O tempo está se esgotando. A escala de ação necessária para proteger o clima é enorme, tem que acontecer rápido, e parece que os planos sobre a mesa que não darão conta da tarefa.
Em 2015, quase todas as nações do mundo concordaram em limitar o aumento da temperatura do planeta a 2 ºC acima dos níveis pré-industriais e visar o limite de 1,5 °C determinado no Acordo de Paris. Até o momento, os compromissos reais assumidos para reduzir o uso de combustíveis fósseis e outras medidas para diminuir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera – se cumpridos – só serão suficientes para limitar o aquecimento em 2,7 °C, alerta a ONU.
No final de outubro, os líderes mundiais se reunirão em Glasgow para a 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática. E há pressão para se decidirem medidas muito mais radicais para cumprir a meta de Paris.
Mas que diferença faz uma fração de grau? Bem, muito, de acordo com o amplo leque de pesquisas científicas realizadas globalmente para avaliar os impactos das mudanças climáticas.
Com os desastres produzidos pelas mudanças do clima já se manifestando em todo o mundo, a escala do problema pode parecer incontrolável. No entanto, embora a ciência pinte um quadro desolador, ela também mostra que limitar o aquecimento pelo que parece um valor minimo pode salvar muitos milhões de vidas, proteger da degradação vastas áreas de terra e dar a outras espécies uma chance de sobrevivência.
De acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em agosto, a temperatura global já subiu 1,07 °C desde a revolução industrial. E já é possível perceber que apenas 1 grau de aquecimento teve um impacto maciço.
Cada centímetro do nível do mar ameaça milhões
Um exemplo é a elevação do nível do mar. Até agora, o nível global médio dos oceanos subiu cerca de 20 centímetros desde 1901, de acordo com o IPCC.
Pode não parecer muito, mas já está expulsando gente de suas casas em todo o mundo. De acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, centenas de milhares estão sendo deslocados todos os anos por enchentes em áreas baixas de Bangladesh.
Segundo o site britânico especializado em ciência e política de mudanças climáticas Carbon Brief, que analisou 70 estudos científicos revisados por pares em 2018, com 1,5 ºC de aquecimento, é previsto um aumento global do nível do mar de 48 centímetros até o fim do século 21, em comparação com 56 centímetros, se forem atingidos 2 ºC.
E apenas 8 centímetros significam toda a diferença para milhões de seres humanos. De acordo com o IPCC, cada 10 centímetros de elevação do nível do mar afetam adicionalmente até 10 milhões em todo o mundo.
Um pouco de calor gera muita chuva
O último relatório do IPCC diz que o tipo de “evento de chuva extrema” que, antes da revolução industrial ocorria uma vez a cada dez anos, agora aumentou de frequência cerca de 30%. Com 1,5 ºC de aquecimento, o risco aumenta em 50% – e a gravidade também, com 10,5% mais chuva. A 2 ºC, o evento extremo se torna 70% mais provável e traz 14% mais chuva.
Para um país como a Índia, isso significa um futuro muito diferente: a seguradora Munich Re calcula que inundações e deslizamentos de terra causaram mais de 700 mortes e 11 bilhões de dólares (R$ 61 bilhões) em danos ao longo de 2018 e 2019.
De acordo com o Carbon Brief, com 1,5 ºC de aquecimento, o prejuízo econômico das enchentes no país aumentaria mais de 3,5 vezes, e a 2 ºC, quase 5,5 vezes.
Secas mais longas e mais severas
Enquanto algumas regiões do planeta ficarão mais úmidas, outras ficarão mais secas, com resultados igualmente catastróficos. Em 2018, o IPCC disse que limitar o aquecimento global a 1,5 ºC em comparação com 2 ºC poderia significar metade do número de indivíduos expostos ao estresse hídrico.
Em seu último relatório, o IPCC afirma que as secas que ocorriam uma vez a cada década antes da Revolução Industrial são agora 70% mais prováveis. A 1,5 °C, elas se tornam duas vezes mais frequentes, e a 2 ºC, 2,4 vezes mais.
Segundo o Carbon Brief, globalmente a duração média de uma seca sobe dois meses com 1,5 ºC de aquecimento, quatro meses com 2 ºC e incríveis dez meses com 3 ºC de aquecimento.
Em 2019, o Programa Mundial de Alimentos afirmou que 2,2 milhões de habitantes do “corredor seco” da América Central sofreram perdas de safra devido à seca e cinco anos consecutivos de clima irregular. Em fevereiro de 2021, esse número passou para quase 8 milhões, em parte como resultado do impacto econômico da pandemia de covid-19, que agravou “anos de eventos climáticos extremos”, mas também devido aos furacões Eta e Iota, que atingiram a América Central em novembro de 2020.
O grau de piora na região dependerá da ação climática que seja tomada. De acordo com o Carbon Brief, com 1,5 ºC de aquecimento, a duração média das secas na América Central se estenderá por mais cinco meses, com 2 ºC, em oito meses, e com 3 ºC, em 19 meses.
Números pequenos, grandes riscos
E junto com a seca vêm as ondas de calor e as condições perfeitas para o tipo de incêndios que nos últimos anos têm irrompido por toda parte, da Califórnia ao Sul da Europa, da Indonésia à Austrália. O IPCC diz que limitar o aquecimento a 1,5 ºC em vez de 2 graus poderia reduzir em cerca de 420 milhões o número daqueles frequentemente expostos a ondas de calor extremas.
Se esses números são espantosos, o custo humano dos incrementos aparentemente pequenos no aquecimento é quase impossível de conceber. As vidas destruídas, a fome, a falta de moradia e a pobreza significam sofrimento incalculável. E vão exacerbar ou precipitar as tensões políticas de maneiras imprevisíveis, levando a conflitos que só se pode imaginar vagamente.
O que se sabe, com certeza, é que, em se tratando de mudança climática, mínimos aparentemente pequenos podem fazer toda a diferença.
Fonte: Deutsche Welle