Como as baleias desafiam as chances de contrair câncer? A resposta está em seus genes, diz um novo estudo

As baleias jubarte, mostradas aqui, são uma espécie de baleia de barbatana. Um novo estudo publicado pela The Royal Society analisa a resistência ao câncer em cetáceos, incluindo baleias de barbatanas.
As baleias jubarte, mostradas aqui, são uma espécie de baleia de barbatana. Um novo estudo publicado pela The Royal Society analisa a resistência ao câncer em cetáceos, incluindo baleias de barbatanas.

(CNN) O câncer deve ser quase certo para as baleias, os maiores e mais longevos mamíferos que existem – mas os cientistas estão descobrindo que os cetáceos são excelentes para se protegerem contra a doença mortal.

Como eles fazem isso? Tudo pode se resumir a bons genes, de acordo com um novo estudo publicado pela The Royal Society.

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“As chances de desenvolver câncer aumentam com a longevidade e a massa corporal”, explicou a principal autora do estudo, Daniela Tejada-Martinez, pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Thomas Jefferson, na Filadélfia.

Ter mais células significa ter uma probabilidade maior de que algumas delas possam desenvolver mutações perigosas à medida que crescem e se dividem ao longo de seu ciclo de vida.

“Paradoxalmente, espécies grandes e/ou de vida longa têm menor risco de câncer. No entanto, os mecanismos do cetáceo contra o câncer e o envelhecimento permanecem um mistério”, disse Tejada-Martinez.

Sua pesquisa, destinada a resolver esse mistério, sugere que os cetáceos podem ter desenvolvido “mecanismos adicionais” para se proteger contra doenças como o câncer, de acordo com Tejada-Martinez.

Tejada-Martinez se concentrou neste trabalho como parte de sua tese de doutorado na Universidade Austral do Chile. Lá, ela combinou seu amor pelas baleias, seus animais favoritos desde a infância, com seus interesses de pesquisa.

“Os cetáceos são um modelo incrível para pesquisa de envelhecimento e resistência a doenças, já que são os mamíferos de vida mais longa. Alguns cetáceos, como a baleia-da-groenlândia, podem viver mais de 200 anos”, disse ela por e-mail.

Base genética da resistência a doenças

Especificamente, o estudo investiga a evolução dos genes supressores de tumor, ou TSGs (sigla em inglês), no ancestral dos cetáceos, bem como em duas linhagens principais: baleias de barbatana (como a baleia-da-groenlândia) e baleias dentadas (como orcas, belugas, golfinhos, botos).

Os genes supressores de tumor, explicou Tejada-Martinez, são considerados entre as respostas anticâncer mais importantes do corpo e estão envolvidos em centenas de funções biológicas, incluindo o reparo de danos ao DNA, parada do ciclo celular e apoptose (morte celular).

“O câncer ocorre precisamente quando os TSGs não estão funcionando corretamente”, disse Tejada-Martinez.

Os cientistas identificaram mais de mil genes supressores de tumor em humanos e compartilhamos 99% deles com as baleias, explicou Tejada-Martinez por e-mail.

O estudo mostra que, ao longo da evolução dos cetáceos, os genes envolvidos no controle do aparecimento e progressão do câncer foram selecionados positivamente. Ele também descobriu que os cetáceos têm uma taxa de renovação de genes supressores de tumor 2,4 vezes mais rápida do que outros mamíferos.

O alto índice de rotatividade, de acordo com a pesquisa, está associado à duplicação de genes. Dos 71 genes com duplicações identificadas em cetáceos durante o estudo, 11 estão associados à longevidade e ao processo de envelhecimento, disseram os pesquisadores.

De acordo com Tejada-Martinez, a variação molecular observada nos cetáceos – a taxa de renovação gênica mais rápida, os genes com seleção positiva e duplicações gênicas – poderia fornecer proteção adicional contra danos moleculares que podem causar câncer.

Isso pode até ser responsável pela longevidade maior e pelos tamanhos maiores de cetáceos, como as baleias de barbatanas, uma descoberta que ela considerou a mais surpreendente.

De baleias a humanos

Entender como as baleias se protegem contra o câncer pode ajudar os humanos a fazer progressos contra a doença, que matou cerca de 10 milhões de pessoas em todo o mundo em 2020.

“O câncer é o problema original da multicelularidade e está claro em vários estudos que a natureza venceu o câncer de uma infinidade de maneiras, para aumentar a aptidão dos organismos ao longo da história da vida”, disse Marc Tollis, professor assistente da Universidade do Norte do Arizona.

“Uma vez que o câncer é uma doença relacionada ao tamanho do corpo e à idade, a busca por mudanças específicas das baleias em genes codificadores de proteínas, que estão ligados ao câncer humano, pode ajudar a direcionar potenciais terapias contra a esta doença em humanos”, explicou ele.

Tollis pesquisou anteriormente os genomas das baleias como ligados ao gigantismo e à resistência ao câncer, mas não esteve envolvido com o estudo da Royal Society.

Ainda há muito a ser descoberto sobre a resistência ao câncer entre as espécies e os mecanismos moleculares envolvidos nela, mas os cientistas estão fazendo progressos.

“O estudo das condições médicas sob uma perspectiva evolutiva, leva a um melhor entendimento sobre como outras espécies podem lutar contra doenças de forma mais eficiente do que nós”, disse Tejada-Martinez.

“A descoberta de novas variantes moleculares, incluindo cópias adicionais de genes reguladores importantes, pode levar à criação de tratamentos inovadores para o câncer e doenças relacionadas à idade”, acrescentou ela.

Fonte: CNN / Francesca Giuliani-Hoffman
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse:
https://edition.cnn.com/2021/03/05/us/whales-dolphins-cancer-resistance-study-scn-trnd/index.html