Greenpeace afirma que proteção da Amazônia ainda não saiu do papel

O Greenpeace exibiu nesta segunda-feira (29), durante coletiva à imprensa em Manaus, fotos de balsas carregadas de toras e pátios abarrotados de madeira nobre na recém-criada Reserva Extrativista Verde Para Sempre, em Porto de Moz, no Pará (1).

A organização ambientalista mostrou ainda imagens em vídeo de grandes áreas de desmatamento ilegal recente na Terra do Meio e na região da BR-163, que demonstram que a falta de ação consistente do governo federal está resultando em verdadeira corrida pela destruição da Amazônia.

Durante sobrevôo na última quinta-feira (25), ativistas do Greenpeace documentaram intensa atividade na floresta e várias balsas carregadas de madeira descendo os rios na área da reserva Verde para Sempre.

Entre as empresas flagradas está a Internacional Madeiras. No início de dezembro de 2003, ela foi multada em R$ 603.000 por exploração irregular de madeira, teve 14.900 m3 de toras de madeira apreendidas e seu plano de manejo em Porto de Moz foi embargado durante a Operação Porto de Moz, realizada pelo Ibama, Polícia Federal e Exército. A punição não impediu a empresa de continuar a operar ilegalmente, se beneficiando da ausência de agentes do governo na área desde que a operação foi encerrada, no final do ano passado. O pátio da empresa está lotado de toras.

Imagens de satélite processadas pelo Greenpeace mostram que o desmatamento na Terra do Meio em 2004 aumentou 35% em relação a 2003 e já chega a 70 mil hectares. Nos últimos três anos, o total destruído na região (176 mil ha) é maior do que todo o desmatamento acumulado até 2001. As fotos e imagens de vídeo da Terra do Meio mostram grandes desmatamentos em áreas de floresta pública destinadas a se tornarem unidades de conservação, como consta do Plano de Combate ao Desmatamento (2) lançado com pompa e circunstância pelo governo Lula no início do ano.

Já a BR-163, que liga Cuiabá a Santarém, ganhou um outro ambicioso plano – o “BR-163 Sustentável”, que inclui a adoção de rigorosas medidas ambientais, inclusive a criação de áreas protegidas, para evitar que a pavimentação prevista para 2005 provoque desmatamento adicional.

As medidas previstas ainda não foram adotadas, mas o simples anúncio da pavimentação atraiu grileiros para a região.

“Enquanto o programa contra o desmatamento patina em Brasília, madeireiros, fazendeiros e especuladores acelaram o processo de ocupação e destruição da floresta”, disse o coordenador do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adario, durante a coletiva.

A apresentação foi ilustrada com imagens de satélite, mapas de desmatamento e queimadas e gráficos de produção e exportação de soja, carne e madeira – os três principais produtos ligados ao desmatamento. Os indicadores analisados são piores do que em 2003, quando o desmatamento da Amazônia foi o segundo maior da história. (3)

Para o Greenpeace, quatro fatores foram fundamentais para a falta de implementação do plano de combate ao desmatamento: a não liberação dos recursos prometidos; a falta de adesão real dos diversos ministérios envolvidos; a ausência de coordenação forte que transformasse a luta contra o desmatamento numa prioridade real de governo; e uma estratégia de comunicação que envolvesse a sociedade como um todo na luta contra a destruição da Amazônia. “O que se viu foi o contrário do anunciado”, disse Adario. “O dinheiro prometido não saiu, o MMA foi acuado por acusações de entravar o desenvolvimento; o agronegócio foi vendido por empresários, pelo ministro da Agricultura e pelo próprio presidente Lula como a salvação da lavoura; e até mesmo o Ibama – que deveria fiscalizar e punir, manteve-se longe da floresta, mergulhado em greves e falta de recursos.”

O plano previa a adoção de um sistema baseado em monitoramento via satélite em tempo real de queimadas e desmatamento. Imagens e relatórios consolidados a cada 15 dias permitiriam que os diversos órgãos de governo – na área ambiental, trabalhista, fundiária, fiscal e tributária – agissem de forma rápida e coordenada para barrar a destruição na origem.

