EXCLUSIVO: “Deficit de natureza” é mais um mal a prejudicar crianças nos centros urbanos

Mônica Pinto / AmbienteBrasil

Qualquer pessoa de inteligência mediana pode – e deve – compreender que o modelo de desenvolvimento hoje vigente no planeta o está claramente devastando.

A existência nos centros urbanos, com seus deturpados hábitos de consumo e os problemas que deles advém direta ou indiretamente – por exemplo, a criminalidade -, prioriza aparentes confortos. Mas, num paradoxo, decai visivelmente a qualidade de vida nas grandes cidades.

Gerações das chamadas “crianças de play-ground” não têm qualquer convivência com fauna e flora em seus ambientes naturais. Vivem cercadas de cinza, respirando ar poluído, ouvindo os sons do tráfego e vendo outdoors por todos os lados.

Não admira que, neste cenário, seja hoje fruto de preocupação em quase todo o mundo o aumento de casos em crianças de depressão, stress e outras mazelas antes circunscritas ao universo adulto.

Conforme dados da Sociedade Brasileira de Hipertensão, esta doença afeta 5% dos 70 milhões de crianças e adolescentes no Brasil. São 3,5 milhões de crianças e adolescentes que precisam de tratamento.

A falta de oportunidade em coexistir num macro-ambiente saudável impõe às crianças mais um transtorno: o “déficit de natureza”. A expressão tornou-se conhecida no Brasil após ter sido título, na revista Época, da coluna assinada pela psicóloga e monja iogue Susan Andrews, na edição de 03 de fevereiro passado.

Segundo ela, pesquisas realizadas na Universidade Cornell, em Nova York, mostraram que crianças com mais natureza perto de casa têm menos distúrbios de comportamento, menos ansiedade e depressão e mais auto-estima. “Nosso estudo revela que os eventos estressantes parecem não causar tanto transtorno psicológico nas crianças que vivem em condições em que a natureza é mais presente, quando comparadas àquelas que vivem em lugares com menos áreas verdes”, diz a professora Nancy Wells, na mesma coluna. “Ao reforçar os recursos de atenção das crianças, os espaços verdes podem ajudá-las a pensar mais claramente, e com isso capacitá-las a lidar mais eficazmente com o estresse”, completou.

Além destas vantagens que o convívio em ambientes naturais proporciona à saúde infantil, há outra, de ordem ideológica. Pessoas cujas infâncias incluem contato direto com pássaros e árvores, por exemplo, tendem a demonstrar por eles, no futuro, mais respeito. São menos afeitas aos entendimentos puramente antropocentristas.

Saúde mental – No campo da psiquê, a relação criança-natureza também se mostra extremamente valiosa na formacao da subjetividade.

“O processo de individuação da criança pequena passa primordialmente na relacao com o ‘Outro’. Este ‘Outro’, num contexto ambiental, pode ser entendido como ‘Vida’. Agora, em que momento se percebe essa ‘Vida’ nos grandes centros?”, questiona a psicóloga paranaense Luana Beal.

Ela cita o exemplo da necessidade dessa relação a partir de uma criança do próprio convívio. Na casa onde o menino mora, não há um só pedacinho de grama, mas, na dos avós, um pequeno quintal tornou-se o lugar preferido do pequeno. “Por consequência, toda a família pareceu se lembrar de como aquele cantinho da casa é agradável. As reuniões familiares também aumentaram consideravelmente”, diz.

A psicóloga corrobora que crianças a crescerem num ambiente de natureza abundante desenvolvem-se de maneira mais saudável, tanto física quanto emocionalmente.

“Num mundo onde cada vez mais se é exigido produtividade, e agora também produtividade ecologicamente correta, é imprescindível que as nossas crianças cresçam com um minimo de contato com aquilo que vem se tornando de sua responsabilidade conservar”.

Durante dois anos desenvolvendo um trabalho com famílias de pequenos agricultores rurais, Luana diz que deparou-se com crianças sadias no físico, no intelecto e na emoção. “A despeito da completa falta de recursos materiais e educacionais, a criatividade gerada por esse contato com a natureza supre lindamente muitas das defasagens advindas do desequilíbrio social”, atesta.

Diante disso, é bom alvitre que administrações estaduais e municipais incluam, no seu rol de prioridades, a implantação de parques e jardins, medida que, de quebra, ajuda a atenuar o aquecimento global.