O físico José Goldemberg, 80, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP), foi o primeiro latino-americano agraciado com o prêmio Planeta Azul, oferecido há 17 anos pela Asahi Glass Foundation, do Japão, a pessoas que se destacam em pesquisa e formulação de políticas públicas na área ambiental.
Reconhecidamente capaz nos meandros acadêmicos, o professor não tem se furtado a opinar nas polêmicas em que, eventualmente, mergulha a gestão ambiental brasileira, dando contribuições abalizadas que, como é justo, aprimoram os debates.
Um dos responsáveis pela criação do Proálcool, autor do livro “Energia Nuclear em questão”, Goldemberg ajudou a traduzir para a opinião pública análises quanto às usinas nucleares, fazendo o contraponto entre as necessidades de países pobres em outros recursos para geração de energia e o Brasil. “O Brasil ainda não precisa da energia nuclear. Temos outras opções”, disse à revista Época, numa entrevista em junho passado cujo cerne foi a crítica aos investimentos do Governo Federal no programa atômico.
Mais recentemente, o olhar lúcido de Goldemberg voltou-se a outro grave problema de ordem ambiental e social: as mudanças no clima. AmbienteBrasil teve acesso à mensagem enviada por ele ao professor Luiz Pinguelli Rosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também físico e coordenador geral do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, órgão ligado à Casa Civil da Presidência da República.
Na mensagem, depois de louvar “o enorme trabalho realizado nas consultas públicas que envolveram um grande número de participantes” na construção do Plano Nacional de Mudanças do Clima, ele salienta que, “apesar de uma boa prática democrática”, elas não podem ser o único elemento usado pelo Governo para a definição de políticas visando o enfrentamento do problema.
“No que se refere a ações objetivas como as preconizadas na Conferência de Bali (reduções voluntárias, quantitativas e verificáveis), o documento (compilado de sugestões obtidas nas consultas) não diz nada nem sobre a óbvia necessidade de reduzir o desmatamento da Amazônia”, colocou Goldemberg a Pinguelli. “Ele (o documento) basicamente repete a retórica das ‘responsabilidades comuns, porém diferenciadas´, sem especificar quais são elas, o que, no fundo, é uma desculpa para a inação”.
AmbienteBrasil conversou com o professor e fez a ele duas perguntas.
AmbienteBrasil – O Plano Nacional de Mudanças do Clima, apresentado na quinta-feira 25, em Brasília, fez com que o Brasil se comprometa pela primeira vez a possuir médias decrescentes de desmatamento em todos os biomas, mensuráveis a cada quatro anos, até atingir o chamado desmatamento ilegal zero. Isso contempla sua preocupação nesse sentido?
José Goldemberg – O que o Plano diz sobre o desmatamento é “buscar a redução sustentada das taxas de desmatamento, em sua média quadrianual, em todos os biomas brasileiros, até que se atinja o desmatamento ilegal zero”.
Esta é uma manifestação de intenções. O instrumento usado pelo Governo Federal é o PPCDAM (Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), que envolve um conjunto de medidas de eficiência questionável, uma vez que as taxas de desmatamento continuam muito elevadas – acima de 10.000 km2 por ano.
Concordo que, se de fato o que o Plano diz fosse cumprido, o Brasil estaria dando um grande passo à frente e contemplaria minhas preocupações.
AmbienteBrasil – O senhor classificou como “insuficientes” as “atuais políticas que o Governo Federal tem conduzido para enfrentar a gravidade do problema das mudanças climáticas tanto no país como no mundo”. O que deveria ser feito desde já?
Goldemberg – Elas não são só insuficientes, como também violam os compromissos assumidos pelo Brasil na Conferência de Bali, segundo os quais os países em desenvolvimento adotariam medidas voluntárias, quantificáveis e verificáveis.
As medidas contidas no Plano não têm, de modo geral, este caráter. Por exemplo: as medidas propostas na área de eficiência energética têm tido um desempenho muito decepcionante até o presente. O Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica) levou à economia de apenas 2 Terawatts/hora (menos de 1% do consumo de eletricidade) de 2001 a 2008.
Esta é uma área em que Plano poderia ter sido criativo. O Ministério de Minas e Energia está começando a publicar portarias estabelecendo o consumo máximo de aparelhos domésticos – como geladeiras e muitos outros -, o que decorre da Lei 10.295, aprovada pelo Congresso em 2001, que prevê inclusive um cronograma para seu cumprimento. Bastaria seguir firmemente este caminho para repetir o exemplo da Califórnia, onde o consumo de eletricidade per capita não cresce desde 1980.