O glaciologista Jefferson Simões dá uma risada quando inquirido sobre o pedido de R$ 30 milhões que cientistas brasileiros fizeram ao governo para financiar pesquisas na Antártida. “Rende mais “papers” (artigos científicos) do que plantar feijão”, diz.
Simões integra um comitê encarregado de levar ao governo a proposta da comunidade de pesquisa para o Ano Polar Internacional, que vai de março de 2007 a março de 2009. O que eles querem é simples: que o valor de um astronauta e meio – ou seja, 1,5 vez aquilo que foi gasto na viagem de Marcos Pontes à Estação Espacial Internacional, R$ 20 milhões em valores de hoje – seja investido ao longo de três anos em 28 projetos. Daí a ironia em relação aos experimentos feitos por Pontes, um dos quais envolvendo feijão.
Os 28 projetos já foram aprovados pelo Conapa – Comitê Nacional de Pesquisa Antártica e estão agora em apreciação pelo CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Eles prevêem a colaboração de equipes brasileiras com cientistas de outros países para o entendimento de uma série de questões relacionadas ao clima, à geografia e à biologia do continente branco, e de como a Antártida influencia o resto do planeta.
Entre os assuntos a serem estudados está o balanço de massa das geleiras da Península Antártica, uma das regiões do planeta que mais têm sofrido com o aquecimento global; o estudo das conexões da alta atmosfera antártica com a América do Sul, que ainda é essencialmente um mistério; a dinâmica dos icebergs; e o uso de mamíferos marinhos como indicadores de qualidade ambiental.
Até agora o dinheiro não saiu, embora haja de parte do MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia uma expectativa de que a verba seja liberada da reserva de contingência da União. Há também a esperança de que R$ 1 milhão venha do fundo setorial de Recursos Hídricos (CT Hidro), afirmou Cordélia Machado, coordenadora de Políticas e Programas para o Mar e a Antártida do MCT.
As pesquisas do Ano Polar, evento que não ocorre desde 1957, devem ajudar a entender melhor como as grandes massas de gelo – os ralos de energia do planeta- estão sendo alteradas pelo aquecimento da Terra agravado por ação humana. E como, por sua vez, os pólos alterados podem perturbar ainda mais o clima.
Para o Brasil, está em jogo também a continuidade do Proantar, estabelecido em 1982 (para garantir a adesão do país ao Tratado da Antártida, o clube das nações que gerencia o continente) e que até hoje não disse a que veio.
“O insucesso do Brasil no Ano Polar mata o Programa Antártico Brasileiro”, exagera Simões, que coordena o Nupac – Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas, único laboratório do país especializado em gelo. Pode até não matar, mas condena o Proantar a permanecer na indigência em que se encontra hoje.
Continuidade – A trajetória do Proantar tem sido uma lástima financeira nos últimos 15 anos, acompanhando o crescente desinteresse do governo pelo sexto continente desde que este foi decretado santuário ambiental, em 1991.
Desde que a gerência científica do programa passou para o CNPq, naquele mesmo ano, só foram gastos R$ 21,47 milhões em apoio à pesquisa. Grosso modo, “um astronauta” em 15 anos.
A situação melhorou ligeiramente em 2002, quando o Ministério do Meio Ambiente lançou um edital para a montagem de duas redes de pesquisa na Antártida. Foram cerca de R$ 5 milhões em quase quatro anos para estudos do ambiente global e da zona da estação Comandante Ferraz.
Foi a “época de ouro” do Proantar, nas palavras de Eduardo Boucinha de Oliveira, do MMA. Os cientistas usaram o dinheiro para comprar equipamentos, como motos de neve e uma broca de gelo. Só para ver a torneia secar em 2006. “Não vai haver renovação das redes porque os objetivos já foram cumpridos”, diz. (Claudio Angelo/ Folha Online)