Cerca de 15 milhões de turistas visitaram reservas ambientais federais no Brasil em 2019, uma alta de 300% nos últimos 13 anos. Se por um lado esse aumento reflete um maior interesse dos brasileiros em conhecer a fauna e a flora do país, por outro, apenas 22 das 137 unidades de conservação (UC) cujo turismo é monitorado pelo governo federal concentram 92% desses visitantes.
Problemas de regularização, de dados públicos, de infraestrutura, falta de pessoal e até de acesso impedem que o setor deslanche. Ou seja, o turismo ecológico, tido como alternativa de desenvolvimento econômico e sustentável, ainda engatinha no Brasil, embora o país tenha um enorme potencial a ser explorado no segmento.
Esse é o diagnóstico de um estudo da Fundação Grupo Boticário ao qual a BBC News Brasil teve acesso. O relatório discorre sobre o atual cenário e o potencial turístico das reservas de conservação da natureza do país.
O Brasil possui 2.446 unidades de conservação públicas cadastradas no Ministério do Meio Ambiente — elas são administradas pelo governo federal, mas também por Estados e municípios.
Dessas, 777 são classificadas como de “proteção integral”. Nelas, são permitidos apenas usos indiretos dos recursos naturais, como recreação em contato com a natureza, turismo ecológico, pesquisa científica e educação ambiental.
Já 1.669 unidades são do tipo “uso sustentável dos recursos naturais”. Ou seja, são permitidas atividades que envolvem coleta e uso dos recursos naturais, desde que seja assegurada a preservação dos recursos ambientais e processos ecológicos.
Existem outras 993 reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs), que são áreas privadas transformadas em reservas ambientais após regularização do poder público, a pedido dos proprietários — elas são classificadas como de “proteção integral”.
O relatório leva em conta as visitas turísticas feitas em 2019 em 137 UCs monitoradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável por gerir as reservas federais.
A maior parte das unidades, tanto públicas como privadas, não disponibiliza dados sobre visitação de turistas ou simplesmente não fazem essa contagem. Ou seja, possivelmente o volume de turistas é ainda maior, mas a falta de dados públicos impede um diagnóstico mais completo sobre o setor.
O ano de 2019, antes da pandemia de covid-19, foi um considerado positivo para o turismo no Brasil, segundo o ICV-Tur (índice da pesquisa elaborada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Ao todo, o setor movimentou R$ 238,6 bilhões, acréscimo de R$ 5,1 bilhões em relação ao ano anterior. O segmento representa 8,1% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil,
Já o turismo ecológico movimentou R$ 2,4 bilhões nos municípios de acesso às unidades de conservação em 2019, segundo o ICMBio. Só em impostos, o setor gerou R$ 1 bilhão, além de 90 mil empregos.
Turismo concentrado
Segundo o estudo da Fundação Grupo Boticário, das 15 milhões de visitas turísticas às unidades de conservação federais em 2019, mais de 13,8 milhões (ou 92%) se concentraram em apenas 22 UCs, a maior parte delas na região da Mata Atlântica. Ou seja, com quase 2,5 mil unidades (contando apenas as públicas), o espaço para crescimento do setor é bastante grande.
O Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, foi a reserva federal mais visitada do país, com 2,9 milhões de pessoas em 2019. Em segundo, aparece o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, com 2 milhões de visitantes. Em terceiro está a Área de Proteção Ambiental de Petrópolis, também com pouco mais de 2 milhões de turistas.
“Há um aumento do interesse das pessoas em conhecer a natureza brasileira, principalmente com a questão ambiental e da preservação virando um grande foco de discussões no mundo”, diz Emerson Oliveira, gerente de conservação da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário.
Entre os principais atrativos das unidades de conservação, o relatório destaca cachoeiras, rios, serras, chapadas e sítios arqueológicos. Oliveira pondera que o turismo praticado nessas áreas não é o de massa, mas aquele voltado “à educação ambiental, à pesquisa científica e à consciência da importância da conservação da fauna e da flora”.
“Ele é um turismo mais especializado, que precisa ser feito com cuidado para que essas áreas sensíveis não sofram impacto ambiental e degradação”, explica Oliveira.