A sociedade teria “participação ativa” no monitoramento e acompanhamento das medidas. Esse sistema, conhecido como Deter, está pronto pelo menos desde junho, mas ainda não está sendo utilizado e não foi tornado público. E não é o único mecanismo à disposição do governo: há também o Sipam, a parte civil do Sivam.

Instituições de pesquisas e ONGs que, como o Greenpeace, acompanham o desmatamento com o uso limitado de imagens de satélite e dados de campo, estão extremamente pessimistas. Taxas alarmantes de desmatamento – em torno de 30.000 km2 – circularam nas últimas semanas sem que tenham sido desmentidas pelo governo, embora o secretário de Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, tenha mencionado mais de uma vez que o desmatamento será “estabilizado” em 2004 – ou seja, estará num patamar similar ao do ano passado, pouco mais de 23 mil km2. “Não podemos afirmar com segurança qual o tamanho da área destruída em 2004, até porque o governo não cumpriu seu compromisso de tornar as imagens e dados acessíveis à sociedade”, disse Adario. “Mas qualquer que seja o número final, ele será altíssimo e caracterizará uma derrota do presidente Lula e do Chefe da Casa Civil, José Dirceu, que é o coordenador do Grupo de Trabalho criado em julho de 2003 para implementar o plano.”

“A batalha contra a destruição da Amazônia em 2004 está perdida”, afirmou Adario, “e isso é uma péssima notícia para o Brasil e o mundo. O presidente Lula vai reinstalar, nesta terça-feira (30), o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, no Palácio do Planalto. Se o governo federal está realmente comprometido com as questões climáticas, ele deve dar real prioridade ao combate do desmatamento na Amazônia. O Brasil é o sexto maior responsável por emissão de gases que provocam o aquecimento global e essa contribuição vem, principalmente, pelas emissões causadas pelo desmatamento”.

Enquanto o Plano Safra, lançado em junho para financiar a produção agropecuária – que além de emprego e renda gera desmatamento – tem um orçamento de R$ 39,5 bilhões, o orçamento do Plano contra o desmatamento é de R$ 395 milhões para 2004.

Apesar da disparidade dos números, isso é muito mais do que qualquer outro programa de govern envolvendo a proteção da Amazônia já obteve . Desse total, quase R$ 300 milhões viriam de recursos não previstos no Orçamento.

No entanto, somente R$ 56.4 milhões em dinheiro novo foram destinados às medidas previstas no plano até fins de novembro. A falta de dinheiro suficiente resultou em graves problemas e comprometeu a aplicação – e os resultados esperados. Segundo relatório reservado do governo (4), nos primeiros cinco meses do programa, os 13 ministérios envolvidos haviam cumprido apenas 2% das 231 metas previstas para 2004.

O Plano previa, por exemplo, a realização de 62 operações especiais de fiscalização em 2004, com o envolvimento, em cada uma, de agentes do Ibama, Exército, Ministério do Trabalho, Incra, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, começando em abril. Segundo dados do Greenpeace, até outubro apenas UMA dessas operações de grande porte havia sido realizada – em Itaituba, no Pará (5). A participação dos órgãos dos diversos ministérios em operações conjuntas, com exceções de praxe, como a Polícia Rodoviária Federal, ficou na lista das boas intenções.

Estudo recente do Banco Mundial mostra que a pecuária é o principal fator de desmatamento na Amazônia – 75% das áreas desmatadas são ocupadas por gado. Segundo o IBGE, o município de S. Félix do Xingu, no Pará, já abriga 1,2 milhões de cabeças – o terceiro maior rebanho de gado do país. S. Félix, a porta oriental da Terra do Meio que está sendo grilada em escala recorde, é o campeão brasileiro de violência e trabalho escravo, segundo a Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica.

