Novas culturas, muito gelo, paisagens incríveis e alguns perrengues. Tudo isso fez parte da recente expedição brasileira ao Ártico conduzida pelo velejador Beto Pandiani em parceria com o francês Igor Bely. Chamada Rota Polar, a trajetória de 4,8 mil quilômetros se estendeu do Alasca até a Groenlândia e, além de cruzar a histórica Passagem Noroeste, também teve como objetivo analisar as mudanças climáticas na região.
De volta ao solo brasileiro após os 100 dias de missão, Pandiani conta à GALILEU como foi completar sua oitava travessia por oceanos realizada em barcos sem motor. O trajeto foi inteiramente registrado e irá gerar um documentário, além de servir de base para a elaboração de artigos e livros que retratem o degelo do Ártico.
Águas congeladas
A missão pelo Ártico começou em junho deste ano, mas, antes de chegar lá, a tripulação passou meses se preparando para enfrentar as dificuldades que poderiam surgir no mar gelado.
Após a construção do barco, que passou por diversos testes antes de ser aprovado, a equipe começou sua jornada para reunir os equipamentos necessários e chegar ao local de partida: Tuktoyaktuk, no norte do Canadá. Todo o trajeto foi feito em motorhome e registrado em um diário de bordo.
No entanto, apesar da boa preparação, a viagem foi totalmente diferente do que eles estavam prevendo. Isso porque 2022 foi um ano atípico na região ártica.
“Escolhemos viajar durante o verão justamente porque, nesse tempo, há um equilíbrio entre a temperatura mais quente e os ventos, que acabam fazendo com que o gelo do mar derreta e se espalhe, abrindo passagem para o barco”, explica Pandiani.
Porém, devido ao verão ter atrasado na região, o processo de degelo do oceano não ocorreu conforme o esperado, atrasando a viagem logo no início. “Quando chegamos em ‘Tuk’ ficamos 20 dias parados, porque o gelo nos impedia de sair. Houve um momento de incerteza, chegamos a pensar que a viagem nem se iniciaria”, confessa.
Após muita espera, Pandiani e Bely conseguiram começar o trajeto, mas, ainda assim, passaram por uma barreira de gelo que demorou cerca de 24 horas para ser atravessada. Só depois dessa empreitada é que foi possível dar continuidade à viagem pelo Oceano Ártico.
Mudanças climáticas
“Durante a viagem pudemos observar alguns indícios das consequências das mudanças climáticas”, afirma Pandiani. “Enquanto ficamos em ‘Tuk’, chegamos a pegar dias quentes que beiravam os 28ºC, o que é incomum para a região. Em contrapartida, durante a navegação, o tempo marcou -5ºC.”
Contudo, a mudança mais atípica observada pela tripulação foi em relação ao vento. Normalmente, durante essa época do ano, os ventos ocorrem de forma mais branda, o que não foi o caso ao longo da missão. Devido ao mau tempo, foi difícil dar prosseguimento à viagem em alguns momentos.
“Quando estávamos no meio da missão, precisamos atracar em Gjoa Haven por 10 dias, esperando o vento forte passar. Foi um momento preocupante, era final de agosto e ainda tínhamos um longo caminho a percorrer. Só poderíamos ficar no mar até o dia 10 de setembro, pois após essa data o tempo muda completamente e as tempestades de gelo retornam”, afirma Pandiani.
Segundo o velejador, os povos locais também não têm dúvidas de que as mudanças climáticas estão acontecendo. “Se analisarmos, nos últimos 200 anos tivemos diversas florestas destruídas. Acredito que essa crise que vivemos atualmente começou há muito tempo. É uma combinação de ação do homem com o aumento da emissão dos gases de efeito estufa”, destaca.
Barco sustentável
Além das paisagens, o grande destaque da missão foi o fato dela ser totalmente realizada em um barco sem motor ou cabine, chamado catamarã. Esse tipo de embarcação possui uma vela que auxilia na movimentação pela força dos ventos. Porém, a estrutura ecológica do barco trouxe algumas dificuldades. Quando a brisa não era forte o suficiente, os viajantes precisavam pedalar para movimentar o barco, um exercício cansativo.
Por optarem por um veículo mais simples, foi necessário aprender a viver sem “luxos” necessários. A necessidade trouxe novas experiências e conhecimentos para a dupla de viajantes, que encontraram soluções sustentáveis para as dificuldades.
“Um projeto desse gera muito desenvolvimento, porque precisamos pensar em como passar por essas dificuldades com poucos recursos. Neste barco usamos painel solar, dessalinizamos água do mar e levamos somente o básico: kit médico, trajes, rastreador, telefones e fogos”, explica o velejador. O objetivo era incentivar as pessoas a viverem de uma forma que preserve o meio ambiente.
Paisagens incríveis
Mas nem só de dificuldades viveram os especialistas. Além de conhecerem diversas culturas a cada parada, a tripulação teve a oportunidade de ver paisagens inesquecíveis com montanhas de gelo e ter contato com diversos animais, incluindo focas, baleias, pássaros e ursos polares.
“O bom é que não foi como esperávamos, foi mais difícil do que imaginávamos pelo fato de termos escolhido um ano tão atípico. Foi desafiador, mas, ainda assim, maravilhoso”, acrescenta o velejador paulistano.
Com todos os registros reunidos, os próximos passos serão produzir um documentário, cuja estreia está prevista para março de 2023, e lançar um livro junto com uma exposição fotográfica, que deve passar por algumas universidades brasileiras.
Fonte: Galileu