A estiagem preocupa diversas regiões do Brasil, apesar de os últimos dias terem sido de chuva na maior parte do País. Ao todo, 206 municípios estão em situação de calamidade ou estado de emergência reconhecido pela Secretaria Nacional de Defesa Civil por causa da estiagem. A maioria está na Paraíba (76 municípios), no Amazonas (62) e no Piauí (50). A situação também é preocupante no Rio Grande do Sul. Escaldados por três estiagens nos últimos quatro anos, os agricultores gaúchos temem perder suas lavouras de novo. Nos últimos dias, Barra do Rio Azul, Carlos Gomes e Pareci Novo decretaram situação de emergência, medida tomada por Candiota em setembro.
Por ora, a perspectiva não é de estiagem generalizada. Em dezembro de 2004, foram assinados 22 decretos de situação de emergência. Neste mês, foram três.
Apesar disso, a Federação da Agricultura no Rio Grande do Sul estima que 20% das plantações de soja tenham sido afetadas. E prevê dificuldades para a irrigação do arroz. Em Santa Cruz do Sul e Barra do Rio Azul, há agricultores que não vão colher nada do milho que plantaram.
Há racionamento de água em Candiota, Bagé e Pareci Novo. Rios estão abaixo do nível normal. O Sinos, em São Leopoldo, desceu 40 cm. O Taquari, em Lajeado, baixou meio metro. E no Rio Uruguai, fronteira com a Argentina, a água recuou 1,2 metro.
O arquipélago de Fernando de Noronha enfrenta um prolongado período de seca e se prepara para a falta de água em plena alta temporada. O açude do Xaréu, que capta água de chuva e é a principal fonte de abastecimento local, está com menos de 5% da sua capacidade por causa das poucas chuvas neste ano. Paraíso ecológico e patrimônio mundial natural, Noronha tem 17 quilômetros quadrados e abriga 4,5 mil pessoas, incluindo turistas e visitantes.
Um dessalinizador foi instalado pelo governo de Pernambuco – Estado ao qual pertence o arquipélago – e começou a funcionar neste ano, utilizando água do mar. Mas não é suficiente. Carros-pipa reforçam o abastecimento, buscando água em um poço da Aeronáutica. Na semana passada, com as pousadas lotadas, o dessalinizador quebrou. Mas voltou à carga anteontem.
Os donos de pousadas – há mais de cem pequenos estabelecimentos em Noronha – não escondiam o desespero. Os cerca de mil turistas não chegaram a perceber a batalha travada nos bastidores pelos proprietários para não faltar água para as necessidades básicas.
Em qualquer tempo do ano, os hóspedes são instados a racionar o uso da água. “Por favor, tome um só banho por dia”, “feche o chuveiro enquanto usa o sabonete e o xampu” e “não deixe a torneira aberta enquanto escova os dentes” são alguns dos pedidos feitos pelos donos das pousadas. Diariamente, a emissora de TV local, a TV Golfinho, informa os locais onde haverá distribuição de água no dia seguinte. Os moradores estocam água em baldes e nas suas caixas até a próxima distribuição.
Nos últimos sete dias, considerados críticos, inserções nos intervalos comerciais na TV e na rádio FM Noronha reforçaram a necessidade de não desperdiçar água. Imagens do Xaréu, quase seco, são mostradas. A campanha está mantida mesmo com o conserto do dessalinizador.
“Todo ano é a mesma coisa, só muda a intensidade”, conta André Sampaio, dono da Pousada da Morena, cansado de conviver com o que qualifica de “política do apaga-incêndio”. “O problema é histórico. Não tem por que não haver planejamento, com soluções em vez de paliativos”. Ele diz que acorda estressado todos os dias, temendo “o caos”. Um dos seus 17 funcionários tem a missão exclusiva de buscar água. “Com o equipamento consertado, o fantasma da crise passou. Mas o alívio é temporário. Esse é o nosso do dia-a-dia.”
Ex-funcionário da administração de Noronha, ele explica que, em relação a 1990, a população dobrou e o número de pousadas triplicou, reduzindo, conseqüentemente, a oferta de água. O consumo médio de água da população, de acordo com a administração local, varia de 450 a 800 metros cúbicos por dia.
Segundo o administrador de Fernando de Noronha, Edrise Aires, uma série de imprevistos e contratempos provocaram a atual crise. Quando a bomba de captação de água do dessalinizador quebrou, há uma semana, foi substituída pela bomba reserva, que também pifou. Um mecânico viajou do Recife, a 545 quilômetros dali, na noite da terça-feira levando o equipamento para o conserto da bomba. Sua bagagem, assim como a de todos os passageiros que viajaram no mesmo avião, foi parar em Aracaju.
Três caminhões-pipa passaram a fornecer um mínimo de água para a população. Diante da grande demanda, um carro do Corpo de Bombeiros foi integrado à tarefa. O freio do veículo quebrou e prejudicou a programação.
O administrador aceita as queixas da população. Esclarece, no entanto, que as providências estão sendo tomadas e que a partir de 2006 os que moram em Noronha vão ter mais segurança no abastecimento de água. O dessalinizador, que fornece 380 metros cúbicos de água por dia, terá vazão ampliada. Passará a produzir 580 metros cúbicos por dia em janeiro. Assim, a água das chuvas poderá ser economizada, permitindo que o açude do Xaréu volte a encher.
Carros-pipa – A Pousada Zé Maria, a maior e uma das mais sofisticadas da ilha, está com sua capacidade total de 42 hóspedes. Apes ar do privilégio de ter carro-pipa próprio, há dois meses passou a pedir a seus funcionários que não mais tomassem banho na pousada. Há 15 dias, segundo o gerente Expedido Elias, os funcionários tiveram de começar a usar pratos e talheres descartáveis em suas refeições. “Os clientes não foram afetados.”
“Para receber água do carro-pipa, a gente tem de se inscrever na companhia de água e saneamento. Se a fila de solicitantes for grande, é um horror, porque demora muito”, afirma Lourival Armando da Silva, dono da Pousada Atalaia, de dez leitos. Ele pega água do poço da Aeronáutica usando carro, carroça e buggy. “A gente recebe água um dia sim, em horário específico, e dois dias não. Quando o dessalinizador não funciona, a precariedade é total.”
Moradora do arquipélago, Geísa Poliana preencheu uma ficha na companhia de saneamento para receber água no início da semana. “Até que tive sorte. O carro chegou depois de dois dias e encheu a caixa de mil litros, que estava seca.” (CarbonoBrasil)