Seja por curiosidade científica, seja porque o Brasil tem a sorte de não ter vulcões ativos, há muitas dúvidas sobre o que acontece depois de uma erupção.
No imaginário popular está aquela ideia, aprendida na escola, de que solo de origem vulcânica é mais fértil. Por outro lado, cenas de lava destruindo tudo, como o que estamos vendo agora em La Palma, nas Ilhas Canárias, território espanhol na costa noroeste da África, deixam clara a potência dessa tragédia natural.
O primeiro ponto a ser analisado é quanto tempo leva uma erupção. “Há muitas variáveis, e a principal é saber quanto de magma tem embaixo do vulcão, pois é esse magma que alimenta a erupção. Ele fica armazenado em grandes bolsões subterrâneos”, explica a geóloga e vulcanóloga Carla Barreto, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) — ela coordena o perfil no Instagram @vulcoeseviagens, cujos posts são feitos em conjunto com seus estudantes.
Além da quantidade de magma, para uma erupção se manter é preciso ficar aberta a passagem para a saída da lava. Ou, como explica o pesquisador José Manuel Pacheco, diretor do Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos da Universidade dos Açores, em Portugal, é necessária “a preservação do sistema de alimentação do vulcão, de modo que o magma continue a ter acesso à superfície”.
Mas há outros fatores que também pesam nessa conta. Por exemplo, a localização do vulcão, ou seja, se está num limite de placa tectônica ou no meio de uma delas.
“Normalmente não influencia, mas há um impacto na imagem a forma do vulcão, ou seja, se é cônico, simétrico, causa um tipo de erupção; se é uma fissura no chão, a forma como o magma é expelido é diferente”, comenta Barreto. Ela faz uma analogia: quando a erupção começa, é como uma garrafa de refrigerante sendo aberta. “Causa uma pequena explosão e, depois, saem as lavas”, diz a pesquisadora.
“É muito difícil dizer isso [quanto tempo dura uma erupção]. Alguns ficam por anos, décadas, centenas de anos, até dois milênios…”, comenta a geóloga, astrônoma e vulcanóloga Rosaly Lopes-Gautier, cientista da Nasa, a agência espacial americana.
“No caso das Ilhas Canárias, a probabilidade é que não seja uma erupção ativa por muito tempo. Deve durar questão de semanas, talvez meses. Não anos.” Ela explica que para estimar isso é preciso olhar para “erupções do passado” e comparar as características.
É o que faz o pesquisador Ben Ireland, vulcanólogo pela Universidade de Bristol, na Inglaterra, e autor do perfil @BensVolcanology no Twitter. Para estimar o tempo de duração da atual erupção, ele recorre a 1971.
“A última erupção em La Palma durou 20 dias. No entanto, a atual erupção já parece que será muito maior do que a anterior e, portanto, deve durar mais tempo. Normalmente, esse estilo de erupção se arrasta, em uma escala de tempo, por semanas a meses”, pontua.
O vulcanólogo Pacheco crava algo semelhante. “A maioria das erupções à superfície do planeta dura entre um e seis meses. No caso de La Palma, as últimas erupções tiveram durações entre três semanas e três meses. Nesta, é de se esperar comportamento semelhante”, diz.
Há outras nuances que precisam ser observadas, como salienta o geólogo Hugo Cássio Rocha, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Não é uma tarefa simples prever a erupção de um vulcão com grande antecedência e nem o tempo que durará. Em geral, isso é feito analisando o aumento de frequência das atividades sísmica, os tremores. À medida que ficam mais frequentes, indicam aumento de movimento e pressões em profundidade e movimentações de magma”, afirma ele.
“Depende também da composição do magma”, completa. Isso porque magmas mais ácidos ou graníticos, ou seja, com maior teor de silício, tendem a se comportar de forma que os eventos sejam mais rápidos e violentos — porque a lava flui menos. “Já vulcões de magma basáltico têm a lava mais fluida e esta corre com mais facilidade. São típicos de assoalho oceânico e menos violentos, a erupção tende a ser mais longa”, pontua Rocha.
Terra devastada
Mas as imagens são de destruição nas Ilhas Canárias. Casas foram arrasadas e milhares de habitantes precisaram ser evacuados. E os tais rios de lava — que fluem a temperaturas na casa de 1 mil graus — avançam por toda parte.
“Quando ocorre uma erupção em uma região já habitada, é importante começar dizendo que as lavas sempre vão ter a tendência de ir para os locais mais baixos. Elas se deslocam como que seguindo o fluxo de um rio”, explica a vulcanóloga Barreto. E o que está no caminho, não tem jeito, acaba destruído. “A lava invade as casas, queima a vegetação, destrói tudo o que tem”, enumera a especialista.
“Após a erupção, a região afetada pela lava fica como rocha, como o ambiente ‘lunar’. Toda a vegetação é queimada, as estruturas, destruídas”, diz o professor Rocha. “A curto prazo, o local fica, sim, inutilizado. Com o passar do tempo, a rocha [de formação vulcânica], que é muito porosa, sofre intemperismo, ‘apodrece’ e vira solo. O tempo que isso ocorre depende da temperatura ambiente e da pluviosidade local.”
“A área coberta pela lava fica inutilizável para a agricultura ou pecuária, pois não há solo. Demorará muito até que se desenvolva um novo solo sobre a lava”, pontua Pacheco. Ele explica que, para a volta da ocupação humana, tudo depende da espessura das lavas. “No caso de lavas espessas como as da erupção do vulcão em La Palma, que têm de 10 a 12 metros, será muito difícil voltar a reconstruir sobre elas”, completa ele.
