Economista propõe “organizar” destruição na Amazônia

O desmatamento na Amazônia poderia ser contido de forma eficiente caso o governo estabelecesse um sistema de concessões das terras com potencial agrícola da região à iniciativa privada. A proposta foi feita em São Paulo pelo economista Ronaldo Serôa da Motta, do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

Serôa participou, na última quarta-feira (14), do debate “Quanto custaria acabar com o desmatamento na Amazônia?”, na sede da Folha. O evento marcou o lançamento de dois volumes da revista “Ciência e Ambiente” (www.ufsm.br/cienciaeambiente), editada pela Universidade Federal de Santa Maria, dedicados à questão amazônica. Também participaram do debate o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, o coordenador da campanha “Y Icatu Xingu do Instituto Socioambiental, Márcio Santilli, e o jornalista Marcelo Leite, colunista da Folha.

Serôa defendeu que o desmatamento seja “organizado”, com a regulamentação dos direitos de propriedade. “Regularizar é acabar com a grilagem”, afirmou Serôa, apontando na ocupação irregular de terras, principalmente as terras públicas – que, na Amazônia, representam mais de 70% do território -, o vetor primário do desmatamento. Ele afirmou que o governo federal poderia estabelecer um sistema de concessões como o que está sendo proposto para as florestas públicas, também para as áreas públicas da Amazônia com clara aptidão agrícola.

“Se eu puder localizar essas regiões e colocá-las longe de áreas de maior interesse para conservação da biodiversidade, se eu separar 20% da Amazônia para áreas de agropecuária, e através de leilões eu transferir direitos de propriedade, eu não preciso mais ter aquele processo do pequenininho que vai lá financiado pela grilagem, vai lá, pega malária, mata, morre e a fronteira avança.”

Transformar as terras agrícolas numa commodity negociável em mercados, raciocina, também evitaria que a taxa de desmatamento – que, no biênio 2004/ 2005, foi de 18,9 mil quilômetros quadrados – fique à mercê dos preços das commodities agrícolas. “Se o produtor de soja acha que a soja vai explodir em cinco anos ele vai num leilão de terras e compra no mercado futuro.”

O próprio Serôa apontou que a proposta traz um problema de eqüidade, porque prejudicaria populações pobres que têm na ocupação de terras um meio de vida. “Mas temos políticas sociais no Brasil. E não devemos fazer do desmatamento um instrumento de política social.”

Santilli, do ISA, afirmou que o Brasil está arcando sozinho com o custo da preservação da floresta, e que uma maneira de reduzir esse custo seria que o país pudesse ser compensado, no âmbito da Convenção do Clima da ONU e do Protocolo de Kyoto, pelo carbono que a floresta deixasse de emitir com a redução do desmatamento abaixo de um certo limite. Esse mecanismo daria ao país, calcula, até US$ 500 milhões por ano, quase o dobro da verba aplicada pelo G7 num programa para proteger as florestas tropicais brasileiras com dez anos de duração.

Para Capobianco, preservar 40% da Amazônia em unidades de conservação e terras indígenas tem um custo baixo: R$ 400 milhões por ano. “Mas isso não resolve o problema, porque sobra 60% da região. É um desafio monumental, que não pode ser respondido com cálculos baseados em modelos de captação de recursos para proteger. O grande desafio da Amazônia é torná-la um ativo econômico”, disse, apontando como uma das soluções possíveis o projeto de gestão de florestas públicas, em tramitação no Senado – e que técnicos do próprio ministério avaliam que só deve ser votado em 2006. (Folha Online)