O jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira, funcionário licenciado da Funai, desapareceram no fim de semana enquanto percorriam uma região remota do estado do Amazonas, palco de conflitos entre indígenas e invasores de terras.
Polícia Federal, Polícia Civil do Amazonas, Guarda Nacional, Funai e Marinha realizam buscas, mas familiares e ONGs de defesa ambiental temem que a dupla possa estar em risco, já que que Pereira vinha recebendo ameaças. Confira um resumo do que se sabe sobre o caso até agora.
Quando a dupla desapareceu
Philips e Pereira desapareceram quando percorriam de barco o trajeto entre a comunidade Ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, no estado do Amazonas. Eles foram vistos pela última vez na manhã de domingo, quando deixaram a comunidade de São Rafael.
De acordo com a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), da qual Pereira faz parte, a dupla deveria ter chegado em Atalaia do Norte por volta de 8h ou 9h de domingo, “o que não ocorreu”.
A Univaja enviou equipes de busca às 14h e às 16h do mesmo dia, mas sem sucesso.
A dupla desapareceu enquanto voltava de uma viagem de dois dias à região do Lago Jaburu, onde Phillips entrevistou indígenas para o livro que está escrevendo. Apenas os dois estavam no barco.
Onde se concentram as buscas
Forças de segurança e membros Funai concentraram a maior parte das buscas desta segunda-feira em um trecho de rio próximo à cidade de Atalaia do Norte.
Phillips e Pereira chegaram ao lago Jaburu na noite de sexta-feira, informou a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e Recentemente Contatados.
A dupla iniciou a viagem de volta no domingo de manhã e parou na comunidade de São Rafael para um encontro com uma liderança local para discutir patrulhas indígenas para combater as “intensas invasões”.
O líder, porém, não estava no local e a dupla conversou com a esposa dele. Logo em seguida, seguiu para Atalaia do Norte, em uma viagem de cerca de duas horas. Desde então não foram mais vistos.
Quem são os desaparecidos
Atualmente licenciado, Pereira é um dos funcionários mais experientes da Funai que atua na região do Vale do Javari. Ele supervisionou o escritório regional da entidade e a coordenação de grupos indígenas isolados antes de sair em licença. Pereira é alvo constante de ameaças de pescadores e caçadores ilegais e geralmente carrega uma arma.
“A ameaça não foi a primeira, outras já vinham sendo feitas a demais membros da equipe técnica da Univaja, além de outros relatos já oficializados para a Polícia Federal, o Ministério Público Federal em Tabatinga, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Indigenous Peoples Rights International”, disse a Univaja em nota.
Philips é colaborador do jornal britânico The Guardian e de outras publicações internacionais como Washington Post e o New York Times. Ele mora no Brasil há 15 anos e está trabalhando em um livro sobre preservação da Amazônia, com apoio da Fundação Alicia Patterson, que lhe concedeu uma bolsa de um ano para reportagens ambientais, que durou até janeiro.
“Ele é um jornalista cauteloso, com um conhecimento impressionante das complexidades da crise ambiental brasileira”, escreveu Margaret Engel, diretora executiva da Fundação Alicia Patterson, em um e-mail.
Atualmente, Philips reside em Salvador com sua esposa, Alessandra Sampaio, que compartilhou uma série de mensagens no Twitter através de um amigo.
“Só posso rezar para que Dom e Bruno estejam bem, em algum lugar, impedidos de continuar por algum motivo mecânico, e que tudo isso se torne apenas mais uma história em uma vida repleta delas”, escreveu Alessandra.
Javari: palco de tensões
A região do Vale do Javari, que tem a maior população mundial de indígenas isolados, tem sofrido com frequentes tiroteios entre caçadores e pescadores ilegais e agentes de segurança, que têm uma base permanente na área.
O local onde a dupla desapareceu é a principal via de acesso de e para o Vale do Javari, o segundo maior território indígena do Brasil. Pessoas da área dizem que é altamente improvável que os homens tenham se perdido, dado o conhecimento que tinham da área.
A região é usada também como rota para a cocaína produzida no Peru e contrabandeada para o Brasil, de onde segue, em parte, para a Europa.
A região de Javari, que abriga mais de 20 grupos indígenas, passa por uma situação tensa e perigosa, que se agravou nos últimos anos, principalmente após o assassinato de um funcionário da Funai, morto a tiros em Tabatinga, a maior cidade da região, em 2019 . O crime nunca foi solucionado.
“Sob o governo Bolsonaro, a pressão aumentou ainda mais porque os invasores se sentiram empoderados e se tornaram mais agressivos”, disse Beto Marubo, um líder indígena da região, ao jornal The Guardian, acrescentando que “gangues organizadas” de garimpeiros e caçadores ilegais estão “saqueando” as florestas e rios da região impunemente.
Jornalistas que trabalhavam para meios de comunicação regionais na Amazônia foram assassinados nos últimos anos. Por essa razão, a imprensa tem limitado o acesso a várias áreas dominadas por atividades criminosas, incluindo mineração ilegal, apropriação de terras e tráfico de drogas.
O que dizem ONGs e familiares
A ONG Human Rights Watch (HRW) apelou às autoridades brasileiras para que envie “todos os recursos disponíveis” para encontrá-los.
“É extremamente importante que as autoridades brasileiras dediquem todos os recursos disponíveis e necessários para a realização imediata das buscas, a fim de garantir, o quanto antes, a segurança dos dois”, disse a diretora da HRW no Brasil, Maria Laura Canineu.
O jornal The Guardian afirmou que “está muito preocupado e procura urgentemente informações sobre o paradeiro e o estado do senhor Phillips”.
“Estamos em contato com a embaixada britânica no Brasil e com as autoridades locais e nacionais para tentar esclarecer os fatos o mais rapidamente possível”, diz texto publicado no site do jornal.
Na noite de segunda-feira, ao fim do segundo dia de buscas, a irmã do jornalista, Sian Phillips, se pronunciou em um vídeo:
“Sabíamos que era um lugar perigoso, mas Dom realmente acredita que é possível proteger a natureza e o modo de vida dos povos indígenas”, relatou.
“Estamos muito preocupados com ele e pedimos às autoridades no Brasil que façam todo o possível para revistar as rotas que ele estava seguindo”, acrescentou.
Ao jornal Folha de S.Paulo, a esposa de Pereira, a antropóloga Beatriz de Almeida Matos, disse que estava preocupada, tendo em vista às ameaças que já foram feitas ao marido.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se pronunciou no Twitter sobre o caso.
“Espero que sejam encontrados logo, que estejam bem e seguros”, postou Lula, pré-candidato às eleições de outubro.
O presidente Jair Bolsonaro não havia comentado o fato até o final desta segunda-feira.
Fonte: Deutsche Welle