O conceito de reserva legal consta no Código Florestal, em seu art. 1°, inserido pela MP n°. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, como “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas”.
Essa proteção, de méritos incontestáveis, vem gerando, entretanto, conflitos de competência que, no entender de alguns profissionais, podem estar interferindo inclusive na qualidade ambiental de tais espaços.
Um exemplo recente desse imbróglio está no Paraná. A Reserva Legal abrange, no caso daquele estado, 20% da superfície da propriedade, cujo uso é condicionado ao manejo sustentável. Na Reserva Legal pode-se gerar bens como madeiras valiosas de espécies nativas e produtos não lenhosos: mel, frutos, plantas medicinais e ornamentais etc.
O Governo do Estado, por intermédio do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), implantou pioneiramente, já em 1999, o Sistema de Manutenção, Recuperação e Proteção da Reserva Florestal Legal e Áreas de Preservação Permanente (Sisleg). A partir dele, está sendo gerado, gradativamente, um banco de dados georreferenciado das propriedades rurais, indicando o uso do solo e a situação das Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal.
“Assim, ele permitirá monitorar a situação ambiental das propriedades rurais, estimular o cumprimento da lei e orientar políticas estaduais diversas: ambiental, de produção florestal, turística, fiscal, agrária, entre outras”, coloca o IAP em seu portal.
Em dezembro de 2007, o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná (Crea/PR) aprovou em Sessão Ordinária a nova “Matriz de Competência para Operacionalização do Sisleg”, definindo quais profissionais possuem atribuições para realizar procedimentos previstos no Sistema, entre os quais o trabalho de demarcação de reserva florestal legal e de Áreas de Preservação Permanente (APP).
A lista de profissionais que possuem tal atribuição findou extensa: Engenheiro de Minas, Geólogo e Engº Geólogo, Técnico em Geologia, Técnico em Mineração, Engº Agrônomo, Engº Florestal, Engº Agrícola, ,Engº de Pesca, Téc. Agrícola mod. Florestal, Téc. Agrícola de outras modalidades, Arquiteto, Engº Eletricista, Engº Mec. Eletricista, Engenheiro Civil, Engenheiro de Fortificação e Construção, Engenheiro Geógrafo, Agrimensor, Engenheiro Industrial, Engenheiro Agrimensor, Engenheiro Cartógrafo , Engenheiro de Geodésia e Topografia, Engenheiro Ambiental, Tecnólogo em Topografia, Técnico em Agrimensura, Técnico em Estradas, Geógrafo e Tecnólogo (Mod. Construção Civil).
A partir daí, começaram a surgir questionamentos quanto à validade de tamanho time ser oficialmente habilitado a executar esse trabalho, posto que, em tese, para levá-lo a termo com um mínimo de qualidade, é preciso definir os estágios sucessionais da vegetação florestal – ou seja, a condição em que se encontra determinada biota em função de fenômenos e fatos naturais e/ou de ação antrópica.
Pressões de mercado acabariam, assim, por ameaçar a efetiva conservação dos recursos naturais e da biodiversidade. “A concorrência provoca a queda no valor dos serviços. Muitas vezes este valor fala bem mais alto do que sua própria qualidade”, disse a AmbienteBrasil Glauber Pinheiro, presidente da Sociedade Brasileira de Engenheiros Florestais, categoria que vem se opondo à tamanha abrangência de profissionais habilitados a demarcar reservas legais e APPs.
“Existem ainda alguns serviços que não são do interesse do contratante, mas apenas para atender a exigências legais. Assim, temos visto por aí a ‘qualidade’ de EIAs/RIMAs, projetos de licenciamento, TACs (termos de ajuste de conduta), medidas compensatórias, planos de manejo, averbação de reservas legais etc.”, coloca ele.
Para o engenheiro florestal, o que está por trás disso tudo é o corporativismo – no caso das reservas legais e APPs, possivelmente tendo por saldo prejuízos a remanescentes florestais que a lei pretendia, ao contrário, resguardar.
“O primeiro problema é decorrente da falta de representatividade das minorias dentro das esferas de decisão do Sistema Confea/Crea: as maiorias querem cada vez mais espaço e acham que podem atuar em qualquer área; as minorias, por sua vez, quando conseguem ao menos uma oportunidade de manifestação, não participam na hora da decisão”, diz Glauber.