Haveria problemas de estabilidade nas construções, de funções do solo e até mesmo para a ligação a infraestruturas como água, luz e esgoto — enumera o especialista. “No entanto, é possível reconstruir infraestruturas como a rede viária, a partir do momento em que a escoada esteja já suficientemente fria para permitir uma intervenção”, diz.
O vulcanólogo Ireland frisa que esse resfriamento pode “levar meses, se os fluxos forem intensos”. “Muitas vezes, quando a erupção termina, as pessoas não têm como voltar para suas casas. Elas foram queimadas, arrasadas. Elas não têm para onde voltar”, acrescenta Barreto.
Nesses casos, o mais comum é que novos assentamentos sejam construídos em outros lugares, dadas as dificuldades de reocupar o mesmo espaço. “O solo [banhado pela lava] fica completamente arrasado e leva muito tempo para que novas habitações sejam construídas ali”, pontua Barreto. “O relevo fica todo irregular e aplainar não é fácil, pois é rocha.”
Riscos
Mas além desses inconvenientes, digamos, estruturais, há outros fatores que dificultam a volta da população a uma região afetada por uma erupção vulcânica. Principalmente porque a área fica repleta de gases tóxicos.
“São toneladas de gases expelidos pelo vulcão, dentre eles dióxido de carbono e dióxido de enxofre”, explica Barreto. “Em quantidade acima do limite aceitável na atmosfera, eles se tornam nocivos às pessoas dessas regiões, causando efeitos físicos e mentais.” A pesquisadora conta que esses gases também contaminam a vegetação e, por cadeia alimentar, os animais que comem essas plantas. Segundo ela, essa alta concentração de gases pode durar anos.
Lopes-Gautier acrescenta que há outro fator de risco: muitas vezes, mesmo que o vulcão tenha cessado de expelir lava, ele continua soltando gases. E isso precisa ser monitorado, antes de uma reocupação segura da região. Uma vez cessada essa emissão de gases, eles tendem a se dissipar, principalmente pela ação das chuvas.
É preciso também aguardar a limpeza das cinzas. “As partículas mais finas poderão ficar em suspensão no ar”, lembra Pacheco. “Elas são irritantes para os olhos e mucosas do sistema respiratório e, se forem suficientemente pequenas, poderão ser inspiradas até aos brônquios ou aos alvéolos pulmonares, onde poderão desencadear problemas de saúde.”
Mas o maior perigo é que haja uma nova erupção. Por isso, uma autorização de retorno dos habitantes precisa ser dada depois de cuidadosas análises. “Antes da população voltar, é preciso ter a certeza de que realmente o vulcão não está mais em atividade”, ressalta Lopes-Gautier. “É necessário fazer muito monitoramento da atividade sísmica para saber se ele não está só dando uma soneca e vai começar [a expelir lava] de novo.”
Tremores de terra também não são raros, nos meses subsequentes à atividade vulcânica. E isso precisa ser acompanhado por pesquisadores e órgãos de defesa civil.
“O principal risco é outra erupção”, concorda Ireland. Mas ele mesmo lembra que embora as erupções “sejam muito destrutivas”, elas acabam sendo “rapidamente esquecidas pela população”. “Muitas casas em torno da área afetada costumam ser construídas anos após a erupção”. E isso é o que aconteceu nas próprias Ilhas Canárias, em outras ocasiões.
Barreto conta que, em regiões onde ocorreram erupções vulcânicas recentes, tem-se buscado orientar que sejam evitadas novas casas em regiões de relevo mais baixo, justamente para que as populações fiquem protegidas de futuros jorros de lava.
Fertilidade
Um solo de origem vulcânica costuma ser muito fértil. Isso porque o material expelido acaba trazendo uma farta riqueza de sais minerais, em um processo de “reabastecimento natural de nutrientes do solo”, como pontua a professora Barreto.
Mas se efeito colateral positivo dos vulcões pode ser resultado das cinzas e pequenas partículas que se espalham mesmo em regiões que não foram coberto por lava, a transformação das rochas decorrentes do ressecamento da lava em solo fértil é um processo que pode levar muito tempo.
É uma degradação que varia caso a caso. “Os solos nas regiões vulcânicas são ricos em minerais e, portanto, podem ser muito férteis”, comenta Ireland. “Leva milhares de anos para os fluxos de lava erodirem e formarem um solo fino. Para as cinzas, esse processo é muito mais rápido.”
“A taxa de conversão do solo é muito variável e depende do clima, da composição das cinzas e da espessura. Por exemplo, uma camada muito fina de cinzas sobre um solo existente [sem cobertura de lava] pode se tornar solo reconstruído em questão de anos”, exemplifica o pesquisador.
Essa fertilidade, contudo, é o principal motivo que faz com que muitas populações humanas estejam vivendo em regiões onde no passado houve atividade vulcânica.
“Os elementos químicos importantes para as plantas, nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, sódio, entre outros, são muito solúveis e vão sendo levados pela água da chuva. O vulcão renova o estoque deles no solo, trazendo-os das profundezas”, contextualiza o professor Rocha. “Exemplos são as grandes produções de oliva e pistache na Sicília [na Itália] e na explosão e renovação de vida que ocorrem em ilhas oceânicas do Pacífico [de origem vulcânica] que, pouco tempo após atividades vulcânicas, se recuperam rapidamente e com exuberância.”
Fonte: BBC