(*) Cássio dos Santos Peixoto
Muito embora, diversas normas, tanto federais quanto estaduais, incorporassem os resíduos sólidos como item significativo em suas políticas relativas ao saneamento básico, a questão tomou vulto e destaque, neste ano de 2010, com a sanção da Lei nº 12.305 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
Alguns respeitados especialistas em resíduos consideraram este diploma legal desnecessário, comungando o entendimento que os resíduos sólidos, já vinham sendo tratados como apêndice às normas de saneamento, com destaque para a Lei nº 11.445/2007, que dispõe sobre as diretrizes da política de saneamento. Além disso, boa parte dos estados e vários municípios já haviam normatizado o assunto internamente, contudo, com focos bem diferenciados em função de suas características industriais, áreas disponíveis e adensamento populacional. Fato bem compreensível, levando-se em consideração as dimensões territoriais do País, suas diversidades regionais e, suas características econômicas e sociais.
Usando a praticidade como norteador dessa discussão, o fato relevante é que os resíduos ganharam notoriedade e volume com a explosão do consumo nas últimas décadas, em especial nos últimos anos, ensejando maior destaque a ponto de descolar-se do saneamento exigindo uma legislação própria e autônoma. Mesmo com todo o atraso em seu trâmite legislativo, sua importância tornou-se mais flagrante até para àqueles que a consideraram desnecessária.
Por outra banda a nova legislação aparece em um novo momento econômico que, por si só, justificaria tal relevância. Mesmo assim, outros, mas não menos importantes fatores, passaram a influir com expressivo relevo até agora pouco discutidos como: O apelo social inserido na legislação para alcance de outros resultados sócio-ambientais, distribuição e compartilhamento de responsabilidades com os empreendimentos e stakeholders, até como um encargo aos resultados auferidos pela reação econômica positiva no País.
Na era do consumo, com o emergir de classes D e E, submersas economicamente até então, faz surgir um novo desafio – a redenção destas classes. Com efeito, cabe então, uma nova análise do fato econômico quanto aos fenômenos desta nova classe que começa a ser vista como potenciais consumidores. A relevância maior está no peso populacional que as classes emergentes representam, somada por sua avidez em adquirir produtos e bens inalcançados até pouquíssimo tempo. Temos ai uma “bolha” explosiva de consumo imoderado, buscando sanar um apetite voraz, represado por anos. Conclui-se que, se tudo está bem para economia, à materialidade será aperfeiçoada no acesso aos bens desejados e no lar devidamente equipado.
Na outra ponta do consumo, está a necessidade de exploração, cada vez maior, dos recursos naturais para atender a crescente demanda, e, consenquentemente, maior geração de resíduos, de diversas classificações, pelos empreendimentos produtores. A situação se agrava, na incapacidade de gestão dos resíduos por parte do poder público, que não acompanha esse movimento crescente de forma equânime. Se há aumento de postos de trabalho e um ganho do poder de compra da população, haverá o esperado aquecimento no consumo, por conseguinte não se percebe a capacidade de gerenciar os resíduos na mesma proporção que os mesmos são gerados.
Voltando ao cerne da discussão, na PNRS estão embutidos vários conceitos e práticas pouco experimentados pelos empreendimentos e seus gestores. Novos entendimentos foram apresentados no diploma legal, ainda que seja aguardada melhor clareza após a sua regulamentação, alguns pontos já estão bem cristalizados: a necessidade de estabelecer Acordos Setoriais, os estudos e negociação sobre a responsabilidade compartilhada, construção dos planos de gerenciamento de resíduos sólidos, criação de uma futura malha eficaz para a logística reversa de forma continuada e economicamente sustentável, entre outros temas.
Este último ponto se torna bastante complexo quando trazemos a baila, a sustentabilidade empresarial, seja frente ao meio ambiente ou especificamente em face aos resíduos sólidos. Como reger a orquestra da sustentabilidade, se parte dos seus componentes carecem de afinação jurídica e econômica? Este é o grande ensaio geral a ser proposto. Em diversas consultas recebidas, nota-se que a carência de afinação jurídica tem sido o ponto comum em inúmeros casos de insucessos e, a carência de análise econômica tem permitido prejuízos. Sob este aspecto, é importante salientar, que determinados procedimentos desenvolvidos pelos empreendimentos, apenas por técnicos, precisarão de novas conformações visando agregar sustentabilidade jurídica e econômica, para se alcançar definitivamente a sustentabilidade empresarial.
Para exemplificar, existem casos reais, já constatados, onde por imprecisão jurídica e falhas na interpretação da norma, um empreendimento foi aconselhado a fazer ajustes desnecessários e investir quantia significativa antes da exigência, fundada em um artigo não regulamentado e sem aplicabilidade. Ressalta-se que, além de adiantar recursos, se, a regulamentação dispor de forma contrária, estes investimentos estarão comprometidos. Outra agravante será considerar que, na hipótese da abertura de linhas de crédito públicas, terá havido comprometimento impróprio de recursos que obviamente estariam alocados para suprir outras necessidades.
É inegável que a visão ambiental tem se alterado de maneira muito positiva. Também, parece cristalino, que as relações do setor produtivo, potenciais geradores de resíduos, com a conformidade do sistema estão ganhando peso e corpo jurídico, além do econômico, como nunca presenciado.
Seguindo nesta mesma trilha, o que, no passado, poderia ser considerado como “vitória do meio ambiente” sobre o setor produtivo, passou a ser uma afirmação inverídica. Tem-se presenciado a forma que os empreendimentos vêm se posicionando, com responsabilidade e preocupação gerencial com os resíduos. Na verdade, as ações sustentáveis têm sido internalizadas nas operações produtivas como anseio comum. Além disso, estas conquistas passaram a ser comemoradas pelos empreendimentos, com a mesma intensidade que os órgãos de gestão ambiental o fazem. Evidentemente, uma afirmação destas inspira cuidados, claro, pois não se trata de superação dos problemas, mas, uma nítida alteração crescente de postura.
Não há mais como colocar produção de um lado e meio ambiente de outro, como figuras antagônicas. A formação de um bloco único, defendendo as mesmas posições tem se mostrado possível e viável. A sustentabilidade do negócio tem se mostrado conciliadora, onde os dois lados aprendem a caminhar juntos, comungando de realizações comuns.
(*) Cássio dos Santos Peixoto , Professor de Legislação e Direito Ambiental da Pós-Graduação em Gestão Ambiental da Faculdade SENAC MG. Advogado, Perito Ambiental, Pós-Graduado em Direito Tributário, Direito Empresarial, Direito Ambiental e em Gestão Ambiental. cpeixoto.bms@terra.com.br / cpeixoto@bmsempresarial.com.br