O futuro do campo na produção de energia

A terra está deixando de ser apenas a principal fonte de alimentos para o homem. Num movimento ainda nascente, mas que já é apontado como a mais promissora alternativa econômica do futuro, as lavouras começam a fornecer energia. As plantas e até os animais criados nas propriedades rurais se tornam geradores de combustível, iluminação e força para funcionar máquinas e equipamentos.

A decisão de investir em agroenergia reforça o pioneirismo do Brasil nesta área. O bem-sucedido programa de álcool combustível extraído da cana-de-açúcar (o etanol), criado há 30 anos e que hoje contribui com mais de 12% na matriz energética nacional, estimulou o país a se lançar num ousado programa de substituição gradativa de fontes fósseis (petróleo e gás natural), que hoje respondem por 80% do consumo mundial, por fontes renováveis e mais limpas.

“A era do petróleo vai acabar. Os combustíveis limpos de origem agrícola serão as commodities [produtos que são comercializados no mercado internacional] mais importantes dos próximos anos”, previu o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, em meados de outubro, durante o lançamento do Plano Nacional de Agroenergia. O plano traça as diretrizes nacionais da área para os próximos seis anos e envolve, além da Agricultura, os ministérios de Minas e Energia e Ciência e Tecnologia.

A aposta brasileira na agroenergia tem justificativas políticas, econômicas e ambientais. O petróleo está cada vez mais caro e escasso. Estudos internacionais apontam que as reservas mundiais durarão, no máximo, 40 anos. Para piorar, quase 80% desses volumes repousam no subsolo dos instáveis países do Oriente Médio. A soma entre alta demanda e fragilidade institucional já provocou a disparada dos preços do petróleo. Nos últimos 35 anos, o valor do barril triplicou, chegando aos atuais US$ 60.

Há também a justificativa ambiental para o investimento em energia limpa. O Protocolo de Kyoto, estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1997, obriga os países signatários, entre eles o Brasil, a reduzir gradativamente a emissão de poluentes na atmosfera. A queima de petróleo e cimento são responsáveis por 75% da emissão dos gases que estão causando o efeito estufa, apontado como grande responsável pelos crescentes desequilíbrios naturais e climáticos.

Além de manter o país enquadrado nas normas do Protocolo de Kyoto, o desenvolvimento da agroenergia aponta para dois outros resultados positivos: abre portas para a exportação de combustíveis limpos, como já acontece com o álcool, e para o ingresso de investimentos estrangeiros no país. Um dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo é o mercado de carbono. Os países ricos poderão compensar suas emissões de poluentes financiando atividades não-poluentes no terceiro mundo.

Para o ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, o Brasil é o país que mais reúne condições de liderar o mercado mundial de agroenergia. Primeiro, porque está saindo na frente nesse processo. Depois, por possuir amplas áreas disponíveis para a agricultura, variedade de culturas oleaginosas, variedade de climas, abundância de água para irrigação e agroindústria bem desenvolvida, além da feliz experiência com o álcool combustível.

Segundo Silvio Crestana, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a agroenergia poderá incorporar áreas sem competir com a produção de alimentos. “Até 2035, as lavouras par a produção de biodiesel ocuparão, no máximo, 20 milhões de hectares e o país tem o dobro dessa área só de pastagens degradadas, que podem ser redirecionadas para a agricultura de energia”, afirma Crestana. Embora as opções comerciais ainda se concentrem em soja, mamona e girassol, o Brasil tem 40 oleaginosas com potencial para a produção de biodiesel.

A demanda por esse combustível limpo é imediata. Em 2008, entra em vigor a resolução que obriga a adição de 2% de biodiesel em todo o óleo diesel derivado de petróleo consumido no Brasil. A produção atual, de 176 milhões de litros, atende apenas 17% desse consumo potencial, estimado em 750 milhões de litros anuais. Em 2013, a mistura chegará a 5%, gerando uma demanda anual de 2 milhões de litros de biodiesel. A meta do governo é chegar a 40%, em um prazo ainda não definido. Ainda em novembro, a Petrobras promoverá o primeiro leilão de compra de biodiesel.

Por enquanto, não está definido o volume de recursos financeiros que o governo federal destinará ao Plano Nacional de Agroenergia, mas está prevista a criação de um fundo específico para essa finalidade.

A Agência Nacional de Petróleo (ANP) já autorizou o funcionamento de quatro usinas de biodiesel no país e há outras sete em processo de liberação. A demanda pela agroenergia já começa a crescer. O desafio, agora, é superar as deficiências logísticas para que o país atinja uma produção de escala comercial desses combutíveis que impeça o naufrágio de um projeto que tem tudo para dar certo. (Valmir Denardin / Gazeta do Povo)