Talvez o planeta mais sortudo da Via Láctea viva a cerca de 6.500 anos-luz de distância, em direção ao centro de nossa galáxia: um grande mundo gasoso que escapou por pouco de ser obliterado por sua estrela moribunda.
Astrônomos avistaram o sistema, descrito hoje na revista científica Nature, quando o planeta e sua estrela distorceram a luz estelar de fundo. O distante e afortunado mundo do tamanho de Júpiter está circulando um minúsculo cadáver estelar – uma estrela anã branca fraca do tamanho da Terra que já foi muito parecida com o sol. Conforme a estrela envelheceu, ela se expandiu em uma gigante vermelha antes de colapsar na densa anã branca – um processo que pode facilmente destruir planetas em órbita.
“Teria sido muito fácil perder este planeta”, diz Juliette Becker da Caltech, que não esteve envolvida na detecção. “Provavelmente, quase que não evitou a destruição.”
Se o planeta vivesse um pouco mais perto de sua estrela, ele poderia ter sofrido uma série de destinos terríveis, desde a incineração até a destruição – um dos quais acabará acontecendo com a Terra quando o sol moribundo se transformar em uma estrela gigante vermelha. Os cientistas suspeitam que este sistema planetário alienígena pode ser análogo à aparência de nossa própria vizinhança solar depois que o sol se transformar em brasa.
“Este sistema é muito semelhante ao que esperamos para o estado final do nosso sistema solar”, diz o autor do estudo David Bennett, do Centro de Voos Espaciais Goddard da NASA.
O sistema também ajuda os cientistas a compreender com que frequência os planetas podem sobreviver à morte violenta de suas estrelas. Se for descoberto que planetas intactos são comuns em torno das anãs brancas, então há “mais planetas lá fora do que pensávamos”, diz o astrônomo Scott Gaudi, da Universidade Estadual de Ohio.
“Isso significa que nossa contagem de planetas na galáxia provavelmente foi subestimada até agora”, diz ele. “No campo dos exoplanetas, a piada é que, a cada pedra que você vira, você encontra um novo planeta.”
Saindo em uma chama de glória
Conforme as estrelas envelhecem, elas ficam sem hidrogênio para alimentar as fornalhas nucleares em seus `estômagos´, desencadeando uma sequência de eventos que pode ser muito perigosa para qualquer planeta em órbita. Em cerca de cinco bilhões de anos, isso acontecerá com o sol – e quando acontecer, a Terra estará em apuros.
Lentamente, o sol faminto de hidrogênio se transformará em uma estrela gigante vermelha. À medida que infla, engolfará e incinerará Mercúrio e depois Vênus. A Terra, se escapar da incineração, quase certamente será dilacerada pela gravidade da estrela. Marte provavelmente está longe o suficiente para sobreviver. No sistema solar externo, os quatro planetas gigantes serão empurrados, provavelmente para órbitas mais distantes – embora, em alguns casos especiais, eles possam ser totalmente expulsos do sistema solar ou até mesmo lançados ao sol.
“Há muitas coisas estranhas que podem acontecer aos planetas em um sistema conforme a estrela está evoluindo”, diz Becker. “O processo é bastante violento, especialmente para planetas na parte interna do sistema.”
Cerca de um bilhão de anos depois de se expandir em uma gigante vermelha, o Sol entrará em colapso em um corpo estelar denso – uma estrela anã branca com cerca de metade de sua massa original, comprimida em uma esfera do tamanho da Terra. Esse processo também pode causar estragos em planetas próximos. Todos os mundos que ficarem para trás se encontrarão em uma vizinhança que parece muito diferente de antes. E mesmo que os quatro planetas gigantes consigam passar, há uma boa chance de que todos eles se percam ao longo de bilhões de anos em encontros com estrelas que passam.
Sobrevivendo a destruição
Embora os astrônomos suspeitem que os planetas podem sobreviver às mortes caóticas de suas estrelas hospedeiras, eles não encontraram muitos exemplos de planetas que sobreviveram ao redemoinho. O sistema recém-descrito foi identificado pela primeira vez em 2010 por cientistas com a colaboração do Microlensing Observations in Astrophysics, quando o planeta sobrevivente e sua estrela anã branca se moveram diretamente na frente de uma estrela de fundo mais distante.
Esse alinhamento permitiu que a gravidade do par aumentasse e distorcesse a luz das estrelas distantes, produzindo o que os astrônomos chamam de evento de microlente. Até agora, a microlente revelou a presença de cerca de 90 mundos, incluindo alguns planetas que flutuam livremente, ou mundos que escaparam de suas estrelas natais e vagam pela galáxia sozinhos.
