“Estamos em luto pela morte de crianças yanomami”, diz liderança

Presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami denuncia que garimpo ilegal segue operando na terra indígena mesmo após a morte de dois primos, de 4 e 5 anos, que teriam sido sugados por draga de minérios ao nadarem.

Garimpo na Terra Indígena Yanomami: estima-se que mais de 20 mil garimpeiros estejam no território atualmente

As famílias de duas crianças indígenas mortas, ao que tudo indica em consequência do garimpo na Terra Indígena (TI) Yanomami, entre os estados de Roraima e Amazonas, ainda estão em luto. No último dia 12 de outubro, os primos, de 4 e 5 anos, brincavam perto de uma balsa de garimpo no rio próximo à comunidade Makuxi Yano, quando foram sugados por uma draga que faz a sucção de minérios, segundo relatos. As crianças teriam sido cuspidas para o meio do rio e levadas pela correnteza.

Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-YY), diz que toda a comunidade está em choque e que os garimpeiros continuam operando no local. “No dia, todo mundo fugiu, mas eles estão retornando”, relata em entrevista à DW Brasil.

Acionado pela Hutukara Associação Yanomami, ele esteve no local logo após a tragédia e ajudou nas buscas dos corpos. “Estamos denunciando esses crimes para as autoridades, para a Polícia Federal, pedindo que investiguem, punam e retirem os garimpeiros imediatamente da Terra Indígena Yanomami. Eles estão prejudicando o povo, contaminando o rio, matando os peixes, contaminando a população”, diz Júnior Hekurari Yanomami.

Nesta semana, o Ministério Público Federal abriu uma investigação para apurar a morte das duas crianças por afogamento. Entre as questões que serão investigadas estão a eventual responsabilidade de invasores da terra indígena e a possível omissão dos órgãos responsáveis pela proteção das comunidades em questão.

A Terra Indígena Yanomami tem sofrido com uma onda de invasões de garimpeiros em busca de ouro. Estima-se que mais de 20 mil estejam no território atualmente. Segundo a Hutukara, mais de 3 mil hectares de Floresta Amazônica foram destruídos de janeiro a setembro de 2021. A região do Parima, onde fica comunidade de Macuxi Yano, é uma das mais afetadas pela atividade ilegal.

DW Brasil: Logo após o ocorrido na comunidade Makuxi Yano, o Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-YY) foi acionado. O que foi relatado a vocês?

Júnior Hekurari Yanomami: O relato das mães foi que a draga dos garimpeiros derrubou as duas crianças. Eles eram primos, de 4 e 5 anos. As mães viram a cena, os próprios garimpeiros viram também. Foi tudo tão rápido que ninguém conseguiu pegar [as crianças].

A balsa estava trabalhando no rio. Ela tem um cano muito grande que puxa a água, areia, terra e joga tudo pro outro lado [da balsa]. Esse barco se mexe muito no rio, jogando muita água. Com essa força da água, a draga engoliu as duas crianças.

Como os corpos foram localizados?

A própria comunidade localizou o corpo de uma das duas crianças no dia 13 de outubro. O crime aconteceu dia 12, no dia seguinte, às 8h, encontraram a criança de 4 anos. Dia 14, o Corpo de Bombeiros localizou a criança de 5 anos.

A comunidade está de luto. Haverá um ritual típico nos próximos dias, a família vai queimar o corpo das duas crianças. Toda a comunidade está triste, chorando, angustiada.

E os garimpeiros continuam no mesmo lugar onde tudo aconteceu?

Sim, eles continuam no mesmo lugar. No dia [da morte das crianças], todo mundo fugiu, mas eles estão retornando.

Há outros registros de mortes de yanomami recentes em decorrência do garimpo?

Teve um atropelamento de um indígena por um avião de garimpeiros em uma pista na comunidade Homoxi, na Terra Indígena Yanomami, em julho.

A própria família das crianças que morreram agora perdeu duas outras pessoas em junho de 2020, que foram mortas por garimpeiros. Foi no mesmo local. Eram dois jovens, de 25 e 22 anos. Os garimpeiros estavam armados e bêbados, e cometeram esses assassinatos.

É comum que essas balsas com dragas fiquem perto das comunidades?

Isso aconteceu ao lado da comunidade. É onde as crianças costumam brincar, onde a comunidade bebe água, onde as mulheres tomam banho… é o local de vivência. Fica a 70, 80 metros da comunidade. Tem sempre uma balsa ali por perto.

O que o Condisi pode fazer diante dessa situação?

O papel do Condisi nesse caso é denunciar. Estamos denunciando esses crimes para as autoridades, para a Polícia Federal, pedindo que investigue, puna e retire os garimpeiros imediatamente da Terra Indígena Yanomami. Eles estão prejudicando o povo, contaminando o rio, matando os peixes, contaminando a população. Nós já fizemos muitas denúncias junto a organização indígena Hutukara.

Houve alguma reação das autoridades diante das denúncias e, principalmente, depois da morte das duas crianças?

O governo federal não faz nada. A Polícia Federal não tem apoio aéreo pra fazer operações permanentes na TI Yanomami porque o território é muito grande. São 96 mil quilômetros quadrados e, em muitos pontos, os garimpeiros estão concentrados como no rio Uraricoera, rio Parima, rio Mucajaí. E são pontos diferentes. É preciso muita movimentação da Polícia Federal pra acabar com o garimpo ilegal, que está destruindo a nossa terra.

Não tem como a Polícia Federal, com dez pessoas, fazer algo contra 22 mil, 25 mil garimpeiros. Para isso acontecer, a operação precisa contar com um serviço de inteligência.

Neste mês, os agentes fizeram um trabalho muito importante de apreender mais de 70 aeronaves que apoiavam e alimentavam o garimpo ilegal na TI. Elas foram apreendidas na capital de Roraima, Boa Vista, e no interior.

Fonte: Deutsche Welle