O derretimento de geleiras é um dos principais causadores da elevação do nível do mar: estima-se que entre 25% e 30% desse fenômeno seja consequência da perda de gelo. Mas, até o momento, não havia estudos precisos sobre o volume e a evolução do gelo glacial do mundo.
Trazendo uma imagem mais clara do cenário atual, um grupo de pesquisadores do Instituto Ambiental de Geociência (IGE, na sigla em inglês) da Dartmouth College, nos Estados Unidos, criou o primeiro atlas a medir o movimento e o volume das geleiras do planeta. A pesquisa, publicada na última segunda-feira (7) no periódico Nature Geoscience, estudou mais de 250 mil montanhas com geleiras, além de revisar estimativas anteriores sobre o volume do gelo glacial.
Segundo o estudo, a quantidade de gelo existente é 20% menor do que era previsto. Além de danos a ecossistemas marinhos e litorâneos, isso impacta diretamente a disponibilidade de água para consumo, geração de energia, agricultura, entre outros aspectos.
“Descobrir quanto gelo ainda existe nessas montanhas é crucial e deve impactar a vida de milhões de pessoas”, afirmou Mathieu Morlighem, professor de ciências terrestres em Dartmouth, em comunicado. “Mesmo com essa pesquisa, ainda não podemos mensurar com precisão a quantidade de água existente nessas geleiras”, acrescentou.
O novo atlas cobre 98% das geleiras do planeta. Segundo a pesquisa, muitas das montanhas têm uma camada de gelo mais fina do que era estimado, enquanto outros lugares tinham ainda mais gelo que se pensava.
A cordilheira dos Andes, na América do Sul, conta com aproximadamente um quarto a menos de gelo do que o previsto, uma redução equivalente a toda água do lago Mono, o terceiro maior do estado da Califórnia, nos Estados Unidos.
Já nas montanhas do Himalaia, na Ásia, há cerca de um terço a mais de gelo do que era estimado, o que sugere pelo menos 37% a mais de água potável na região, mesmo com a alta velocidade do degelo no continente. “No geral, a tendência de aquecimento e perda em massa do gelo se manteve. O estudo traz um diagnóstico necessário para projeções mais precisas de quanto tempo as geleiras devem aguentar”, avalia Morlighem.
A redução de 20% do volume das geleiras ameniza a ameaça que as geleiras representam ao nível do mar. Antes era projetado que o gelo poderia elevar em até 13 centímetros os oceanos, mas com a pesquisa esse número cai para aproximadamente 10 centímetros. A projeção inclui geleiras em todo o mundo, incluindo regiões que nunca haviam sido mapeadas, como o sul das cordilheiras na América do Sul, ilhas subantárticas e a Nova Zelândia. Só não foram analisados dois grandes lençóis de gelo da Groenlândia e da Antártida, cuja contribuição para o fenômeno é considerável.
Mas, para Romain Millan, principal autor do estudo, avaliar os impactos locais das mudanças das geleiras é ainda mais importante do que descobrir o volume de água total, já que esses cenários apresentam impactos muito maiores para o ecossistema de cada região. “Projetar o futuro das geleiras com precisão, obtendo mais detalhes de cada mudança é mais importante do que descobrir seu volume”, ele explica.
Para criar um fluxo de dados em massa, os pesquisadores estudaram mais de 800 mil pares de imagens de satélite das geleiras, incluindo calotas de gelo, estreitos de montanhas glaciais, geleiras de vales e marés. As imagens foram feitas entre 2017 e 2018, com alta resolução, pelo Landsat-8, da NASA, e os Sentinel 1 e 2, da Agência Espacial Europeia. Os dados foram processados em mais de 1 milhão de horas de computação no IGE.
“Quando pensamos em geleiras é comum imaginá-las como grandes blocos sólidos que derretem no verão, mas, na realidade, o gelo flui como um xarope bem espesso, em seu próprio peso”, Morlighem explica. “O gelo corre de grandes altitudes até regiões baixas onde, eventualmente, vira água. Com as imagens dos satélites conseguimos rastrear o movimento das geleiras em uma escala global e, só então, deduzir a quantidade de gelo existente no mundo”.
Apesar de acreditarem que o atlas está bem próximo da realidade, os pesquisadores que participaram do estudo afirmam ainda ter um certo grau de incerteza com as projeções, principalmente em regiões cujas geleiras são exploradas por habitantes locais. “Coletar e divulgar esse tipo de mensuração é complicado, porque muitas geleiras se encontram em territórios cujo países responsáveis possuem diferentes prioridades de pesquisa”, diz Morlighem.
Para o grupo, sem um direcionamento preciso de mensuração do campo, as estimativas quanto ao gelo glacial seguirão incertas. Eles alertam para a necessidade de uma reavaliação da evolução das geleiras do planeta, inclusive sobre o volume do gelo nos Andes e no Himalaia, as duas maiores torres de água da Terra, mas cujos estudos ainda são escassos.
Fonte: Galileu