Pescadores vêm em busca de ostras-gigantes, moluscos enormes medindo até 120 centímetros de largura e pesando mais de 220 quilos. Utilizando as hélices de seus barcos para triturar corais no Mar da China Meridional, cortam as conchas, deixando cicatrizes em meia-lua e recifes quebrados em seu rastro.
Mesmo com as ostras-gigantes cada vez mais raras e difíceis de encontrar, eles continuam vindo. Conchas de ostras-gigantes esculpidas são semelhantes a marfim de elefante e podem render preços altos na China, onde são transformadas em joias e estátuas. Também são extraídas para o comércio de aquários e para servirem de alimento.
Desde 2016, as autoridades filipinas já apreenderam cerca de 133 mil toneladas dessas conchas cada vez mais raras, de acordo com um novo relatório da Wildlife Justice Commission (WJC), organização sem fins lucrativos com sede em Haia que investiga redes criminosas. A maior parte desse volume foi obtida em uma única apreensão de 132 mil toneladas no sul das Filipinas em outubro de 2019, correspondendo a cerca de cinco vezes o peso da Estátua da Liberdade. No entanto, apenas neste ano, houve ao menos seis apreensões: quase a mesma quantidade de apreensões feitas durante todo o período dos últimos cinco anos.
A onda de apreensões recentes volta a suscitar questões sobre como a proibição do marfim de elefante na China, que entrou em vigor em 2017, está afetando a demanda por materiais semelhantes a marfim e com uma função cultural análoga. Conchas de ostras-gigantes podem ser “utilizadas como fachada para o comércio ilegal de produtos de marfim de elefante na China” ou “a preferência do mercado pode estar mudando” para alternativas ao marfim de elefante, segundo o relatório da WJC.
“Sabemos que existe uma ligação entre os dois produtos e que são traficados juntos”, afirma Olivia Swaak-Goldman, diretora executiva da WJC. Oito apreensões de ostras-gigantes por autoridades chinesas — quase um quinto daquelas divulgadas ao público na China durante os últimos cinco anos — incluíram marfim de elefante esculpido ou produtos semelhantes, como marfim de narval, marfim de mamute e elmos de calau-de-capacete. Além disso, segundo ela, investigações preliminares da WJC sugerem que houve um aumento no comércio de produtos de marfim de mamute em plataformas de comércio eletrônico desde que a proibição do comércio de marfim de elefante na China entrou em vigor.
As ostras-gigantes são protegidas pela legislação nacional na maioria dos locais onde vivem — nas águas do Mar da China Meridional, Oceano Pacífico, Oceano Índico e Mar Vermelho. O comércio internacional de todas as 12 espécies é limitado pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites).
Contudo, até mesmo quando a “rainha de todas as conchas” ou o “ouro branco do mar” se tornou mais escasso, a coleta ilegal persistiu. A Tridacna gigas, a maior espécie de ostra-gigante do mundo, está extinta em algumas regiões das Filipinas e em outros locais. Outras espécies de ostras-gigantes populares visadas pelo comércio ilegal incluem a Tridacna derasa, a Tridacna squamosa e a Tridacna maxima.
O valor estimado das conchas de ostras-gigantes apreendidas nas Filipinas varia muito, mas provavelmente corresponde a dezenas de milhões de dólares, ou talvez mais, de acordo com artigos na imprensa e pesquisas da WJC. Autoridades filipinas suspeitam que as conchas foram contrabandeadas de barco à China e o alto volume sugere a participação de grupos do crime organizado, segundo a WJC.
Em peso, o contrabando filipino representa 99% de todas as conchas de ostras-gigantes apreendidas nos últimos cinco anos. A China, entretanto, registrou mais apreensões individuais — ao menos 46 entre 2016 e 2021, em comparação com 14 durante o mesmo período nas Filipinas, segundo uma análise da WJC sobre apreensões publicadas na imprensa. As apreensões, entretanto, provavelmente representam apenas uma fração do comércio total.
Não se sabe ao certo qual foi o efeito da pandemia do coronavírus sobre o comércio. Houve uma redução nas apreensões de animais silvestres ilegais em geral em 2020, e um dos motivos foi a dificuldade de transporte de mercadorias tanto legais quanto ilegais. Mas a apreensão enorme de ostras-gigantes em outubro de 2019 sugere que o carregamento das Filipinas havia sido acumulado anos antes da pandemia, de acordo com a WJC. Ainda assim, alguns pescadores cujos meios de subsistência foram prejudicados pela pandemia podem recorrer ao comércio de conchas.
O Escritório de Pesca e Recursos Aquáticos das Filipinas não respondeu aos pedidos de comentário.
‘Concha tipo Jade’
As conchas geralmente são comercializadas em lojas, mas algumas esculturas são vendidas on-line, segundo a WJC. No aplicativo WeChat, os vendedores sempre mudam as palavras usadas para descrever as conchas com a finalidade de burlar filtros de palavras-chave, utilizando às vezes termos como “concha tipo jade”. Os traficantes também enviam mensagens de voz para evitar pesquisas por palavras-chave.
Não se sabe se as conchas das últimas apreensões nas Filipinas foram arrancadas de recifes de corais recentemente ou se haviam sido extraídas anos antes. Os coletores ilegais buscam tanto conchas fossilizadas quanto vivas, ambas importantes à integridade estrutural dos recifes de corais. Ostras-gigantes vivas também atuam como filtros de água, extraindo poluentes da água ao ingerir algas e plâncton.
Nos últimos anos, devido ao esgotamento das ostras-gigantes que ficam ao alcance das hélices dos barcos, os pescadores passaram a recorrer a “métodos empregados em resgates marítimos, como o uso de bombas de água de alta pressão para basicamente aspirar todos os sedimentos”, conta Gregory Poling, membro sênior e diretor da Iniciativa de Transparência Marítima da Ásia, no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, D.C. “É muito mais difícil fiscalizar isso porque não deixa sinais visíveis em imagens de satélite”.
Além dos danos físicos, aspirar o material ao redor das conchas cria turbilhões de sedimentos que se depositam sobre os corais e outras formas de vida marinha, impedindo-os de receber a luz do sol necessária à sua sobrevivência, afirma Poling.
Ostras-gigantes podem não ser “uma espécie muito fofa ou emblemática”, mas esses crimes requerem mais ações e pesquisas, reitera Swaak-Goldman. Com os recifes em todo o mundo ameaçados pelo aquecimento do oceano, acidificação e doenças, a destruição causada pela coleta de ostras-gigantes é mais uma ameaça à qual podem não sobreviver.
Fonte: National Geographic Brasil