Nasa consegue registrar grandes impactos de corpos celestes em Marte

Nesta representação em 3D, blocos de gelo de água (marcas brancas) cobrem os arredores da cratera – NASA/JPL-CALTECH/UNIVERSITY OF ARIZONA

Uma sonda espacial da Nasa testemunhou a formação de uma enorme cratera em Marte — a maior do Sistema Solar já capturada no momento de sua abertura.

O impacto causado por um corpo celeste do tamanho de uma van abriu um buraco de 150 m de largura no planeta vermelho, lançando detritos a até 35 km de distância.

Os cientistas detectaram o evento usando o sismógrafo da sonda InSight, da agência espacial americana, que captou as vibrações do solo.

A confirmação veio por meio de imagens obtidas na sequência pelo satélite Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), também da Nasa. Ele retrata rotineiramente o planeta e pode produzir evidências do antes e depois de uma grande perturbação em sua superfície que correspondam ao momento exato e na direção e distância esperadas (3.500 km) da InSight.

“É a maior cratera nova que já vimos”, comentou Ingrid Daubar, da Brown University, nos EUA.

“Tem cerca de 500 pés de largura, algo próximo ao equivalente a dois quarteirões de largura, e embora meteoritos estejam atingindo o planeta o tempo todo, esta cratera é mais de 10 vezes maior do que as habituais crateras novas que vemos se formando em Marte.”

“Acreditamos que uma cratera desse tamanho poderia se formar em algum lugar do planeta uma vez a cada poucas décadas, talvez uma vez por geração, então foi muito emocionante poder testemunhar esse evento.”

O impacto em Marte aconteceu a cerca de 3.500 km de onde estava a InSight – NASA

A observação pós-impacto mostra que enormes blocos de gelo de água que estavam no subsolo foram arremessados no entorno das bordas da cratera. O gelo submerso nunca havia sido visto tão perto do equador de Marte.

Tais depósitos poderiam ser um recurso importante para futuras missões humanas ao planeta.

“Esse gelo pode ser convertido em água, oxigênio ou hidrogênio. Pode ser muito útil”, disse Lori Glaze, diretora de ciência planetária da Nasa.

Por meio do seu sismógrafo construído na França/Reino Unido, a sonda InSight da Nasa detectou mais de 1,3 mil terremotos em Marte desde sua chegada, em novembro de 2018.

Mas o tremor de magnitude 4 resultante desse evento em particular, ocorrido em 24 de dezembro de 2021, despertou imediatamente o interesse dos cientistas da missão porque continha um componente das chamadas “ondas de superfície”.

A grande maioria dos terremotos captados pela InSight havia produzido as tradicionais ondas primárias e secundárias associadas a movimentos de rochas nas profundezas do planeta.

As ondulações recém-detectadas estavam viajando na parte superior de Marte, por meio de sua crosta.

Antes e depois: o impacto de 24 de dezembro de 2021 espalhou detritos por mais de 30 km – NASA/JPL-CALTECH/MSSS

“Esta é a primeira vez que ondas sísmicas de superfície foram observadas em um planeta diferente da Terra. Nem mesmo as missões Apollo à Lua conseguiram isso”, afirmou Doyeon Kim, do Instituto de Geofísica do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurich), na Suíça, e principal autor dos relatórios acadêmicos que aparecem na revista científica Science nesta semana.

O reconhecimento de ondas de superfície também permitiu que os pesquisadores identificassem um segundo impacto de meteorito. Este, em 18 de setembro de 2021, ocorreu a cerca de 7.500 km da InSight. Foi um evento um pouco menor e produziu um aglomerado de crateras, a maior delas com 130 m de diâmetro.

Os cientistas acreditam que ambos os impactos podem fornecer novos conhecimentos sobre o interior de Marte. Enquanto os terremotos de origem profunda informam sobre a estrutura e composição do manto e do núcleo do planeta, as ondas de superfície revelam novos detalhes sobre a crosta sobrejacente.

Os pesquisadores podem dizer que, entre a sonda InSight e os locais de impacto, a crosta tem uma estrutura muito uniforme e alta densidade. Isso contrasta com as três camadas de crosta de baixa densidade reportadas anteriormente diretamente abaixo da InSight.

Essa constatação também pode ter algo a dizer sobre a famosa dicotomia de Marte — a observação de que o hemisfério norte é baixo e relativamente plano, enquanto o hemisfério sul do planeta é elevado e montanhoso.

Os pesquisadores se perguntam se isso acontece porque a crosta nessas regiões é composta por materiais diferentes. Mas os novos dados das ondas de superfície e sua sugestão de uniformidade generalizada na crosta indicam que essa teoria provavelmente não é a melhor explicação.

A poeira vermelha de Marte se acumulou nos painéis solares da InSight, reduzindo sua eficiência – NASA/JPL-CALTECH

“As observações da InSight na zona de transição entre o norte e o sul foram realmente valiosas porque claramente a crosta evoluiu de maneiras muito diferentes nessas regiões do planeta”, disse à BBC News Ben Fernando, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, é um cientista da missão InSight.

“Como e por que se desenvolveram dessa maneira ainda é uma questão em aberto, mas acho que esses impactos provavelmente forneceram mais entendimento sobre esse tópico do que qualquer outra coisa que fizemos até agora na missão.”

Há muitas crateras em Marte, consequência de bilhões de anos de bombardeios de rochas à deriva no espaço. Algumas são verdadeiras gigantes. A Bacia de Hellas é uma estrutura de impacto com mais de 2.000 km de diâmetro.

Os impactos de 2021, contudo, são significativos porque os cientistas têm o registro do momento de sua criação e informações mais precisas feitas por seus instrumentos.

“Algo como [o que causou o impacto de 24 de dezembro] atinge a Terra algumas vezes a cada década, mas é destruído com segurança pelo calor na atmosfera ou solta alguns meteoritos. Tivemos uma sorte incrível de pegar este enquanto a InSight estava ouvindo”, comentou o professor Gareth Collins, da Universidade Imperial College London, no Reino Unido.

A missão InSight está perto de terminar. Poeira vem se acumulando em seus painéis solares, reduzindo sua eficiência.

“Em um curto período de tempo, talvez entre quatro e oito semanas, o melhor que podemos prever, esperamos que a sonda não tenha mais energia suficiente para operar”, disse Bruce Banerdt, principal pesquisador da missão, a jornalistas.

Fonte: BBC