A maneira precisa como o planeta gigante e a anã branca dobraram a luz das estrelas de fundo revelou várias características cruciais do sistema, incluindo seu movimento no céu, a presença de uma estrela e de um planeta e a grande órbita do planeta. As observações também ajudaram os astrônomos a calcular as massas relativas dos dois objetos. Chamado de MOA-2010-BLG-477Lb, o sistema intrigou os astrônomos, mas eles teriam que esperar vários anos para tentar ver mais de perto.
“É difícil distinguir a estrela do primeiro plano com a estrela do fundo quando o evento [microlente] ocorre, porque elas precisam estar uma em cima da outra”, diz Bennett. “Então, esperamos que elas se separem.”
Em 2015, Bennett e seus colegas usaram o poderoso telescópio Keck-II no topo de Mauna Kea, no Havaí, para ir à caça da estrela. Eles sabiam o quanto o sistema deve ter viajado nesses cinco anos, então miraram Keck em seu alvo, espiaram na escuridão e não encontraram nada parecido com a estrela que estavam procurando – apenas uma estrela diferente, movendo-se na direção errada.
A equipe repetiu as observações em 2016, novamente em 2018, e ambas as vezes não deram certo. Mas eles sabiam que o sistema tinha que estar lá, baseado na distorção da luz das estrelas. A incapacidade de ver, disse Bennett e seus colegas, ocorreu por que tudo o que eles buscavam era tão obscuro que nem mesmo Keck conseguia perceber.
“Sabíamos que deveria ser uma estrela escura com um pouco menos de massa do que o Sol, e anãs brancas são a escolha óbvia”, diz Bennett.
Depois de fazer mais alguns cálculos, a equipe concluiu que o sistema envolvia um mundo com a massa de Júpiter e uma estrela anã branca com cerca de metade da massa do sol. A órbita do planeta o leva pelo menos 2,8 vezes mais longe de sua estrela do que a Terra orbita o sol, colocando-o aproximadamente no mesmo lugar que o cinturão de asteroides do nosso sistema solar.
“Este planeta está onde esperamos que se formem planetas gigantes”, diz Gaudi. “E isso mostra que esses análogos de Júpiter podem sobreviver à evolução de uma estrela semelhante ao Sol.”
De alguma forma, aquele mundo massivo cresceu e viveu no lugar certo para evitar as consequências letais da transformação de sua estrela – uma distância que depende não apenas da estrela moribunda, mas das características do planeta e dos movimentos de quaisquer `irmãos´ que ele possa ter.
Procurando por mais planetas circulando anãs brancas
Astrônomos já encontraram evidências de planetas orbitando anãs brancas antes, mas nenhuma dessas detecções é exatamente como esta. Em 2019, uma equipe internacional de astrônomos avistou um anel de destroços gasosos em torno de uma anã branca e presumiu que um pequeno e denso remanescente planetário pode estar embutido nos destroços – um mundo destruído que pode se assemelhar ao destino inevitável da Terra. Vários outros discos de destroços também foram identificados, considerados restos fragmentados de planetas e asteroides desafortunados.
No ano passado, outra equipe usando o instrumento TESS de caça a exoplanetas da NASA identificou um planeta candidato – um mundo gigante – orbitando uma anã branca em apenas 34 horas. Esse planeta está tão perto de sua estrela hospedeira que “definitivamente teria sido engolfado durante a fase de gigante vermelha”, diz Becker. “O que significa que ele teve que migrar para sua localização depois que a estrela se tornou uma anã branca.”
E nas últimas duas décadas, os cientistas viram manchas de elementos químicos nos ´rostos` de estrelas anãs brancas – as migalhas de mundos rochosos mastigados.
Todas essas observações, além do sistema recém-descoberto, sugerem que alguns planetas podem sobreviver às transformações evolutivas de suas estrelas hospedeiras – pelo menos por um tempo. Mas os processos que determinam se um planeta sobrevive ou encontra seu destino ainda são confusos.
O Telescópio Espacial Nancy Grace Roman da NASA, com lançamento previsto para meados da década de 2020, deve revelar muitos planetas orbitando anãs brancas. E à medida que os astrônomos localizam mais planetas circulando esses corpos estelares, eles aprenderão mais sobre como os estertores da morte de uma estrela alteram a arquitetura dos sistemas planetários, permitindo-nos olhar para o futuro do nosso próprio sistema solar.
O sistema recém-descoberto pode até ter planetas adicionais circulando a anã branca, diz Bennett. Enquanto nosso próprio planeta não sobreviverá à morte dramática do sol – pelo menos não em qualquer estado reconhecível – talvez outros mundos sobrevivam, e o sistema solar continuará a viver transformado.
Fonte: National Geographic/ Nadia Drake
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse: https://www.nationalgeographic.com/science/article/planet-circling-a-burned-out-star-offers-a-glimpse-at-the-solar-systems-fate