Está claro que eventos climáticos extremos estão se tornando cada vez mais comuns. E se não bastasse o aumento da frequência, a intensidade cada vez mais forte tem assustado também. Os mais de 680 mm de chuva que caíram no litoral norte paulista num período de 24 horas durante o Carnaval foram um recorde nacional. O que era praticamente impensável na ausência de ciclones, furacões ou outros eventos atmosféricos maiores, se tornou uma realidade.
O fato de que esse recorde de precipitação no país ocorre apenas um ano após o recorde anterior registrado em Petrópolis/RJ nos faz refletir não apenas sobre a reincidência desses eventos, mas também sobre vulnerabilidade climática, já que foram muitas as mortes e a destruição provocadas pelas chuvas de São Sebastião/SP e Petrópolis.
A vulnerabilidade climática refere-se ao grau em que uma comunidade, população ou ecossistema é suscetível e incapaz de lidar com os efeitos adversos das mudanças climáticas. Impactos de ondas de calor intenso, aumento do nível do mar, chuvas, inundações e secas podem ter consequências graves em comunidades vulneráveis, incluindo escassez de alimentos e água potável, deslocamento e perda de propriedades e, sobretudo, de vidas.
Os piores impactos são sentidos em lugares com vulnerabilidade sistêmica pré-existente, ligada à pobreza e condições precárias de moradia e à própria fragilidade e ausência do Estado. As desigualdades de gênero e raça exacerbam a vulnerabilidade, dada a desvantagem de renda que as mulheres e negros geralmente enfrentam, principalmente as pessoas pertencentes às classes mais pobres.
Cerca de 1,6 bilhão de pessoas no mundo vivem em pontos críticos de vulnerabilidade, um número que pode dobrar até 2050 e que inclui principalmente habitantes de países menos desenvolvidos ou aqueles com recursos limitados que ocupam zonas de risco, como encostas, zonas áridas, áreas sujeitas a inundações e zonas costeiras, entre tantas outras.
No Brasil, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastre (Cemaden), atualmente, mais de 9,5 milhões de pessoas vivem em áreas sujeitas a deslizamentos de terra, enxurradas ou outros desastres climáticos. Elas estão concentradas principalmente nos estados da Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, sendo Salvador a cidade com a maior população em áreas de risco (1,2 milhão de pessoas).
Os danos causados pelo aquecimento global em todo o mundo estão cada vez mais claros, e a recuperação de desastres climáticos já está custando bilhões de dólares. Assim, à medida que os eventos extremos ficam mais frequentes e graves, o aumento de custos para lidar com catástrofes climáticas tem levado governos a reduzir ou até mesmo abandonar esforços para diminuir suas emissões de gases de efeito estufa. Isso tende a resultar em temperaturas mais altas e outras alterações climáticas, que, então, criam consequências mais graves, requerendo ainda mais recursos.
Segundo um relatório recente da Chatam House e do Institute for Public Policy Research (IPPR), está sendo criado um ciclo entre as mudanças climáticas e a instabilidade econômica global, o chamado ciclo da destruição climática, ou “climate doom loop”.
Esse ciclo começa a ser percebido globalmente. No continente africano, um relatório do Banco Africano de Desenvolvimento de 2022 aponta que os impactos do aquecimento global estão custando a todo o continente mais de 15% do aumento anual do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, tornando mais difícil o investimento em tecnologias limpas que ajudam a mitigar as mudanças climáticas. Além disso, com a diminuição do PIB, alguns países estão se associando a empresas internacionais de petróleo e gás para a exploração de combustíveis fósseis em seus territórios, o que pode comprometer ainda mais a sustentabilidade climática do planeta.
Nem mesmo regiões mais desenvolvidas estão escapando ao ciclo de destruição climática. Na Califórnia, nos Estados Unidos, com as temporadas de incêndios florestais mais longas e os incêndios mais intensos e extensos a cada ano, as agências estaduais têm desviado fundos de outros programas, inclusive de prevenção de fogo, para combater os novos incêndios.
Em Singapura, uma cidade-estado localizada numa ilha no sudeste asiático, ameaçada pelo aumento do nível do mar associado às mudanças climáticas, todas as ações voltadas para o incentivo a uma economia verde e redução de emissões foram cortadas do orçamento de 2023, que focou na ajuda à população para combater a inflação e as incertezas econômicas.
O ciclo da destruição e a vulnerabilidade climática estão interligados porque as populações mais vulneráveis têm maior probabilidade de sofrer as consequências da instabilidade econômica causada pelas mudanças climáticas. Os países de renda baixa e média-baixa perdem em média, anualmente, de 0,8% a 1% de seu PIB nacional para desastres climáticos, em comparação com 0,1% a 0,3% em países de renda média-alta e alta.
No Brasil, a seca de 2021 que se estendeu até o início do ano passado custou cerca de 4 bilhões de dólares, o equivalente a mais de 20 bilhões de reais. Esse custo sozinho representou 0,25% do PIB brasileiro em 2021, um ano que teve ainda chuvas extremas e enchentes na Bahia, queimadas no Pantanal e Amazônia, entre outros eventos.
Os países pobres, mais vulneráveis ao clima, já incorrem em custos de empréstimos mais altos devido aos riscos de desastres naturais e outras perturbações sociais causadas pelas mudanças climáticas. Essa relação está criando um círculo vicioso que levará esses países a se endividarem ainda mais, enquanto as condições ambientais e sociais continuam a se deteriorar, limitando as oportunidades de desenvolvimento verde e inclusivo, e gerando a necessidade de novos empréstimos. A vulnerabilidade humana futura continuará a se concentrar onde as capacidades dos governos locais, municipais e nacionais, comunidades e setor privado são menos capazes de fornecer infraestruturas e serviços básicos.
Para quebrar o ciclo da destruição climática e reduzir a vulnerabilidade, é essencial priorizar ações de mitigação profundas e rápidas que não apenas abordem as causas das mudanças climáticas, mas também as desigualdades sociais e econômicas implícitas que tornam certas populações mais vulneráveis. Isso inclui investir em infraestrutura sustentável, promover redes de segurança social adaptadas às condições locais e capacitar as comunidades para que tomem medidas para se protegerem contra os impactos das mudanças climáticas.
Fonte: Galileu