexico. “É um problema constante.”

Após a invasão de sargaço em 2018, as taxas de ocupação de hotéis na Riviera Maya sofreram uma redução de 2,87%. Para compensar, os hotéis baixaram os preços, transferiram turistas insatisfeitos a outras propriedades e ofereceram passeios em atrações distantes da praia.

Marta Garcia, cientista mexicana, examina sargaço no Instituto de Ciências Marinhas de Puerto Morelos, no México. Pesquisadores e empresas buscam formas de aproveitar a alga como fertilizante e até mesmo como biocombustível.
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Mulher pendura folhas de papel feitas de sargaço para secar em Cancún. As folhas serão utilizadas em cadernos, um dos muitos produtos (entre sabonetes, sapatos, tijolos de construção) que os empresários esperam que possam transformar o tormento em uma atividade lucrativa.
FOTO DE RODRIGO ARANGUA, AFP/GETTY IMAGES

Nesse mesmo ano, os hotéis entre Cancún e Puerto Morelos, ao sul, gastaram cerca de US$ 200 mil em cada uma dessas regiões com salários da equipe de limpeza de praias e transporte de algas marinhas a locais de descarte. Muitos também contrataram barcos especializados de remoção, que podem custar até US$ 1 milhão, e barreiras marítimas de sargaço que custam mais de US$ 100 por metro linear. Rabinor estima que “hotéis de médio porte em frente a grandes extensões de praias estão gastando milhares de dólares por dia com a retirada, ou talvez até mais, durante épocas de pico de algas”.

Mallory Jones, agente de viagens, visitou a Riviera Maya em maio de 2021. Os funcionários do resort em que se hospedou tentaram eliminar as algas, mas, segundo ela, seus esforços “não foram páreo para a mãe natureza”. Montes de sargaço a afastaram da areia e frustraram seus planos de andar de caiaque. “Foi decepcionante. Eu evitaria essa época do ano para viagens pessoais”, sugere ela. Já para os clientes “que fazem questão de uma bela praia com águas cristalinas, eu recomendaria evitar completamente o México. A situação está muito imprevisível.”

Retirada por rastelo, trator ou barco

Retirar ou desviar quilos e mais quilos de algas marinhas, que por vezes são trazidos a cada nova onda que quebra, não se trata de uma simples questão de recolher o material em um balde e jogá-lo fora.

Barreiras marítimas de algas marinhas usam redes ou boias para capturar ou conter o sargaço. Barcos equipados com mecanismos de coleta também podem retirar a matéria vegetal da água, mas podem ser dispendiosos. “Poucos hotéis dispõem desses barcos”, afirma Rosa Rodríguez-Martínez, pesquisadora da Universidade Nacional Autônoma do México, que estuda o sargaço desde 2015. “A maioria usa as barreiras para desviar as algas a ‘pontos de coleta’ e utiliza esteiras mecânicas ou escavadeiras para carregar as algas nos caminhões.”

Alguns hotéis descartam o sargaço em áreas próximas, ao passo que outros o levam a pontos de descarte na mata. “Nenhum dos pontos de descarte, entretanto, foi preparado de forma adequada para evitar a lixiviação (de líquidos contaminados) aos lençóis d’água”, acrescenta Rodríguez-Martínez.

Há dois anos, o presidente do México Andrés Manuel López Obrador incumbiu a Marinha mexicana de ajudar a deter a maré de algas antes de atingir a costa. Até hoje, os barcos da Marinha, tripulados por 300 pessoas, coletam sargaço das barreiras instaladas no mar. Em maio de 2021, haviam sido coletadas mais de 10 mil toneladas.

É um empreendimento gigantesco. Mas as algas não dão trégua.

Trabalhadores retiram sargaço de praia em Playa del Carmen usando rastelos e um trator. As algas marinhas cobrem as praias de Iucatã, no México, desde 2011.
FOTO DE BÉNÉDICTE DESRUS, SIPA USA/AP

Transformando o tormento em atividade lucrativa?

Por ora, segundo os cientistas, a única maneira de suprimir o sargaço seria em sua origem, explica Rodríguez-Martínez. “Os países precisam reduzir os nutrientes despejados no mar e tomar medidas para atenuar as mudanças climáticas.” Contudo, como o Brasil continua convertendo florestas tropicais em propriedades rurais que empregam fertilizantes, as florações de algas podem se tornar permanentes.

Os cientistas estão estudando usos alternativos para as algas. Jaya Jayaraman, microbiólogo vegetal, e sua equipe da Universidade das Índias Ocidentais em Trinidad e Tobago usaram sargaço para criar um bioestimulante agrícola que funciona menos como um fertilizante tradicional e “mais como um remédio que promove o crescimento vegetal”, afirma Jayaraman. Seu laboratório também está tentando converter sargaço em material de compostagem e de construção. Em 2020, pesquisadores bioquímicos das universidades de Exeter e Bath foram os pioneiros em um método de conversão bioquímica à base de sal que poderia ajudar a transformar o sargaço em biocombustível.

Outras empresas estão descobrindo usos comerciais sustentáveis para o sargaço. A C-Combinator, biofabricante porto-riquenha, transforma algas marinhas colhidas em Quintana Roo em couro vegetal, cosméticos e insumos agrícolas. Em Playa del Carmen, a BioMaya faz parcerias com mulheres de vilarejos maias locais para converter algas processadas em sabão que é vendido a hospitais e hotéis.

“Ao criar mais produtos sofisticados ou de alta demanda a partir de algas marinhas, podemos estimular sua coleta”, afirma Jorge Vega Matos, da C-Combinator.

Fonte: National Geographic Brasil