À medida que a necessidade mundial de grandes quantidades de energia portátil cresce a um ritmo cada vez maior, muitos inovadores têm procurado substituir a tecnologia atual de baterias por algo melhor.
O físico italiano Alessandro Volta aproveitou os princípios eletroquímicos fundamentais quando inventou a primeira bateria em 1800. Essencialmente, a união física de dois materiais diferentes, geralmente metais, gera uma reação química que resulta no fluxo de elétrons de um material para o outro. Esse fluxo de elétrons representa energia portátil que pode ser aproveitada para gerar energia.
Os primeiros materiais que as pessoas empregaram para fazer baterias foram o cobre e o zinco. As melhores baterias de hoje – aquelas que produzem a maior potência elétrica no menor tamanho possível – combinam o lítio metálico com um dos vários compostos metálicos diferentes. Houve melhorias constantes ao longo dos séculos, mas as baterias modernas contam com a mesma estratégia que a de Volta: emparelhar materiais que podem gerar uma reação eletroquímica e arrebatar os elétrons que são produzidos.
Mas, como descrevo em meu livro “Spark: The Life of Electricity and the Electricity of Life” (Faísca: A Vida da Eletricidade e a Eletricidade da Vida), mesmo antes das baterias feitas pelo homem começarem a gerar corrente elétrica, os peixes elétricos, como o peixe torpedo de água salgada do Mediterrâneo e especialmente as várias espécies de enguias elétricas de água doce da América do Sul (ordem Gymnotiformes) eram bem conhecidas por produzirem saídas elétricas de proporções impressionantes. De fato, os peixes elétricos inspiraram Volta a conduzir a pesquisa original, que acabou levando à sua bateria, e os cientistas de baterias de hoje ainda buscam ideias nesses animais eletrizantes.
Copiando o órgão elétrico da enguia
Antes da bateria de Volta, a única maneira de as pessoas gerarem eletricidade era esfregar vários materiais, normalmente seda em vidro, e capturar a eletricidade estática resultante. Esta não era uma maneira fácil nem prática de gerar energia elétrica útil.
Volta sabia que os peixes elétricos tinham um órgão interno especificamente dedicado à geração de eletricidade. Ele raciocinou que, se pudesse imitar seu funcionamento, poderia encontrar uma nova maneira de gerar eletricidade.
O órgão elétrico de um peixe é composto de longas pilhas de células que se parecem muito com um rolo de moedas. Então Volta cortou discos semelhantes a moedas de folhas de vários materiais e começou a empilhá-los, em sequências diferentes, para ver se conseguia encontrar alguma combinação que produzisse eletricidade. Esses experimentos de empilhamento continuaram produzindo resultados negativos até que ele tentou emparelhar discos de cobre com zinco, enquanto separava os pares empilhados com discos de papel molhados com água salgada.
Essa sequência de cobre-zinco-papel fortuitamente produzia eletricidade, e a saída elétrica era proporcional à altura da pilha. Volta pensou ter descoberto o segredo de como as enguias geram sua eletricidade e que ele realmente produziu uma versão artificial do órgão elétrico do peixe, então ele inicialmente chamou sua descoberta de “órgão elétrico artificial”. Mas não foi.
O que realmente torna as enguias eletrizantes
Os cientistas agora sabem que as reações eletroquímicas entre materiais diferentes que Volta descobriu não têm nada a ver com a maneira como uma enguia elétrica gera sua eletricidade. Em vez disso, a enguia usa uma abordagem semelhante à maneira como nossas células nervosas geram seus sinais elétricos, mas em uma escala muito maior.
Células especializadas dentro do órgão elétrico da enguia bombeiam íons através de uma barreira de membrana semipermeável para produzir uma diferença de carga elétrica entre o interior e o exterior da membrana. Quando os portões microscópicos na membrana se abrem, o rápido fluxo de íons de um lado da membrana para o outro gera uma corrente elétrica. A enguia é capaz de abrir simultaneamente todos os seus portões de membrana à vontade para gerar um enorme choque de eletricidade, que libera de maneira direcionada sobre sua presa.
As enguias elétricas não produzem o choque em suas presas até a morte; elas apenas o atordoam eletricamente antes de atacar. Uma enguia pode gerar centenas de volts de eletricidade (as tomadas domésticas são de 110 volts), mas a tensão da enguia não fornece corrente suficiente (amperagem), por tempo suficiente, para matar. Cada pulso elétrico de uma enguia dura apenas alguns milésimos de segundo e fornece menos de 1 amp. Isso é apenas 5% da amperagem doméstica.
Isso é semelhante ao funcionamento das cercas elétricas, fornecendo pulsos muito curtos de eletricidade de alta tensão, mas com amperagem muito baixa. Elas, portanto, causam o choque, mas não matam ursos ou outros animais intrusos que tentam passar. Também é semelhante a uma arma de eletrochoque Taser moderna, que funciona fornecendo rapidamente um pulso de tensão extremamente alta (cerca de 50.000 volts) carregando uma amperagem muito baixa (apenas alguns miliamperes).
Tentativas modernas de imitar a enguia
Como Volta, alguns cientistas elétricos modernos que buscam transformar a tecnologia de baterias, encontram sua inspiração nas enguias elétricas.
Uma equipe de cientistas dos Estados Unidos e da Suíça está atualmente trabalhando em um novo tipo de bateria inspirada nas enguias. Eles imaginam que sua bateria macia e flexível pode um dia ser útil para alimentar implantes médicos e robôs macios internamente. Mas a equipe admite que tem um longo caminho a percorrer. “Os órgãos elétricos das enguias são incrivelmente sofisticados; eles são muito melhores em gerar energia do que nós”, lamentou Michael Mayer, membro da equipe da Universidade de Friburgo, na Suíça. Assim, a pesquisa da enguia continua.
Em 2019, o Prêmio Nobel de Química foi concedido aos três cientistas que desenvolveram a bateria de íons de lítio. Ao conceder o prêmio, a Real Academia Sueca de Ciências afirmou que o trabalho dos premiados “lançou as bases de uma sociedade sem fio e livre de combustíveis fósseis”.
A parte “sem fio” é definitivamente verdadeira, já que as baterias de íons de lítio agora alimentam praticamente todos os dispositivos sem fio portáteis. Teremos que esperar para ver a alegação de “sociedade sem combustível fóssil”, porque as baterias de íons de lítio de hoje são recarregadas com eletricidade geralmente gerada pela queima de combustíveis fósseis. Nenhuma menção foi feita às contribuições das enguias elétricas.
Mais tarde naquele mesmo ano, porém, cientistas da Instituição Smithsonian anunciaram a descoberta de uma nova espécie sul-americana de enguia elétrica; esta é notavelmente a mais forte geradora de bioeletricidade conhecida na Terra. Os pesquisadores registraram a descarga elétrica de uma única enguia em 860 volts, bem acima da espécie de enguia recordista anterior, Electrophorus electricus, que atingiu 650 volts e 200 vezes maior que a tensão máxima de um único íon de lítio de bateria (4,2 volts).
Assim como nós, humanos, tentamos nos parabenizar pela grandeza de nossa mais recente fonte de energia portátil, as enguias elétricas continuam a nos humilhar com a delas.
Fonte: The Conversation/ Timothy J. Jorgensen
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse: https://theconversation.com/electric-eels-inspired-the-first-battery-two-centuries-ago-and-now-point-a-way-to-future-battery-technologies-178465