Segundo o relatório, um dos principais gargalos para o aumento do turismo dentro das UCs é que boa parte das áreas não possui plano de manejo, documento necessário para estabelecer o zoneamento e as normas para o uso dos recursos naturais. Ele também aponta quais são as estruturas físicas para a gestão da unidade e determina, por exemplo, como a atividade turística pode ser exercida dentro da unidade de conservação.
Apenas 60,1% das 334 UCs federais analisadas no estudo possuem planos de manejo, e só 13,7% delas fizeram a revisão do documento, que precisa ser atualizado a cada cinco anos.
Por outro lado, o relatório aponta que áreas com potencial turístico acabam não recebendo visitantes por problemas estruturais, como dificuldade de acesso, falta de pessoal, de equipamentos, de orientação ao público e até de portaria. “Nossa experiência mostra que o turista, embora esteja indo para uma área de natureza, quer ter um mínimo de estrutura: um local para dormir, descansar e se alimentar”, diz Oliveira.
“Em muitos desses locais, as pessoas simplesmente não conseguem chegar, porque são áreas remotas e com acesso muito difícil. Quando chegam, não sabem o que pode ou não fazer, ou mesmo do que se trata aquele bioma, o que tem nele…”, explica Oliveira. “Por outro lado, existem unidades onde o turismo não é permitido, mas que recebem pessoas de maneira irregular, gente que entra até para fazer churrasco.”
Além das áreas públicas, o Brasil também tem centenas de reservas particulares, as chamadas RPPN. Para formar uma delas, um proprietário precisa regularizar o território no Ministério do Meio Ambiente, passando a ser responsável por sua conservação e pelos planos de manejo.
A própria Fundação Grupo Boticário, que também apoia financeiramente projetos de conservação da fauna e da flora, tem duas reservas ambientais particulares: a Salto Morato, no litoral norte do Paraná, com 2.253 hectares de mata atlântica; e a Serra do Tombador, no Cerrado, em Goiás, com 8.700 hectares. Os dois locais recebem visitação turística, principalmente de cientistas e de estudantes.
Outra reserva particular também tem apostado no turismo ecológico e na educação ambiental: o Legado das Águas, que pertence ao Grupo Votorantim e tem 31 mil hectares de mata atlântica na região do Vale do Ribeira, interior de São Paulo.
Já o SESC Pantanal, em Mato Grosso, é a maior RPPN do Brasil, com quase 108 mil hectares. Ela recebe 30 mil turistas por ano — a maior parte deles oriunda de outros Estados do país.
Criada em 1996 e considerada um modelo de turismo ecológico em área de preservação, a reserva tem um hotel com 142 apartamentos, spa, centro de eventos, restaurante e até uma escola para 600 alunos do ensino médio. Oferece trilhas e passeios pelo Pantanal, além de atuar em parceria com cientistas, institutos de pesquisa e universidades.
“Nós levamos as pessoas até o Pantanal pra sensibilizá-las sobre a importância do bioma, da cultura da região, e sobre qual o nosso papel no cuidado e na manutenção da natureza”, explica Christiane Caetano, superintendente do polo socioambiental do SESC Pantanal.
No ano passado, o local foi duramente afetado pelas gigantescas queimadas na região do Pantanal: 93% da área da reserva foi atingida pelos incêndios.
“Nós temos equipes de brigadistas e de monitoramento em toda a reserva. Mesmo assim, fomos afetados em diferentes níveis. Em alguns pontos o dano foi maior do que em outros. A gente nunca tinha visto um fogo tão alto como no ano passado”, diz Caetano.
O efeito das queimadas e da estiagem na fauna local tem sido devastador.
De janeiro de 2020 até meados deste ano, queimadas haviam destruído 3,8 milhões de hectares no Pantanal, afetando ao menos 65 milhões de animais vertebrados nativos e 4 bilhões de invertebrados, apontou aum estudo publicado em junho por pesquisadores das organizações ambientais ICMBio, PrevFogo/Ibama e Embrapa Pantanal, feito com base na densidade das espécies presentes nos locais afetados.
Durante os incêndios, o SESC Pantanal acabou se transformando em base para as equipes de combate ao fogo e de resgate de animais. Cobras, onças, queixadas e antas feridas foram tratados na reserva.
Fonte: BBC