Segundo o ministério do Meio Ambiente, mais de 90% da produção de madeira na Amazônia tem origem predatória. As exportações paraenses de madeira – que a exemplo do resto da Amazônia vem em grande parte de desmatamentos que precedem as queimadas – aumentaram 23.5% em volume no período janeiro-outubro de 2004 em comparação com o mesmo perído de 2003. Já a área plantada com soja nos estados de Roraima, Rondônia, Amazonas, Pará e Tocantins aumentou 65% na safra 2003/2004, em relação à safra anterior. No Mato Grosso, estado campeão de queimadas, o aumento da área plantada com soja foi 16.5%.

Um indicador seguro de que a situação está fora de controle é o aumento impressionante nas queimadas em 2004, principalmente nas consideradas áreas prioritárias pelo Plano contra o Desmatamento. Imagens do satélite NOAA-12, processadas pelo CPTEC-INPE, mostram 116.574 focos de calor na Amazônia até setembro de 2004, o que representa um aumento de 19% em relação ao mesmo período do ano passado (6).

O número de focos dobrou no Pará no mês de agosto, em comparação com agosto de 2003: mais de 11 mil foram registrados, principalmente no sul do Estado, na Terra do Meio – onde o Greenpeace documentou desmatamentos ilegais de milhares de hectares de florestas plúbicas – e ao longo da BR-163.

“Faltou pulso firme ao governo para impor o Plano à iniciativa privada, à sociedade e internamente. E mais uma vez, há um descompasso entre proposta e implementação, entre discurso e ação – o que é uma triste e histórica característica do Brasil”, observou Adario. “O desmatamento da Amazônia tem profundas causas sociais, econômicas e culturais que exigem uma mudança no modelo de desenvolvimento. E este modelo continua o mesmo: em vez de produtos acabados que agreguem de valor no país, o Brasil exporta água, desmatamento, perda da biodiversidade, empobrecimento do solo e mão-de-obra barata, quando não escrava, em forma de soja, madeira e carne e produtos primários.”

NOTAS:

(1) A reserva extrativista Verde para Sempre foi criada no ínicio do mês pelo governo Lula, depois de quatro anos de luta das comunidades locais, apoiadas pelo Greenpeace. No mesmo dia o governo criou a reserva Riozinho do Anfrisio, na Terra do Meio, uma das várias unidades de conservação previstas para a área.

(2) Ao comentar o plano em abril, na reunião do Grupo de Trabalho Interministerial criado para implementá-lo, o ministro da Casa Civil, José Dirceu declarou enfático: “Pela primeira vez na nossa história, o governo dispõe de um plano estrutural e abrangente para combater e prevenir o desmatamento”. O plano pretende garantir que o desenvolvimento da região amazônica seja feito com base no “uso sustentável dos recursos naturais, mantendo o equilíbrio ecológico desse enorme patrimônio brasileiro.”

(3) O desmatamento do período Agosto de 2002-Agosto de 2003 foi de 23,750 km2, só inferior ao período agosto de 1994-agosto de 1995, no governo FHC, que atingiu 29.059 km2. A destruição da floresta vem se acentuando desde meados da década de 90. Da área total desmatada na Amazônia Brasileira, 30% ocorreram nos últimos 10 anos. Isso representa um total de 192 mil km2, numa média de quase 20 mil km2 – ou um estado de Sergipe – por ano.

(4) O relatório foi obtido pelo jornal O Globo e divulgado em 11 de Novembro de 2004

(5) Nas bases de Alta Floresta, Ji-Paraná e Porto Velho, algumas operações pontuais aconteceram, mais pelo dinamismo dos responsáveis do que por decisão da coordenação de Brasília. Bases importantissimas como Novo Progresso e São Félix do Xingu, na Terra do Meio, Apuí, Breves, Juína etc não tiveram as ações de fiscalização previstas.

(6) Esses focos e queimadas estão concentrados principalmente em áreas consideradas prioritárias pelo plano de Lula: a área da soja e gado em Mato Grosso, a Terra do Meio no Pará, ao longo da BR-163, Rondônia e Sul-sudeste do Amazonas, na região que vai Apuí a Humaitá. (Greenpeace)