Trilhões de pedaços de plástico quase invisíveis estão flutuando nos oceanos do mundo, das águas superficiais aos mares profundos. Essas partículas, conhecidas como microplásticos, normalmente se formam quando objetos de plástico maiores, como sacolas de compras e recipientes de comida, se rompem.
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Os pesquisadores estão preocupados com os microplásticos porque eles são minúsculos, amplamente distribuídos e fáceis de serem consumidos pela vida selvagem, acidentalmente ou intencionalmente. Estudamos a ciência marinha e o comportamento animal, e queríamos entender a escala desse problema. Em um estudo publicado recentemente que conduzimos com o ecologista Elliott Hazen, examinamos como os peixes marinhos – incluindo espécies consumidas por humanos – estão ingerindo partículas sintéticas de todos os tamanhos.
Na mais ampla revisão sobre o tema realizada até os dias atuais, descobrimos que, até o momento, 386 espécies de peixes marinhos ingeriram detritos plásticos, incluindo 210 espécies comercialmente importantes. Mas as descobertas sobre o consumo de plástico por peixes estão aumentando. Especulamos que isso poderia estar acontecendo porque os métodos de detecção de microplásticos estão melhorando e porque a poluição por plástico no oceano continua a aumentar.
Resolvendo o quebra-cabeça de plásticos
Não é novidade que criaturas selvagens ingerem plástico. A primeira observação científica desse problema veio do estômago de uma ave marinha em 1969. Três anos depois, os cientistas relataram que os peixes da costa do sul da Nova Inglaterra consumiam minúsculas partículas de plástico.
Desde então, mais de 100 artigos científicos descreveram a ingestão de plástico em várias espécies de peixes. Mas cada estudo contribuiu apenas com uma pequena peça de um quebra-cabeça muito importante. Para ver o problema com mais clareza, tivemos que juntar essas peças.
Fizemos isso criando o maior banco de dados existente sobre a ingestão de plástico por peixes marinhos, com base em todos os estudos científicos do problema publicados de 1972 a 2019. Coletamos uma série de informações de cada estudo, incluindo quais espécies de peixes ele examinou, o número de peixes que comeram plástico e quando esses peixes foram pescados. Como algumas regiões do oceano têm mais poluição por plástico do que outras, também examinamos onde os peixes foram encontrados.
Para cada espécie em nosso banco de dados, identificamos sua dieta, habitat e comportamentos alimentares – por exemplo, se ela se alimentava de outros peixes ou se alimentava de algas. Ao analisar esses dados como um todo, queríamos entender não apenas quantos peixes estavam comendo plástico, mas também quais fatores poderiam levar com que o fizessem. As tendências que encontramos foram surpreendentes e preocupantes.
Um problema global
Nossa pesquisa revelou que os peixes marinhos estão ingerindo plástico em todo o mundo. De acordo com 129 artigos científicos em nosso banco de dados, pesquisadores estudaram esse problema em 555 espécies de peixes. Ficamos alarmados ao descobrir que mais de dois terços dessas espécies haviam ingerido plástico.
Uma advertência importante é que nem todos esses estudos procuraram microplásticos. Isso provavelmente ocorre porque a localização de microplásticos requer equipamentos especializados, como microscópios, ou o uso de técnicas mais complexas. Mas quando os pesquisadores procuraram microplásticos, encontraram cinco vezes mais plástico por peixe individual do que quando procuraram apenas pedaços maiores. Estudos que foram capazes de detectar essa ameaça anteriormente invisível revelaram que a ingestão de plástico foi maior do que havíamos previsto originalmente.
Nossa revisão de quatro décadas de pesquisa indica que o consumo de plástico por peixes está aumentando. Desde uma avaliação internacional realizada para as Nações Unidas em 2016, o número de espécies de peixes marinhos encontrados com plástico quadruplicou.
Da mesma forma, apenas na última década, a proporção de peixes que consomem plástico dobrou em todas as espécies. Estudos publicados de 2010-2013 descobriram que uma média de 15% dos peixes amostrados continham plástico; nos estudos publicados de 2017-2019, essa participação subiu para 33%.
Acreditamos que existam duas razões para essa tendência. Primeiro, as técnicas científicas de detecção de microplásticos melhoraram substancialmente nos últimos cinco anos. Muitos dos estudos anteriores que examinamos podem não ter encontrado microplásticos porque os pesquisadores não podiam vê-los.
Em segundo lugar, também é provável que os peixes estejam realmente consumindo mais plástico com o tempo, à medida que a poluição por plástico no oceano aumenta globalmente. Se isso for verdade, a expectativa é de que a situação piore. Vários estudos que procuraram quantificar os resíduos de plástico projetam que a quantidade de poluição por plástico no oceano continuará a aumentar nas próximas décadas.
A maior parte do lixo plástico global é descartada
O mundo produz cerca de 380 milhões de toneladas métricas (418 milhões de toneladas curtas) de plástico anualmente, das quais mais da metade, é jogada fora.
Fatores de risco
Embora nossas descobertas possam fazer parecer que os peixes do oceano estão cheios de plástico até as guelras, a situação é mais complexa. Em nossa revisão, quase um terço das espécies estudadas não consumiram plástico. E mesmo em estudos que relataram ingestão de plástico, os pesquisadores não encontraram plástico em todos os peixes individualmente. Entre estudos e espécies, cerca de um em cada quatro peixes continha plásticos – uma fração que parece estar crescendo com o tempo. Os peixes que consumiam plástico normalmente tinham apenas um ou dois pedaços no estômago.
Em nossa opinião, isso indica que a ingestão de plástico por peixes pode ser generalizada, mas não parece ser universal. Nem parece aleatório. Pelo contrário, fomos capazes de prever quais espécies eram mais propensas a comer plástico com base em seu ambiente, habitat e comportamento alimentar.
Por exemplo, peixes como tubarões, garoupa e atum que caçam outros peixes ou organismos marinhos como alimento, eram mais propensos a ingerir plástico. Consequentemente, as espécies mais altas na cadeia alimentar correm maior risco.
Não ficamos surpresos que a quantidade de plástico que os peixes consumiam também parecia depender de quanto plástico havia em seu ambiente. Espécies que vivem em regiões oceânicas conhecidas por terem muita poluição por plástico, como o Mar Mediterrâneo e as costas do Leste Asiático, foram as que tiveram mais plástico em seus estômagos.
Efeitos de uma dieta de plástico
Esta não é apenas uma questão de conservação da vida selvagem. Os pesquisadores não sabem muito sobre os efeitos da ingestão de plástico em peixes ou humanos. No entanto, há evidências de que os microplásticos e até mesmo as partículas menores chamadas nanoplásticos podem se mover do estômago de um peixe para seu tecido muscular, que é a parte que os humanos normalmente comem. Nossas descobertas destacam a necessidade de estudos que analisem a frequência com que os plásticos são transferidos dos peixes para as pessoas e seus efeitos potenciais no corpo humano.
Nossa revisão é um passo para a compreensão do problema global da poluição do plástico nos oceanos. Das mais de 20.000 espécies de peixes marinhos, apenas cerca de 2% foram testadas para consumo de plástico. E muitas extensões do oceano ainda precisam ser examinadas. No entanto, o que agora está claro para nós é que “longe da vista, longe da mente” não é uma resposta eficaz à poluição do oceano – especialmente quando pode acabar em nossos pratos.
Fonte: The Conversation / Alexandra McInturf e Matthew Savoca
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse: https://theconversation.com/hundreds-of-fish-species-including-many-that-humans-eat-are-consuming-plastic-154634