De acordo com estudo, genes que protegeram contra a pandemia que deixou milhões de mortos na Europa na Idade Média estão associados a uma maior suscetibilidade a doenças autoimunes.
Considerada a pandemia mais devastadora da história, a peste negra deixou um legado biológico presente até hoje. De acordo com um estudo publicado nesta quarta-feira (19/10), a doença provocou uma mudança no genoma e no sistema imunológico que afeta a população atual.
Cientistas descobriram que os mesmos genes que outrora protegeram a população contra a peste negra estão agora associados a uma maior suscetibilidade a doenças autoimunes, como a doença de Crohn, lúpus e a artrite reumatoide. Nessas enfermidades, o sistema que defende contra doenças e infecções ataca tecidos saudáveis do próprio corpo.
“Nosso genoma de hoje é um reflexo de toda a história da nossa evolução”, afirmou Luis Barreiro, da Universidade de Chicago e coautor do estudo, que envolveu ainda pesquisadores da Universidade de McMaster, no Canadá, e do Instituto Pasteur, na França.
A peste negra, também conhecida como peste bubônica, dizimou metade da população europeia em menos de cinco anos. Entre 1347 e 1351, a doença, que teria sido causada pela bactéria Yersinia pestis encontrada em ratos, deixou de 75 a 200 milhões mortos na Eurásia. Ela foi o primeiro grande surto europeu de peste e a segunda pandemia da doença, criando uma série de convulsões religiosas, sociais e econômicas, com efeitos profundos no curso da história da Europa.
Para estudar o impacto da peste negra, os pesquisadores analisaram amostras de DNA de ossos de mais de 200 indivíduos de Londres e da Dinamarca que morreram ao longo de 100 anos que abrangem o período antes, durante e após a pandemia de peste negra, no final da década de 1340.
Os pesquisadores identificaram quatro genes que, dependendo da variante, protegem ou aumentam a suscetibilidade à bactéria que causa a peste bubônica. Segundo o estudo, publicado na revista especializada Nature, o que ajudou a população na Idade Média causou problemas para as gerações posteriores, ao aumentar a frequência de mutações prejudiciais nos tempos modernos.
“Um sistema imunológico hiperativo pode ter sido ótimo no passado, mas no ambiente de hoje pode não ser tão útil”, afirmou Hendrik Poinar, coautor do estudo. “Compreender a dinâmica que moldou nosso sistema imunológico é a chave para entender como as pandemias do passado, como a peste, contribuem para nossa suscetibilidade a doenças atuais”, acrescentou.
Estudo inédito
Os pesquisadores concentraram o estudo num gene com uma associação particularmente forte com a suscetibilidade: o ERAP2, que ajuda o sistema imunológico a reconhecer a presença de uma infecção. Indivíduos que possuíam duas cópias de uma variante genética específica, designada rs2549794, foram capazes de produzir cópias completas do transcrito ERAP2 e produziram mais proteína funcional.
De acordo com o estudo, a variante rs2549794 afetava a capacidade das células humanas de ajudar a combater a peste e que os macrófagos que expressavam duas cópias da variante eram mais eficientes em neutralizar a Yersinia pestis. “Esses resultados apoiam a antiga evidência de DNA de que o rs2549794 é protetor contra a peste”, afirma Javier Pizarro-Cerda, do Instituto Pasteur.
No decorrer do tempo, no entanto, o sistema imunológico evoluiu para responder a patógenos e o que antes era um gene protetor contra a peste está agora associado a uma maior suscetibilidade a doenças autoimunes. É o ato de equilíbrio com o qual a evolução brinca com o genoma humano atual, apontam os autores.
De acordo com Barreiro, o estudo é inédito ao ser o primeiro a demonstrar como a peste negra foi importante para a evolução do sistema imunológico humano. Pesquisas futuras pretendem expandir o projeto para analisar todo o genoma, além dos genes relacionados à imunidade.
Fonte: Deutsche Welle